terça-feira, 31 de outubro de 2006

Investigações paralelas numa reunião dos Alcooólatras Anônimos

Desde que fiz as pazes com o meu pai, as viagens a Fortaleza têm tido este tom mais fraterno. Acabou aquela saia justa do filho-rebelde-que-enfrenta-o-velho x pai-achando-que-foi-injustiçado. Da vez passada, tomamos uma cana troncha e rimos muito, num forró meia boca, daqueles em que um tiroteio é a coisa mais natural do mundo nos próximos minutos.

Nesta nova viagem, meu pai veio com essa. Encontrar o meu tio, que está frequentando os Alcoólatras Anônimos (AA). Olhem, se o meu tio está há um ano sem beber, meus amigos, o AA já pode ser tombado como patrimônio da humanidade. O camarada bebia e não era pouco, e era sempre. Fui lá para dar uma força ao meu velho tio, apesar de ele torcer pelo Flamengo, essas coisas esquisitas de família que eu, ao exemplo do Belchior, nunca entendi bem.

Chegamos lá. Não posso dizer o bairro nem o nome das pessoas porque o troço é anônimo. Meu tio estava lá. Mais envelhecido. Ao seu lado, o meu padrinho, que só vi uma vez na vida, e dizem que foi quando nasci, no longínquo 1969 (eu estava doido para escrever "longínquo", hoje). Meu padrinho é o caçula da turma: está há reles, magérrimos, quase não-registráveis 22 dias sem beber. Vai ter que passar uma sede monstra, se quiser se garantir no AA.

Um sujeito de uns 50 anos, um negão retinto, carioca, conta sua história. Só pela cara dá para perceber que ele conhece todos os botecos do Rio e agora, de Fortaleza. O cara é cheio de gírias, malandragens e artimanhas. "Não me preocupava nem comigo", diz. A história é longa, começa pela época de Madame Satan, que, segundo ele, virava até viatura da Polícial. Isso, pelos meus cálculos, faz um tempão. "Hoje, eu bebo é a sobriedade", diz. Daqui a pouco, passa a bandeijinha. Vejo meu tio tomar um inocente, bucólico, pacato, quimérico chá de erva doce, e acho que milagres acontecem. Bebo um também, em solidariedade, apesar do Flamengo.

O negão falava pra chuchu. Olhei no meu caderninho, tenho quatro páginas só com ele. Mas vamos matar logo a curiosidade: está há dez anos sem provar da malvada. Segue o lema do AA, que é evitar o primeiro gole.

Depois veio um militar da reserva. Esse fez merda pra cacete, brigou, arranjou confusão com vizinho, e lembrou as ressacas monstras que passou. Todos chamam o AA de irmandade. Passou outro chazinho e bebi mais. Meu tio faltava apenas a coroazinha na cabeça, para ser um santo. O militar já estava com uns 15 anos invicto. Nem aquela cervejinha no fim-de-ano. O perigo é constante.

O outro camarada, meio fanfarrão, contou uma história deliciosa. Estava noivo, na praia com sua beldade, comendo carangueijo, e fazia questão de ir buscar o produto lá dentro, na cozinha. Uma amiga comentou:

"Poxa, esse teu noivo é tão atencioso! Ele faz questão de ir lá dentro, escolher nosso carangueijo!"

Só que era artimanha do nosso amigo. A cada viagem, tomava uma lapadinha. Quando chegou a conta, ele tinha ido ao banheiro e a noiva ficou espantada:

"Botaram 16 doses de cana a mais em nossa conta!"

Deu errado, como diz o velho sábio Naná.

A última história foi dramática mesmo. Um advogado estava no primeito dia. O cara torrou uma herança que não era pequena. Fazia as petições com a caninha do lado. Estava decidido. Começava naquele dia sua longa batalha. Veio mais um chazinho, mas o meu tio encheu o saco de chá, bebi só para constar. O clima ficou emocionante. Todos davam uma força. Somados, os três que deram depoimento representavam uns 40 anos longe do copo. Não sei como estariam se tivessem continuado. O cara que chegou me pareceu sofrido, mas disse que estava se sentindo acolhido e amparado pelo grupo. Meu tio me segredou que desde setembro está sem fumar, e comecei a achar um exagero. Pena que o Santa Cruz esteja caindo pelas tabelas, porque mais tarde joga contra o Flamengo, no Maracanã, e podia dar uma boa lapada. Ôps, o trocadilho foi infame.

A reunião terminou às 21h e sete páginas de anotações a mais no meu caderno de investigação dos fatos paralelos. Saímos, conheci mais meu padrinho, que morou um tempão na Bahia e parece ser gente boa. Pela cara, acho que ele vai aguentar somente uns 30 dias. Dei um Estuário de presente para meu tio, outro para meu pai. Meu pai tem uns 63, torce pelo Fluminense, meu tio tem uns 60, é louco pelo Flamengo, mas quem está lascado mesmo é meu Santa Cruz, com 24 pontos, e matematicamente na Segunda Divisão do ano que vem.

No caminho de volta, meu pai perguntou onde a gente poderia tomar uma cervejinha.

"Não dá, pai. Depois de uma reunião dessas, o cara não tem clima para beber".

Terminei a noite tomando um inocente sorvetinho, com a dona Ermira e minha irmã.

8 comentários:

Anônimo disse...

Quando trabalhei com um psiquiatra especializado em Dependência de Álcool e Drogas (eu anotava aulas e conferências, redigia apostilas para cursos, etc, tive a oportunidade de conhecer tanto os Alcoólicos quanto os Narcóticos Anônimos e presenciei muitos "milagres". Realmente esses grupos funcionam.

Anônimo disse...

Sama,

Velho, acho que uma das batalhas mais duras que o cara pode enfrentar é pra largar o tal do álcool. Também tenho um tio meu que tenta seguir nessa batalha mas ultimamente tem levado muitas quedas... no entanto, a batalha continua...
Todos os dias rezo por ele. Insistirei em algumas ações para tentar ajudá-lo, mas sei que vai ser difícil..

Abrtaço forte.

Anônimo disse...

Samarone foi no blog da soninha(vereadora do PT em SP, cometarista de futebol ) e li o seguinte:

"Casa de ferreiro...
Já ouviram falar no “The Bobs -- Best of the blogs”, um concurso promovido pela rede alemã de comunicação Deutsche Welle, também conhecida por aí como DW? São 150 indicados do mundo todo, distribuídos em 10 categorias. No fim-de-semana de 11 de novembro, haverá a reunião do júri internacional para escolher os melhores, mas o voto popular também conta. Para saber mais (inclusive sobre como votar), tem o site oficial .
Por que “espeto de pau” presumido no título? Porque eu faço parte do júri – por isso, semanas atrás, passei madrugadas visitando blogs e mais blogs, com muito prazer mas também porque precisava, e disse “não sei se posso falar agora por que estou fazendo isso”, lembram? (O Mauro, de São José, deve lembrar. Ele ficou curioso). Estava participando da seleção final dos indicados... E agora quase termina o prazo do concurso e eu ainda não tinha blogado nada sobre o Bobs.
Mais tarde eu blogo mais.
Escrito por Soninha às 09h16"

Indiquei que ela visitasse o teu blog. Boa Sorte.

Anônimo disse...

Olà Samarone.
Ontem escrevi o comentário acima sobre o blog da Soninha.

Hoje recebi uma resposta dela no meu correio eletronico:

"Olá,
Soninha respondeu seu comentário no Blog Blog da Soninha

Mensagem publicado em: 01/11/2006 09:16

Comentário: visite este blog é muito legal. Vale a pena http://estuariope.blogspot.com/

Resposta:
Legal mesmo, adorei"

Boa Sorte.



UOL BLOG
http://blog.uol.com.br

cometaurbano disse...

Sama, poderíamos criar a instituição Leitores Anônimos do Blog do Sama (LABS). os depoimentos seriam pra lá de emocionantes. Beijão do mano PH

Anônimo disse...

malmal

pena que meu tio não teve essa iniciativa de frequentar uma instituição dessas.

obs:o que vou escrever agora não é zona nem arriação é a pura verdade.

ele no fim da vida colocava sangue pela boca de tanto que estava acabado pelo álcool e pelo perfume(esse lance é verdade mesmo, a galera, os alcoolatras, tomam perfume sim) era deprimente. a esposa dele, minha tia, ela aguentou até o último momento. pense, ô mulher de garra, presenciar, cuidar e ainda disposta a viver ao lado dele...francamente, tenho cá minhas dúvidas se eu tomasse essa iniciativa.

parabéns ao AA. conheço várias pessoas que são integrantes desse grupo e que hoje ajudam os que querem se livrar desse maldito vício.

(ser viciado pelo santinha, no máximo, dá um mau humorzinho de nada)

agora, pena que essa lição não embalou você saminha a sair dessas farras e ainda mais levar os amigos para contribuir com sua cachaçada, tô p da vida com vc viu. >:(
(ainda mais os casados) (a mulher fica em casa esperando o madamo chegar, usando àquela camisolinha vermelha pra v se pelo menos rola algum esquema, mas 99% das vezes o cidadão tá tão turbinado que o que resta pra muierada é o pensamento: "será que levei uma gainha hj?" e fica tentando dormir ao lado da peste sentindo aquele fedô de destilação)

mas como sei que tu és um fiscalizador de conduta dos amigos casados... daqui a pouco te perdôo.

beijocas

malmal

Anônimo disse...

...tomaria...

Anônimo disse...

Não entendi direito o negócio do concurso de blogs, ou uma seleção, eu sei lá, mas agradeço a indicação, tenho feito minha forcinha para escrever algo que sirva, por aqui. O problema é que o concurso é promovido pela Deutsch Weller, e vai uma confissão: estudei alemão um ano e meio e só consegui dizer Guten Tag. Né fogo? Mas visitar Berlim, com tudo pago, seria um troço muito animador.
Às vezes me falta inspiração, mas vou aos velhos cadernos, tem sempre uma história registrada, então vou escapando.
Abraços,
samarone

Ps. Comprem a nova edição de Estuário, seus pirangueiros!