segunda-feira, 14 de novembro de 2005

Pequenos mistérios

Olho aqui uma foto que tenho na época em que trabalhei no Diário de Pernambuco, em 1993/1994. Estou saindo da redação com uma pauta na mão, com um sorrisão imenso, usando uma camisa que não sei mais onde está, eu acho sempre um mistério esse: saber onde foram parar as roupas que nos acompanharam durante tanto tempo.

Lembro que uma vez eu e meu irmão abrimos um baú lá em casa, e encontramos umas camisas lindas, com gola, de clubes de futebol de salão que meu pai tinha jogado. Então, descobrimos que ele tinha sido um grande jogador, na época em que o Crato assombrava os clubes do sul com times que eram verdadeiras máquinas. Era o comecinho dos anos 70.

Passamos a usar as tais camisas do baú, e os amigos ficaram loucos, querendo saber onde tínhamos conseguido aquilo. Por muito tempo, usamos essas camisas, que eram relíquias do meu pai, até que elas foram rasgando, se perdendo, e nada mais restou, apenas a lembrança.

Então fica o primeiro mistério: por que as camisas dos clubes dos anos 70 eram tão lindas, todo mundo adora, e não fabricam mais? A beleza tem que ser coisa do passado?

Outro grande mistério que me intriga há muitos anos é o seguinte: por que o poder é tão destruidor?

Não sei o que é, mas algo no poder destrói muitas vidas, e desconfio que muita gente seria mais feliz se tivesse (ou desejasse) menos poder. Poder não, mas o desejo dele, o objetivo do poder, sustentando a vida. O sujeito, para ser governador, deveria a princípio não desejar ser governador, mas ir chegando, naturalmente, ao cargo.

Não sei se é uma coisa muito pessoal, mas na época em que trabalhei em redação de jornal, eu nunca quis ser editor, que ganhava bem melhor e tinha poder. Eu gostava mesmo era de ir à rua, escrever, ver a matéria publicada e sentir que tinha feito algo bacana. O editor tinha o poder dele, mas eu fazia o que mais gostava, que é mesmo o grande poder.

Mais um mistério: por que as pessoas brigam tanto?

Basta olhar o trânsito, para ver que as pessoas estão brigando por segundos. Se alguém está saindo da garagem e você para, para que a pessoa tenha tempo de sair, alguém atrás buzina feito louco. Mas se ele estivesse na garagem, diria: nossa, que pessoa gentil, me dando uma colher de chá em plena manhã de segunda feira!

Tive um bar defronte a um colégio de classe média, que é bem bacana, a forma de educar é cheia de coisas bonitas, as crianças estão realmente tendo uma chance maravilhosa de serem pessoas doces, educadas, de cultivarem inteligências e talentos. Mas nem queira estar na porta da escola ao final de cada turno. Os pais fazem da buzina armas poderosas, estão sempre berrando com suas buzinas, e acho que a escola bem que poderia chamar os pais para um workshop sobre “como pegar seu filho na escola sem fazer um escândalo”. Pior: quanto maior e mais luxuoso o carrão, menor a paciência. Será que esperar no ar-condicionado com um carrão luxuoso cansa?

Vai a minha sugestão para hoje: saia dez minutos mais cedo, e faça gentilezas com todo mundo no trânsito.

Outro mistério: por que tiraram a Fanta Uva do mercado?

É questão pessoal mesmo, perdoem. Eu adorava Fanta Uva e Grapette. “Quem bebe Grapette, repete”, era a propaganda.

Mistério número cinco: por que quase não tem mais circo visitando as cidades?

Tudo bem, teve um festival de circo aqui no Recife, coisa grande, convidados do mundo inteiro, mas a impressão que tenho é que o velho circo, com palhaços mal vestidos e divertidíssimos, com Globo da Morte e domador de leões, acabou. Os circos agora não são mais na periferia, para as pessoas de riso fácil, mas coisas muito gigantescas, para quem tem grana e pode pagar.

Mistério número seis: por que os encontros de ONGs têm que ter a famosa “integração?”

Não sei o motivo, mas tudo que é de encontro de ONGs, de gente que trabalha no terceiro setor, tem que ter uma história de abraços, histórias, confissões, a tal da "integração". Não sei por que as pessoas não podem ir se conhecendo aos pouco, num cafezinho, sem alarde, num sosseguinho básico. Fico pensando nos tímidos, na hora da integração. Eles sofrem, creio.

Sétimo mistério: sumiu das prateleiras as geléias de mocotó Colombo. Francamente, a vida ficou mais difícil sem as tais geléias, e seus copinhos admiráveis.

As cartas postadas e escritas à mão, cadê? Não, aí não tem mistério, é o e-mail mesmo, ocupando todos os espaços. É a pressa com algumas perfeições, mas semana passada recebi uma carta do meu irmão, e adorei.

Mistério nove: por que as comissárias de vôo andam tão enjoadas?

Não sei o que é, mas há dez anos, as comissárias de vôo eram umas deusas, delicadíssimas, amorosas, que nos amparavam de qualquer medo. O sujeito estava com medo da altura, elas abriam aquele sorriso, quase nos colocavam no colo, e tudo ficava ao pé do chão, parecia que estávamos num carrinho de roliman. Hoje, elas são duras, bravas, se você não pegar logo o sanduba, perde o rango, e quando elas mandam botar a cadeira na posição vertical, você tem que obedecer rápido, sob o risco de levar um cascudo.

Décimo mistério: por que essa fantasia em torno da velhice?

Eu não entendo. Chamar a pessoa de velha, para mim, é um elogio. “Velho” é uma palavra muito mais digna e bonita do que essa invenção amena da “terceira idade”. Pior: agora, inventaram o troço da “boa idade”. De quantas idades é feita uma pessoa? Quantos anos envelheci desde que cheguei ao Recife, em 2000? Quantos jovens envelhecidos no espírito não conheci? Quantos velhos amargos não estão por ai? Por que o sujeito que nunca dançou na vida tem que começar a dançar, depois de velho, numa nostalgia pálida do que não viveu por uma simples questão de opção? Boa idade pode ser qualquer idade.

Último mistério: o mistério do amor.

Por que, quanto mais você deixa livre a pessoa que você ama, mais ela é fiel ao sentimento, e mais te respeita?

Talvez esse mistério tenha uma mínima resposta, e vem do Humberto Maturana:

“O que é especialmente humano no amor não é o amor, mas o que fazemos no amor enquanto humanos”.

Para encerrar:

"O amor é inimigo da apropriação".

**
ps. não deixem de assistir "Cinema, aspirina e urubus", de Marcelo Gomes. Um belo filme.

2 comentários:

Anônimo disse...

eu conheço essa música de algum lugar....

"não adianta nem me abandonar..."

Anônimo disse...

Querido Samarone,

Pelo que li vc vendeu o bar... Que pena agora não tem mais "Contra Banda" nas quintas...
Deixo para vc uma máxima do "pessoal" do sindicato quando vem convocar os funcionários da construção do edfício em frente a minha casa:
" - Gente vamos mudar isso, isso não é mais possiviu: o patrão de carro novo e o operaro comendo ovo"
Abraços,