Recife, 21 de agosto de 2005.
Nunca fui filiado a nenhum partido, apesar de ter tido, desde muito moço, esta simpatia visceral com o PT. Recordo da primeira campanha, em Fortaleza, nem lembro o ano direito, talvez 1984, eu sei lá, eu tinha uns 15/16 anos, mas lembro que a Maria Luisa era uma mulher, muito guerreira, altiva, falava bem como o quê, e nossa família, de centro-esquerda, creio, guinou para deliberadamente para a esquerda. Eu estava no segundo ou terceiro ano do segundo grau, e vivia nas mobilizações, distribuia panfletos, assistia comícios, inclusive o lendário "comício da virada", uma explosão de esperanças adormecidas, ao som de "Maria/Maria". No dia da eleição, eu e meu irmão, Tonho, fizemos uma boca de urna raçuda, ganhamos votos pra caramba dos indecisos, e tinha aquela mística no ar, de que poderíamos ser presos fazendo boca de urna, infelizmente não aconteceu esta emoção toda, minha prisão outro dia foi menos poética, é a vida.
Lembro também do meu pai, voltando de São Paulo, com as camisas "oPTei", que usei logo de primeira e fiz o maior sucesso, porque ninguém em Fortaleza tinha aquelas camisas e eu já tinha optado antes de todo mundo, achei demais. Maria Luisa Fontenele foi eleita numa campanha meio mítica, com todo mundo juntando os tostões, artistas improvisando camisas, bandeiras do próprio bolso e, principalmente, uma boca de urna que tornou o dia da eleição uma espécie de final de campeonato (o que, de fato, toda eleição é). O detalhe é que ela não tinha chance nenhuma de se eleger, e o "viramos", usado no finzinho da campanha, ficou associado, em minha vida, com a superação de qualquer dificuldade, a mais difícil. Sempre dá para a gente virar o jogo, quando estamos perdendo.
Vim para o Recife em 1987, e sempre participei das eleições, neste trabalho que acho precioso de distribuir santinhos, perguntar ao taxista se já tem candidato ou candidata, conversar, discutir, tentar mostrar alternativas, enfim. Eleição pra mim tem muito isso, da conversa, esse trabalho miudinho que é voluntário e, portanto, gratuito. No período em São Paulo (1994-2000) repeti a dose, eu sou assim mesmo, gosto de participar das coisas, escolho um candidato e meto as ventas, trabalho de graça, todas as campanhas trabalhei de graça, é a minha contribuição, o mínimo, não me arrependo de me apaixonar pelas coisas e pessoas.
Na segunda fase recifense, que começou em 2000 e segue até agora, pela graça de Deus, me envolvi ainda mais, participei de tantas coisas, tantas feijoadas-para-arrecadar-dinheiro, aqueles bingos, rifas, os improvisos para enfrentar uma luta tão grande, para tentar eleger gente bacana, ética, digna, gente que ama a vida, que vai cuidar da cidade, das plantas, da saúde das pessoas, que vai ajudar a cultura a vicejar, que vai democratizar acessos aos bens coletivos, enfim.
Acho que nesta vida de militante, nestas duas décadas de participação efetiva, ajudei a eleger muita gente boa (sem contar que sou um pé quente do caralho), umas pessoas que honraram os compromissos, que sempre deram retorno às minhas esperanças. Raramente eu vou para a posse. Tomo geralmente um porre gigantesco, esse tal porre de felicidade, e volto para casa com aquele sentimento de ter dado aquela bicuda de fora da área lá na gavetinha, sem chance para o goleiro, é algo maravilhoso isso.
O que sempre me encantou nessas campanhas foi um certo clima de festa, de improviso, de fazer coletivo. As feijoadas, as camisas pintadas tomando uma cervejinha, as reuniões na casa dos amigos para organizar algum panfletaço, a troca de email. Não sei, sempre tive a impressão de que estávamos crescendo junto com o País, sempre achei que estávamos aprendendo a superar expectativas, a criar coisas novas, a compartilhar sentimentos, sonhos, esperanças, e achava lindo as pessoas nas ruas, lutando pelo que acreditavam, voluntárias, intensas, cheias de uma beleza diferente. Havia uma gratuidade, um júbilo, uma felicidade. Estávamos lutando pelo que acreditávamos, como me disse uma vez, um velho sábio da esquerda que já nos deixou. Estávamos exercitando a Democracia, esta garota que já levou muita sova neste nosso País.
Mas aconteceu isso tudo o que está acontecendo. O marketing parece que venceu nosso suor, nossa beleza, nossa construção paciente, nosso trabalho de formiguinhas. Caramba, e o que dói mesmo é saber que estávamos elegendo umas pessoas bacanas, que devagar as coisas estavam andando, que a esperança estava dançando uma ciranda com a gente. Sabíamos que tinha gente ética, que a trajetória de vida contava, que havia, de fato, uma forma diferente de fazer política.
E fico pensando na próxima eleição, que já é no ano que vem. Não sei como vai ser. Eu como torço pelo Santinha, passei aí meus nove anos de jejum, voltando para casa com a bandeira enrolada, o coração frio. Mas começava outro campeonato no ano seguinte, e eu sabia que o Santinha era o meu time, e voltava aos estádios, cheio de esperança e alegria. Um dia seremos campeões, eu tinha certeza, e aconteceu justamente agora, em 2005. Mas com a política, com tudo o que está acontecendo, eu só tenho mesmo é um receio - de que as campanhas fiquem cada vez mais nas mãos dos profissionais do ramo, e que as pessoas deixem as ruas, as praças, usando o refrão trágico do " são todos iguais".
Como me considero um cidadão de esquerda, confesso que estou naquela morgação básica que o sujeito sente depois de ter escutado aquele melancólico "acabou" da namorada ou da mulher que amava (mas pior que o "acabou" é o insuportável "te cuida"). Mas já aviso aos amigos de velhas campanhas e batalhas - no ano que vem, não vou ficar morgado em casa abatido, desencantado da vida, como diz a canção. Vou olhar o candidato ou candidata que chegue mais próximo dos meus sonhos, dos meus códigos de conduta, das minhas esperanças, e vou de novo suar a camisa, pegar santinhos, levar para conversar com meus amigos.
Ora bolas, vocês já ouviram falar no "levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima"? Eu sou dessa turma.
Para Luciana Azevedo, vereadora do PT que ajudei um pouquinho a eleger, e está horando nossas esperanças.
12 comentários:
É isso mesmo sama!!!
Quem que acabar com essa pensamento de que acabou-se tudo!!!
Vamos à luta!!!
Abração
Sama, quem não desiste do seu sonho
não desiste de si. Por esses dias, pensando em política e outras dores, escrevi isso:
Para ser um homem inteiro
há que se ter feito em pedaços,
colocado a prova convicções,
valores, verdades, vontades.
Tudo o que o homem tem de profundo
se manifesta próximo a destruição.
Tem o sabor da lágrima, o peso da dor.
Mas o homem profundo é em tudo consolado:
sua sombra o acompanha,
seu silêncio o reforma,
alguns pássaros gorjeiam.
À sombra da árvore
o homem profundo espera
sem nada esperar.
O homem profundo não acredita
que pau que nasce torto morre torto.
Para que servem as talas, as mãos e as amarras?
beijão
Gustavo,
de Brasília
Oi Sama,`
É uma pena ver toda essa bagaceira na nossa política. O bom é que sabemos que ainda tem gente quer realemente que fazer a política digna do nosso povo tão sofredor. Vamos renovar nossas esperanças e acreditar numa volta por cima.
Bjs,
Andreia Santos
Retificando:
"O bom é que sabemos que ainda tem gente querendo realmente fazer uma política digna para o nosso povo tão sofredor."
Homem de luz, Samarone Lima caminha como se fosse um cego pela vida. Esbarra em flores e pede desculpas, contempla nuvens de pensamentos, assobia canções
esquecidas, participa de orgias com palavras nunca ditas e nunca desiste das emoções do amor...
Talvez seja isso o que Samarone é. Um in-desistente!
É também um retirante. Um eterno exilado. Está sempre caminhando, como o velho mito africano do deus Onile. Pernas longas, Onile é um velho com um
saco nas costas que nunca pára de caminhar. Carrega à mão um cajado e a lenda diz que se Onile parar de caminhar, toda a dinâmica do mundo cessa. É o movimento de Onile que sustenta o constante ir e vir de todas as coisas. É por isso que Onile é representado como sendo a própria Terra. Sempre a
caminhar... A girar em torno de si e em torno do cosmos...
Acho que Samarone é assim. Está sempre caminhando. Caminhando sem parar. Ora está na França, ora nos Estados Unidos, ora no Chile, Argentina, Crato, Rio,Salvador, Poço da Panela, São Paulo... Mas a maior aventura de Samarone,
ninguém viu. Foi quando ele comprou passagem para o interior de si. De lá,nunca mais voltou. Perdeu o passaporte. Por isso está sempre estrangeiro,exilado, esbarrando em flores, conversando com ventos.
Samarone é muito lindinho. Escreve umas besteirinhas que são fundamentais. Mas quando não escreve é bem pior. Sou testemunha do que acontece quando Samarone não escreve. As flores murcham. Tínhamos em casa um jarro de
hortênsias belas e pluriformes. Quando o poeta escrevia elas estavam em paz com sua beleza, quando não, tudo em volta delas murchava.
Imagine um homem que carregava espelhos nas costas e escrevia poesias depois. Imagine um homem que carregava a máquina de escrever para o banheiro e escrevia poesias depois.
Imagine um homem que bebia um litro de conhaque e escrevia poesias durante e depois.
Imagine um homem que dormia profundamente e sonhava escrevendo poesias profundamente,
e depois, ao acordar, escrevia poesias sem parar.
Escravo da poesia, esse pobre homem nunca tem sossego!
Diz a lenda que escreveu por dentro da barriga da mãe "Amor".
Deve ser por isso que vive escrevendo a palavra em todo canto.
Acho que quando esse homem morrer, algum tom de azul ele vai acrescentar ao céu de todos nós.
Gustavo, de novo.
Bonitinho, Sama. Gostei que só deste texto. Me sinto exatamente assim.
Beijos!
Sama, o que Gustavo escreveu me deu uma grande vontade de colocar aqui algo que te enviei no teu aniversário. Me deu esta vontade...daquelas que devemos respeitar antes de passar. Por isso estou enviando,pois costumo respeitar a minha vontade e as historinhas criadas pelos meus dedos teimosos, matutos e sonhadores. Adoro "historinhas"!Vai aí,mais uma vez(desculpe a insistência), para você, Gustavo e todos os outros colegas amigos:
Imagine você que no Planeta Poesia, vivia uma comunidade tão cheia de vida, que a beleza corria solta por entre os becos e ruas do lugar. Não existia tristeza, onde havia necessidades. As diversas mãos solidárias anunciavam que a falta, do que quer que fosse, era ilusão.
As flores eram visitadas todos os dias por mãozinhas delicadas, incapazes de tirá-las dos galhos, mas muito satisfeitas por poderem sentir sua maciez, sua textura, seu frescor. Crianças levadas, levadas pela alegria de poderem pular, correr, gargalhar e soltar todas as pipas que o céu pudesse levar, além de se deliciarem com uma bola matreira e cheia de ginga.
Um lugar tão lindo, tão lindo que atraía mais e mais admiradores, turistas e exilados de terras incompreensivas. Sim, os seus habitantes eram de uma hospitalidade fora do comum. Davam vivas a cada recém chegado, assim como davam vivas à vida! Reuniam-se todas as noites, sob a luz da lua e o olhar curioso das estrelas. A beleza morava nos corações dos habitantes e emanava amor de cada palavra pronunciada. Nada mais interessava - àquelas inimagináveis criaturas - do que sonharem, viverem felizes e "caminharem de mãos dadas, que nem crianças", dizia com emoção um dos meninos com os olhos muito brilhantes. Um menino, uma cabeça, um linguajar cheio de particularidades. Todos imaginavam o que ele seria quando crescesse, menos ele.
Porém, um dia a manhã se fez estranha para todos. Havia algo de tenebroso no ar. As crianças foram as primeiras a pressentirem e não tardou ao lendário e famigerado Ditador Tiranus aparecer por aquelas bandas, ele que tantos planetas já havia destruído pelo mero prazer de destruir, aniquilar. O sol recusou-se a aparecer e todos os habitantes se recusaram também a perder o sonho e a beleza; temeram pela vida, pelas crianças, por tudo enfim. Um plano de retirada foi armado e acionado pelo mais velho habitante do lugar. As crianças e mulheres tinham prioridade. E assim se fez.
O menino que assistia a tudo com seus olhos brilhantes não tardou a se manifestar, arriscando a própria vida: "Um dia, Tiranus, falarei de tua destruição, todos te abominarão. Espalharei beleza e alegria. Sonharemos todos juntos e tu não mais existirá!" Tiranus, para admiração de todos, calou-se. Um vazio tomou conta do seu coração, embora nada tenha se modificado neste. O instante da surpresa serviu para a 'nave da beleza' partir, não sem antes o menino levar de recordação quatro coisas do lugar: uma bola, um pouco de capim, um lápis e um caderninho colorido. Depois de muito vagar, a nave aterrissou no nosso planeta azul, pois julgaram ser o mais bonito. Alguns se perderam quando aqui chegaram, no entanto, o desejo de todos era de se reencontrarem um dia e viverem tão unidos como dantes.
O menino andou muito e conheceu diferentes lugares e pessoas, o que serviu para que aprendesse diversas coisas, sonhando em encontrar um lugar, onde pudesse, finalmente, sentir-se em casa outra vez. Foi então que, hoje já crescido, ele encontrou. Muitos já o esperavam, outros demoraram a reconhecê-lo, assim como ele. Mas, o fato é que a vida já transcorria ali tal qual no outro planetinha: com beleza e alegria. Cada um, com seus afazeres, não esqueceu do velho sonho de viver lindamente. E é assim que Vital, Severina, Iramaraí, Nana, Bebete e tantos outros criadores e criaturas do lugar poetizam a vida tão naturalmente que nem se dão conta que o amor entra pelo nariz.
E com o grande menino não tem sido diferente. Ele tem cumprido a promessa antiga, registrando tudo no seu caderninho, o que tem feito muitas outras pessoas felizes. O velho "Tiranus" nem de longe tem tido sossego e fica tremendo de medo toda vez que o menino escreve.
Vez por outra, o grande pequeno ainda tenta encontrar mais e mais "conterrâneos" seus, lendo escritos poéticos de supostos desconhecidos. A esperança e o sonho tem sido cultivado com afinco, mesmo sendo acusado, muitas vezes, de "idealizador romântico". Os de fora não desconfiam que ele vive o que diz, que ele está cumprindo uma promessa, nem imaginam que ele está realizando um sonho.
Beijão! Magna.
Além do "te cuida" tem também "a vida segue". É verdade, mas dá uma tristeza...
Lembrei de tanta coisa lendo este texto. De minha mãe, cassada com dois 'ss' e um pouco com 'ç', que perdeu tantos amigos e brigou tanto em prol da democracia. De mim, aos 13 anos, me inscrevendo sem minha mãe saber como voluntária num comitê de Arraes, e por conta disso viajando subúrbios e interiores de ônibus e trem, na Caravana da Esperança, em 1986... vivendo a época da faculdade... todos os comícios e campanhas nas quais acreditei e me integrei de verdade... E até de nós dois, que nos encontramos num comício no Anhangabaú nos tempos de Paulicéia, lembra disso?
Tou de farol baixo com esse lamaçal todo, mas concordo com você, querido. Obrigada pela injeção de ânimo. Cheiro, seu brógui é lindo que nem tu.
Sama, meu filho querido, essa de hoje me encheu de lágrimas os olhos. Você descreve aquilo que a geração de hoje já não sabe sentir. Como você sabe, sou do tempo em que o voto não era dado pelo povo que sabe tão bem das coisas, que entende quem fala por eles e quem fala rindo deles. Você hoje mexeu com minhas emoções mais antigas e isso em vez de me deixar "de farol baixo" como disse Mariana, reforçou ainda mais aquela esperança de ver a história passada a limpo e o povo, de novo, na rua acreditando que o País dos nossos sonhos ainda é possível. Vou fazer como você, "Vou olhar o candidato ou candidata que chegue mais próximo dos meus sonhos, dos meus códigos de conduta, das minhas esperanças" e ainda haveremos de tomar aquele porre de felicidade.
Com carinho, um cheiro de mãe.
Anna
Creio que tudo isso que acontece agora servirá para fortalecer essa massa de militantes que acredita em um projeto político, não apenas de um partido, mas de um povo que quer coisa muito diferente do que já vivemos em outras décadas.
acho que ainda tem muita lama espalhada, melando gente que era limpa. Mas acho que já estamos limpando muita sujeira desde que, com nosso esforço, começamos a chegar lá.
Ainda acredito que a esperança vai vencer o medo e continuo sem medo de ser feliz!
Frida
Eu tb estava lá na campanha da Maria Luiza! Tb vibrei com a vitória dela! Tb tinha por volta de dezesseis anos na época. É, Sama, a gente nao pode deixar de acreditar, porque senão os ruins tomam as rédeas, e aí voltam a dominar o jogo, sem resistência alguma! Um abraço!
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