Não sei o que há, o mundo anda meio estranho, apressado, as pessoas andam se destratando e destratando o mundo. Há milhões de pessoas remexendo o Orkut, neste momento, milhares de mensagens estão indo e vindo, mas poucas vezes tenho escutado aquela pergunta sincera: "Você está bem?", feita pelo Siba, num dia em que eu corria para resolver algo que não lembro.
Tenho criado meus pequenos refúgios, abrigos, acalantos. Uma vez por semana, chova ou faça sol, vou ter com a minha amiga Flávia Suassuna, com suas aulas de Literatura. Ao lado do meu inseparável amigo Ailton, escutamos coisas que entram no coração, acalmam os tumultos. Como o Drummond, que diz que "cego é talvez quem esconde os olhos debaixo do catre". Lá, descubro com certa tristeza que a marca do Século XIX foi a palavra, e que a do século XX é a imagem. Mas a Flávia diz que um poema do Drummmond mudou a vida de sua irmã, então comenta:
"Se o Drummond mudou uma pessoa, mudou o mundo".
Duas vezes por semana, o encontro com a turma de professores da Kabum!, onde ensino. Então chega a Ana Luiza, com seu abraço verdadeiro, a troca de olhares e esperanças, o que vamos fazer a cada manhã. Vejo os jovens lendo cada vez mais, e fico feliz porque algo que faço neste mundo vale a pena. Cada vez vai ficando mais claro para mim. De tudo o que fiz, dos livros, das viagens, dos projetos que participei, o que mais me comove, me realiza, me faz ser gente, é ver jovens se apaixonando pela leitura, pelos livros, pelo mundo sem volta que é o da Literatura.
Chega Beth, a doce Beth da Mata, com seu sorriso, seu olhar precioso para o mundo da arte, sua generosidade, então o dia fica mais calmo e bom. Chega Syrlei, que faz um lindo trabalho de teatro com os jovens, chega Walquiria, então o dia, às terças e quintas, começa bem, precioso..
Volto ao meu caderninho com as drummonianas:
"Minha criança salta na minha vida para restaurá-la".
O Drummond perdeu sua filha Júlia em 1987, ficou triste, muito triste, sobreviveu apenas 12 dias, depois foi enterrado junto com ela, que coisa.
Volto à Flávia. Ela começa a ler um poema para os alunos e chora, se emociona, pára a leitura. Fica aquele silêncio, penso em bater palmas, mas o silêncio é mais eloquente que as palmas, então as grosserias da vida, as chateações, ficam mais serenas.
Ah, meus amigos, hoje estou meio desaprumado, alguma nota mais triste tocou. Mas são as coisas, minha falta de afinação com o mundo, que escondo bem.
Uma frase do Rilke então me consola:
"Sou um desajeitado da vida".