terça-feira, 15 de novembro de 2005

O triunfo da delicadeza

Urgente, vá ao cinema. Eu não sou crítico de cinema, não entendo de linguagem cinematográfica, não sei nada de enquadramento, penso em escrever roteiros para curtas brevemente, mas sugiro: desmarque o dentista, a cárie segura até amanhã. Cancele a reunião no condomínio, arranje um atestado médico, a instituição que mais funciona no Brasil. Deixe o bar para depois do filme. Vá sem falta ao cinema, assistir “Cinema, aspirina e urubus”, dirigido por Marcelo Gomes.

A história é simples e reproduzo o que saiu no Diário de Pernambuco, sexta-feira:

“No sertão pernambucano de 1942, um alemão, fugindo da guerra e desbravando o Brasil vendendo remédios, e um nordestino, que sonha em morar no Rio de Janeiro, travam uma relação de amizade”.

Fui à sessão das 20h40, no Cine Boa Vista, que sai mais barato (R$ 11,00). Eu, adoro trailler, fiquei impressionado. Passaram uns oito, pensei até que teríamos uma sessão só de trailler, o que também seria demais. Pois bem. Era tudo filme norte-americano, e os personagens engatilharam umas 30 armas, só para começo de conversa. Foi bala até umas horas. Eita povinho pra gostar de desgraça, meu deus!

Depois de tanta bala e arma, entra na tela a história do alemão, que fugiu da guerra, e viaja pelo Brasil, vendendo Aspirina, essa mesma que todo mundo consome hoje como se fosse água. Lá pelas tantas, o alemão, Johan, conhece o Ranulpho, que sonha em morar no Rio de Janeiro. Da carona, vai surgindo a amizade. E a amizade entre os dois segue prendendo a gente do começo ao fim. Tudo de um jeito delicado, com dois atores simplesmente irretocáveis.

Aviso logo que quem for nordestino e estiver longe de casa, vai se rasgar todo de saudades. O Ranulpho rouba a cena, é um personagem maravilhoso, com seu azedume, sua perspicácia, seus olhares reveladores, seu jeito de falar e se relacionar com o mundo. “Ô seu menino”, diz ele, para chamar um desconhecido. “Sai, tristeza”, fala ele com o alemão, quando está irritado. “Bicho cabuloso”, repete em algum momento.

A amizade entre os dois é construída de uma forma tão delicada e engenhosa, que é impossível não se envolver e emocionar com as duas criaturas. Na verdade, dois mundos acabam dialogando pelos caminhos intermináveis da amizade, em pleno sertão nordestino. Um alemão, que fugiu do seu país porque não queria matar ninguém, e um sertanejo, que fica com os olhos brilhando, quando fala no Rio de Janeiro, e vive esculhambando sua terra, “esse buraco”, “esse fim de mundo”, “esse lugar que nem guerra chega”.

Lembro com especial carinho de duas cenas: Numa delas, o alemão diz que guardou dinheiro por tanto tempo, e agora, não servia de nada. Ele resolve fazer uma grande farra com seu amigo. O motivo?

“Vou comemorar a vida”, diz.

O Ranulpho, por sua vez, toma uma decisão ou fala algo que não me lembro. Era algo que fugia completamente do seu jeito de ser. O alemão questiona a decisão, e o sertanejo responde, na lata:

“Eu mudei. Pode não, é?”

Amizade, comemorar a vida, as mudanças que uma pessoa acaba gerando na outra, por mais diferente que sejam os mundos, essas coisas bestas que o mundo tem perdido, e que um cineasta foi encontrar no calor e na aridez do Sertão.

Não sei escrever sobre cinema, que a Luciana Veras não me leia. Sei apenas quando tem um belo filme passando na cidade. Então, me sinto na obrigação de sugerir. Por sinal, só fui hoje ao cinema porque li um texto lindo da Luciana, na mesma edição do Diário. Em algum momento do belo texto, ela fala do “triunfo da delicadeza”, que acabou sendo o título desta breve crônica.

É só isso: O triunfo da delicadeza, com tanto filme cabuloso em cartaz.

7 comentários:

Anônimo disse...

Eita que esse meu vizinho, é o bicho... Sabe tudo o cara...A gente anda tão descrente de sentimentos bons, né?? Vou assistir sim, Samarone. Obrigada pela dica. Quem sabe não volto de lá acreditando que as pessoas ainda podem ser boas e honestas.
Beijinhos.

Anônimo disse...

Vi Vinícius e também recomendo. Maravilhoso saber como a poesia na vida de um homem é capaz de provocar coisas tão poderosas na alma dos outros.

Sobre a delicadeza, urubus, aspirinas e cinemas, aguardo passar esse filme por cá.

Beijim

"Deus te abençoi
cara de boi".

Anônimo disse...

Sabe que Cinema, aspirinas e urubus, anda ganhando tudo que é prêmio por aí? Aqui em salvador ainda não chegou, conheci o diretor pernambucano... coisa fina mesmo.

Saudades, barbudo

Zi

Anônimo disse...

lendo sua cronica lembrei também do filme "cidade baixa". Saiu na Folha de domingo uma cronica sobre o filme, que me deixou com vontade de ver também. É também sobre amizade... viva!
beijos,
obrigada pela dica,
Lu

Anônimo disse...

Cidade Baixa é ducarai, em especial os personagens secundários

Cinema, Aspirinas e Urubus é fudeno. Lembram daquela mulher que foje do marido em "Entre Paredes"? Ela tb pega carona com o Alemão.

Vinícius é bom e dá vontade de beber.

Anônimo disse...

Vinícius dá vontade de tomar uísque, fumar cigarro, dizer 'eu te amo' pra todos os amigos e chorar de pura alegria. Cinema, Aspirinas e Urubus dá vontade de nada, só ficar atabacada olhando como é que pode uma coisa tão linda.

Anônimo disse...

Esqueci de assinar. a anônimo acima aí sou eu.

Roberta Rêgo