Ah, voltar para casa... Abrir o velho portão, sabendo que ele vai arrastar em um ponto específico, e que esse barulho vai despertar o bom vira-lata, que virá num instante, e que o reconhecerá. Melhor ainda quando esse mesmo vira-lata se chama Bam-Bam, o terno, afável e sempre amigo Bam-Bam.
Depois de 45 dias entre Havana, Camaguey e o Rio de Janeiro, a sensação boa, confortante, acolhedora, de ter uma casa. Não, não, porque a casa é de minha tia-avó, e sou apenas um hóspede sem data para sair. É mais que ter uma casa - é ter um lugar para voltar, depois de tantas partidas. Ter um lugar no mundo.
A cerimônia de beijar a tia, de reparar que nesta ausência, seus cabelos cresceram, e continam branquíssimos, e que está bem de saúde. O cumprimento à sua antiga cuidadora, Rosa, que vai falar imediatamente "e esse cabelo?". Cinco segundos depois, ela repete "menino, e esse cabelo?". Reencontrar Renato, seu filho, que me recebe com o sorriso tímido de sempre. Essa alegria de voltar para casa, essa celebração do retorno, dos gestos, das palavras. O saber que sou bem vindo, que tenho um lugar no mundo, me renova sempre a alma, o espírito.
As plantas que cresceram, o vira-lata que não sai de perto um instante, como quem tenta dizer de sua saudade. No primeiro andar, o reencontro com minhas coisas, meus livros, os cadernos cheios de anotações. O meu mundo. Olho, para ver o que pensava antes de partir, quando o ano ainda era 2007. O que terá mudado em mim? É cedo para saber. O altar com as fotos dos antepassados, dos presentes, acumulou poeira, isso que chamam tempo. O tempo, essa poeira de todos os dias. Limpo a poeira, mas não o tempo.
Pego a Continente Multicultural, vejo um lindo artigo de Marcella Sampaio. Fala com tanta ternura do meu livrinho de crônicas, o Estuário, que fico feliz, contemplando seu belo texto, acompanhado de uma foto da minha eterna pátria espiritual, o Poço da Panela. Ela diz que se sente minha amiga, depois de ler as crônicas, repito o mesmo para ela. Tens um amigo no Cabo de Santo Agostinho, Marcella, obrigado por tanto carinho, tanto cuidado com as palavras.
A hora de desfazer a mochila. O que trouxe de Cuba, além de tantos textos, histórias, encontros? Livros, os poetas que garimpei, os charutos que minha amiga cubana conseguiu, para serem vendidos e ajudar a construir o derradeiro quarto de sua casa. Mais livros. A máquina fotográfica quebrada. Uma sandália havaiana quebrada. Uma máquina de datilografia Lettera, em perfeito estado, comprada no Rio de Janeiro, por singelos 15 reais.
Aos poucos, tudo vai ganhando novamente vida. Acendo um incenso para aquecer de novo o lugar, o meu lugar. Olho tudo, vejo os livros que estava lendo antes de viajar, o Dom Quixote que ficou em cima da mesa, e que seria minha companhia nas andanças. O primeiro banho em casa, com aquela água que parece já conhecida. Depois, comer algo. Ver que Rosa colocou um complemento de última hora, para o meu almoço - três pedaços de peixe frito, que adoro. E o feijão de casa parece ter outro sabor. A farinha é a melhor do mundo. O arroz é a maior iguaria.
Depois de comer, olho a criação de galinhas de Renato. Eram três, agora são sete, estão todas bem de saúde, fortes, robustas. Como uma manga caída do pé, jogo as cascas para elas, mas as galinhas nem ligam, desdenham da minha oferta. Vai aqui uma informação essencial, amigos leitores - galinhas detestam casca de manga na hora do almoço. Melhor evitar, para não passar por decepções. Me recupero com um punhado de arroz, só para ver a precisão com que elas circulam pelo quintal, em busca do seu quinhão.
Uma boa conversa com tia, as explicações sobre a viagem, ela quer saber tudo, conto uma parte, porque são muitas histórias, e tenho que voltar ao Recife, para recomeçar a trabalhar.
Saio de casa depois de entregar um pequeno presente, que ela coloca na estante, ao lado de todas as corujas que já comprei, em minhas andanças. Quando vou fechar o portãozinho, ele arranha no mesmo lugar de sempre. Olho para a área, Bam-Bam está lá, me olhando com carinho, apenas com o focinho de fora.
Lembro de uma velha canção do Roberto Carlos, uma em que ele descreve um retorno para casa, que parou em frente ao portão, e o cachorro sorriu latindo. Sempre achei engraçado, isso de um cachorro sorrir e latir.
Mas é isso mesmo, o Roberto Carlos tem razão. Bam-Bam estava sorrindo, e nem precisava latir, para me dizer que eu estava novamente em casa.
Para Flocely, Rosa, Renato e Bam-Bam, claro
8 comentários:
Seja bem-vindo Sama. A propósito, a Marcella é minha irmã. O dom das palavras, ela herdou do meu pai. E só ela. Eu herdei o amor pelo Santa Cruz. E só eu.
Sama,
seja bem-vindo a sua pátria espiritual, também estava com saudades... um grande abraço,
Gustavo fala tanto em vc qe vim ver quem era. Entendi porquê.
Interessante isto do Rio, euvivi lá 30 anos e acho os cariocas tão cordiais... naturalmente este negócio do troco incomoda porque é de praxe, querem ficar com os trocados e nunca têm troco, todo preço tem 99 centavos- eu me irrito com isto, no mais treino a tal da estética no comportamento tb, salvo o dia sem que parece que mundo gira a contrário.
ai,sai da frente...
tenho duas faces.
bjs Laura
Uma outra informação essencial: galinhas gostam de casca de cabelo, ou melhor, caspa de milho.
Também me sinto sua amiga. Adorei
Seja benvindo!!!
Tava me perguntando um tempo desse quando você voltaria. Engraçado essas coisas, mesmo não te conhecendo pessoalmente já estava agoniada por você estar tanto tempo longe.
É muito bom voltar pro canto da gente né?
Bemvindo de volta!!
Comentei um dia desses por aqui, mas parece que você não viu!!
¬¬
Vai lá no meu blog ( é novoooo!! Acabei de criá-lo!! =D), dá uma olhadinha, comenta,´da-me uns toques, fala alguma coisa!!
Preciso de um empurrãozinho para continuar a postar o que estou afim de postar!!
aushaushaush
Bjaum, Samaa!! =)
Ah, e o teu blog tá lá pra quem quiser ver!!
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