terça-feira, 9 de agosto de 2005

Com quanto amor se constrói o inesquecível?

Recife, 9 de agosto de 2005.


Estou em casa, quieto, ando muito quieto ultimamente, apesar dos tantos trabalhos, de ser novamente dono de bar, de tantas coisas que chegam, mas eu me sinto quieto, que é o mais importante, quando recebo o email do velho amigo Gustavo. Fala de amor, de encontros e despedidas, “muito choro de parte a parte, coisas da vida, coisas da morte”. Numa época em que tanta gente investe nas piscinas rasas, o meu amigo vai cada vez mais fundo em suas escavações da alma, encontrando a água cristalina que serve para a outra sede, que é da alma. E depois de falar de suas coisas, uma frase me chamou a atenção:

“Amores são feitos de partidas. Acho que servem para nos purificar”.

Fiquei com as palavras do velho amigo. Levei-as comigo durante todo o dia, cheio de reuniões, definições, encaminhamentos, perguntas, respostas. A princípio, parece esquisito, para nós tão possessivos. Depois, a frase foi se depurando, decantando. É preciso ler certas coisas com calma, limpando os olhos, abandonando conceitos, definições ou preconceitos. As coisas do amor carecem de uma certa humildade. Mas, salvo engano, os amigos de verdade costumam dar estes presentes – frases, palavras, clarões, acenos, tudo sem pedir nada. Acho que ao final do dia, consegui entender.

Ao final do email, veio o presente. É um belo poema de um andarilho potiguar, que atualmente vive em Brasília, tocando sua vida, seus sonhos e amores. Fiquei pensando que de Brasília também vem coisas lindas, e sinto um certo alívio, depois do bombardeio diário de CPI, mensalões e essa merda toda.

Há pouco, Gustavo me autorizou publicar o poema neste pequeno Blog, que ainda está nascendo, e não sei muito bem para onde vai. Espero que se encantem como estas palavras, que sirvam de adubo para os amores que chegam e partem quando nem pensamos, que ajudem a tocar a vida, nestes dias conturbados e que nos causam uma certa tristeza.

No meio do poema, uma das perguntas me serviu para o título da conversa de hoje: com quanto amor se constrói o inesquecível? Outras perguntas parecem trazer respostas silenciosas. “Quantas lágrimas põem fim a uma perda? Com quantas lágrimas se constrói um amor?

Belas perguntas, Gustavito. Obrigado por esta delicadeza de hoje, em tempos tão indelicados. Vamos ao teu poema:


Purificação

(Gustavo de Castro e Silva)


Não existe estatística para a dor.

Quem sofre e cala sabe que sobe.
Porém, o volume das cicatrizes
não medem a altura de um homem.

Quantas lágrimas põem fim a uma perda?
Quantos gritos aplacam um desespero?
Quanta angústia necessitamos viver
para melhorar o ser?

Não existe limite para a dor.
E, apesar de vivermos entre limites,
não existe o limite do padecer.

Com quantas lágrimas se constrói um amor?
Com quanto amor se constrói o inesquecível?
Com quanta memória se constrói um futuro?

Mesmo que fosse possível medir a dor,
o homem usaria instrumentos de ilusão,
dissimularia a verdade, esconderia a luz,
falaria que a sua dor é insuportável,
maior que a do vizinho; insuportável.

O homem é a reunião de suas dores.
Ainda que ele não esteja à altura delas.



Para os que amam, mesmo em silêncio.

14 comentários:

Anônimo disse...

É sempre um alívio saber que existem pessoas (ao contrário do que a maioria acha) quese preocupam em mergulhar fundo, quando se tem tanta poça rasa espalhada pelo mundo...

Anônimo disse...

Hummm... Isto de blog é bom, Samarone... Agora alguns de seus leitores anônimos se revelarão em comentários na sua nova casa, que embora virtual se mostra muito acolhedora. :) Então vou chegando para um chá da tarde nas ruas bucólicas do Poço, guiada pelos eflúvios de tuas palavras sempre adornadas por uma sensibilidade ímpar..
Ah, olá... ;)
Sou Bia.
beijos.

Anônimo disse...

Sama

Já não era sem tempo o seu blog! Uma delícia te ler aqui. Melhor do que no JC. Também tinha essa sensação sobre abrir um blog: vaidade, egocentrismo... Nada a ver achar isso. Um dia também abro um pra dizer coisas sentidas. É bom, lava a alma, une pessoas. Parabéns pela idéia, pela presença e permanência. E quanto ao poema do Gustavo, acho que vou querer o telefone dele...(rsrsrs).
Beijo, valeu!!
Leila

Mariana Mesquita disse...

Muito lindo, seu blogue e você. Um beijo, saudade.

Anônimo disse...

quando o mar
quando o mar tem mais segredo
não é quando ele se agita
nem é quando é tempestade
nem é quando é ventania
quando o mar tem mais segredo
é quando é calmaria

quando o amor
quando o amor tem mais perigo
não é quando ele se arrisca
nem é quando ele se ausenta
nem quando eu me desespero
quando o amor tem mais perigo
é quando ele é sincero

Cacaso

Anônimo disse...

Sama, obrigado pela inclusão do poema. Obrigado por abrir-se em espaços para todos nós.

Há um mês ou dois, escrevi uma orelha para um livro nunca publicado, lembra?
É um perfil de como te vejo. Coloca esse teu perfil aqui, para os teus leitores saberem mais de você.

Corações ao alto!!!

Gustavo.

Anônimo disse...

Êêê! Muito feliz de ter suas crônicas de volta, viu?

Anônimo disse...

O bom de tudo isso que acabei de ler é saber que não é só meu o sonho de descobrir sua própria alma! E mas, de torna-la desnuda, sem máscaras, sem dúvidas do que realmente ela é... a alma, a transparência da alma!!!
Perfeito o poema do Gustavo!!!
Perfeito o poema do Cacaso (no comentário de tenille!)
Perfeito vc, Samarone, estar de volta para nós!!!
Forte abraço a vc e a todos que, de uma forma ou de outra, participam desse blog.

Anônimo disse...

"Com quanta memória se constrói um futuro?" Com quantas memórias, meu caro Sama? Com quantas perguntas se constrói uma vida? Quantos dias foram necessários não desaguar, para o Estuário nos banhar outra vez...? Que Deus te abençoe por dividir conosco algo tão caro. Obrigada, Sama! Obrigada, Gustavo ! Tudo de bom, Sama! Beijão bem grandão!Magna

Anônimo disse...

Tem uma música do Legião Urbana que diz assim: "Disseste que se a tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes, teu grito acordaria não só a tua casa, mas a vizinhança inteira". Acho que é por aí...
Bom demais ter seus escritos de novo viu!

Anônimo disse...

Excelente essa poesia do Gustavo. Faz a gente parar um pouco pra refletir. Gostei muito do seu blog e quero lh dizer que o acessei por dica da Adri, minha minha amiga do orkut a quem só tenho q agradecer!
Um abraço! Continue assim!

Zeca disse...
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Anônimo disse...

Já ouvi algumas vezes uns duros de coração perguntarem: "Mas você 'ainda' pensa em fulano?". E fico meio perdida no calendário, no espaço e no tempo. Pra mim, amor e dor e felicidade são infinitos, atemporais. Podem até diminuir, perder o sentido, mas sempre vão dar uma pontada boa ou ruim, quando lembrarmos deles.
Lindo o poema!
Xêros, Sama!

Anônimo disse...

Muito bom encontrar vc aqui, assim, tão sem resistência. Milhões de beijos.