quinta-feira, 8 de junho de 2006

Anotações aleatórias sobre os estados d'alma

Dona Da Luz recebeu alta no domingo, depois de vários dias no ex-Hospital Infantil, que esqueci o nome agora. A vi hoje de manhã, faceira como sempre, com aquele sorriso manso de quem já viveu tudo, e encontrou a seiva da alegria para tocar o barco. Minha tia Flocely, que teve uma "isquemia temporária", como bem disse o médico, está se recuperando do baque de uma forma vertiginosa. Para nosso espanto, brevemente vai estar completamente recuperada. Antes de ontem, assistimos juntos "Sociedade dos Poetas Mortos", e ela chorou muito no final, eu não menos, principalmente quando os alundos sobem na cadeira e dizem "Ó captain, my captain", uma homenagem ao professor, ao Walt Whitman, à poesia, à liberdade.

Ontem, estávamos nos primeiros dez minutos de " Diários de Motocicleta", e chegou uma visita, que falou muito, depois tia ficou cansada e desistiu, então eu fui ler e escrever.

Seu Vital está se preparando para uma cirurgia depois da Copa, e anda contrariadíssimo porque não vai poder beber nos próximos dias. Hoje mesmo acertei de emprestar minha TV 29 polegadas para a turma ver os jogos da Seleção lá em Vital. Fiquei sabendo que o professor Davi contratou Boy como seu funcionário às segundas-feiras. A única exigência é beber com ele até a noite. Naná me contou que ontem, a cachaçada foi grande.

Estou morando no Cabo, a 55 quilômetros do Recife, e não sei se voltarei ao Poço. Minha mesinha fica defronte a uma goiabeira, numa rua sem saída, e a escada tem 16 degraus. Minha vista agora não é mais para o bar de Seu Vital, mas para a Escola Luísa Guerra, onde impera uma gritaria infernal, uma baderna infinita. Prefiro Seu Vital. Hoje de manhã, os alunos soltaram dois rojões de São João. Pensei que o mundo estava caindo em cima da casa, justo agora que tia estava ficando boa. O cachorro da casa se chama Bam Bam, e só come galinha cozida.

Tenho usado o Fiat vermelho de tia, e gosto de ir ao Recife nas horas de menor trânsito, a 60k por hora, curtindo a lentidão e a paisagem, deixando os apressados passarem voando. A Internet no Cabo é uma beleza: descolei um lugar que cobra R$ 0,50 por 20 minutos, e é de lá que mando minhas crônicas de sempre. Ontem, a moçca foi almoçar e me deixou tomando conta do lugar.

Tem chovido muito no Cabo. Eu gosto de chuva. Fico sentado, olhando pela janela e tentando entender as coisas que estão acontecendo, a tristeza que descobri, nos últimos dias. Arregimentei forças no meu próprio espanto, creio. Continuo com esta esperança de tudo se ajeitar, de tirar a lição de cada encontro, de tentar ir ao mais sagrado em mim e nos que me rodeiam. Não sei se tenho conseguido, se os fracassos se acumulam livremente, até que algo maior reverbere.

Tanto arrodeio para confessar tristezas profundas e capitulações, sinceramente...

Melhor buscar o velho Adolfo Montejo, que pergunta onde estão os seus olhos.

"Se a paisagem mudou, que olhar é este que ainda mantenho", pergunta.

Vou aqui, pegar a estrada, com os vidros abertos, para entrar o vento.

8 comentários:

Anônimo disse...

POEMA DE MILAREPA

A pintura dourada se desbota com o tempo,
as lindas flores do campo logo fenecem,
os pálidos raios da lua logo se devanecem,
o rio caudaloso dilui-se no mar,
o arroz que cresce no vale logo é colhido,
o filho querido cresce e logo se vai para sempre.

Isto mostra a transitoriedade de todas as coisas.
Isto prova a impermanência de todas as coisas.
Pense e você tomará consciência.

Estas são as comparações que canto,
espero que você se recorde sempre.
Preocupações e sofrimento sempre existirão,
então deixe-os de lado,
e viva segundo esta grande consciência.
____________________
Meu amigo...
momentos de melancolia e introspecção todos nós temos. Mas cuidado! A tristeza pode causar vício...
Já te enviei uma frase da qual gosto muito e hj me deu vontade de envia-la novamente!
Então vai:
"Não há mal que dure pra sempre nem bem que nunca se acabe..."

Portanto tentemos aprender a passar pelas adversidades!
Que seu coração fique coberto de paz nesse seu momento! E força, viu?
Beijos.

Anônimo disse...

Sama
Fico muito feliz pela recuperação da tua tia. E também porque estás dando o carinho que ela precisa.
Um grande abraço

Anônimo disse...

Tamos aqui na torcida pra que tudo fique bem.
Um abraço,
Cláudia

Anônimo disse...

Pois é ... são algumas coisas ...

Fico feliz em saber que não sou a única enlouquecida no final do filme a chorar 1550 vezes vendo a mesma coisa.
Quando vc falou que talvez não voltasse ao poço foi engraçado, parecia mais que era eu me mudando e deixando aquelas pessoas e aquela rotina na página de ontem.
A estrada sim foi feita para os carros levarem as pessoas, ali a vida passa pela janela...
O cachorro da casa é chique!
Gosto bem mais de escrever arrudeio com U, peço perdão ao pai dos burros.

Em tempo, uma dúvida: vc escreve mais e melhor quando está triste, alegre ou tanto faz?

Beijo!

Anônimo disse...

Desculpa me intrometer mais acho que vc precisa dar um rumo a sua vida. Acho que precisa de um emprego legal, um amor, um aconchego, uma casa legal. Tudo isto não acabam a tristeza mais preenche espaços vazios. Se vc não quer trabalhar nos jornais locais, procure outros meios de comunicação, internet, trabalhos engajados na luta social, qualquer coisa que tenha disciplina e um salário fixo.Algum concreto. Procure também um amor para vc, não tenha medo. Voce encontrará alguém legal no meio de tanta gente chata. Arrume sua casa. Enfim tenha acões concretas. E viaje nas suas cronicas. Não perca o rumo.Tudo é ilusão.

Ana disse...

Sabe?
Acho que as pessoas, ao primeiro sinal de tristeza ou de depressão correm atrás de remédios, pílulas da alegria... Ninguém quer mais ser triste, não!
Ninguém quer sentir esta tristeza, esta dor que as vezes teima em doer no nosso peito, mas são coisas que sentimos simplesmente porque estamos vivos. E são necessárias, num momento de enfrentamento com a realidade, de busca da verdade, em que checamos até que ponto nossos sonhos são possíveis de serem realizados.E, por mais que doam, nos impulsionam e nos permitem repensar a vida...
Mergulha na tua dor, sim. E saia dela renovado, fortalecido, valorizando as pequenas coisas que te deixam felizes e que sempre contas, aqui no Estuário.
Nem lexotan, nem prozac. Só calma, tempo e aceitação. O resto, a vida cura. Confia. A tua alegria vai voltar.

Anônimo disse...

claudia, cida, ana, kenia, marcela, bia,

sama

quanta gente bonita, de coração lindo.

vc tem sorte de ter anjos por perto.

abs

Gustavo.

Anônimo disse...

Sama, meu filho,
É mais do que natural que sua vida tenha tomado um rumo tão inesperado mas aí você está sentindo outros cheiros, ouvindo outros sons (inclusive os ruídos das crianças deseducadas pela tv que gritam mais do que falam) e vivendo outras emoções. Tudo isso faz parte do seu show. Lembrei de alguns versos de Sidney Miller na música "A estrada e o violeiro"

Sou violeiro caminhando só, por uma estrada caminhando só
...
Eu que já corri o mundo cavalgando a terra nua
Tenho o peito mais profundo e a visão maior que a sua
Muitas coisas tenho visto nos lugares onde eu passo
Mas cantando agora insisto neste aviso que ora faço
Não existe um só compasso pra contar o que eu assisto
...
Segue em frente, violeiro, que eu lhe dou a garantia
De que alguém passou primeiro na procura da alegria
Pois quem anda noite e dia sempre encontra um companheiro
Minha estrada, meu caminho, me responda de repente
Se eu aqui não vou sozinho, quem vai lá na minha frente?
Tanta gente, tão ligeira, que eu até perdi a conta
Mas lhe afirmo, violeiro, fora a dor que a dor não conta
Fora a morte quando encontra, vai na frente um povo inteiro.
...
É isso aí, meu querido. Apesar de tudo, a vida continua e também nós continuamos com ela. E tia Flocely está ficando curada. É o espetáculo da vida, como dizia João Cabral de Mello Neto. Conte com minhas preces e continue vendo o mundo com esses olhos sem maldade.
Um cheiro, de mãe.