sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Esse tão pouco que preciso

Resulta que em mim, há uma necessidade que vem das entranhas, essa de escrever. Me agonia a distância de um caderno, uma caneta, um lugar quieto para escrever, que é meu jeito de falar com o mundo. Porque em mim, escrever é ser. Sou o que a minha expressão permite. É tão orgânico, que me faz submisso. Não escrever é como um desamor, uma solidão. É o lugar do maior abandono.

Às vezes, ao dia só resta atravessá-lo. Toma-se decisões, o telefone agiliza processos, a sobrevivência vai nascendo de atos que levam a alguma coisa, talvez precária. O labirinto da existência. Quando entardece, este excesso de vida prática exige novos rumores. Uma biblioteca, um café silencioso, um lugar de armistício. É possível colher alguns louros em meio às prateleiras, repleta de autores amados.

Mas falta a escrita. O momento silencioso de elaborar as perdas, ganhos, fracassos, gentilezas. Aquietar a alma e deixar a mão seguir, tateando alguma cegueira nova, desconhecida.

Procuro então uma biblioteca. O silêncio das bibliotecas me lembra catedrais fechadas, igrejas sem padres. Anoitece quando esbarro na biblioteca da Universidade Católica, onde estive tantas horas de minha vida. Sou barrado, porque no período das provas, só alunos e professores podem entrar. Não esboço reação. Sou um ex de quase tudo na vida: ex-aluno, ex-chepeiro, ex-professor, ex-repórter, ex-tantos.

Chego a um café no pátio, onde o vento é bom. Não há tanto silêncio, mas a mesa vazia me acolhe bem. Por deleite espiritual, uso uma caneta bico-de-pena, comprada após um longo dia de trabalho. Um prêmio para meu dia, por não ter esmorecido ante aos seus rumores.

Aqui, sentado, escuto as buzinas impacientes no trânsito. Talvez os motoristas não tenham descoberto que buzina não abre espaços nos engarrafamentos. Melhor vender o carro e comprar uma ambulância. Seria lindo o Recife, num desses dias de sol, com mil ambulâncias loucas, cortando sinais e causando alarde. Há, de fato, gente que vive como se a sirene estivesse ligada, a caminho de algum hospital que sequer existe. Talvez sejam as doenças da alma.

Vou por aqui, anotar outras besteiras. Mas só este tempo destinado ao rascunho dessas minhas notas esparsas, que não constarão em nenhum jornal de amanhã, me acalmam o suficiente para ver o silêncio com outros olhos. Me aquieto, me acomodo, realinho algum cômodo interno. Minha paz está em minhas mãos.

Sempre soube que viveria do que escrevo. Não sabia que sobreviveria do que vejo e penso, já sem os males do pudor, do excessivo cuidado com o mundo. Só me arrumo quando coloco as palavras para a vida, soltando-as em desabalada carreira.

Minha ordem é outra. Minha salvação tem outras veredas. Minha bênção é esta escravidão das letras. As palavras me abençoam, me lavam. É tão pouco o que preciso, que às vezes tenho a vertigem de ser livre.

Aos meus queridos leitores, estendo as mãos. Estou de volta ao nosso diálogo.

25 comentários:

Adriana disse...

Abraço bem grande, meu Poeta querido...

Mariana Paixão disse...

Okaerinasai!

*Expressão japonesa que se usa quando alguém volta pra casa, depois de um tempo fora. :)

Anônimo disse...

que bom que esse dialógo gritante e silencioso retorna ao teu blog... estava com saudade...
um grande abraço,

Anônimo disse...

Sama...
me sinto assim também
fico insolo
e fico invisível anotando
passos discretos com vergonha de qualquer pessoa que me chama atenção.
Tomo uma cerva e olho a bunda mais bonita do Recife, sei lá se eu morrer. Morrer sem escrever um poeminha ou um aforrísmo. É foda, e ainda por seco sem nenhuma gelada.
Texto lindo.

Aldemir Suco

Anônimo disse...

Que bom! Eu já estava com saudade!

Anônimo disse...

Sama,

Bons ventos o tragam como um sinal de boas leituras, boas conversas e boas reflexões.

Levemos a vida com a tranquilidade necessária, apesar do desassossego do cotidiano.

Levemos a vida com graça, apesar da fumaça, do barulho do trânsito e da miséria do mundo.

Levemos a vida com simplicidade, apesar de nós mesmos.

Que predomine o desejo pelas coisas simples e desnecessárias, porque, no final do dia, são elas que nos dão esperança de uma vida serena.

Um abraço,

Dimas Lins
www.estradar.com

popfabi disse...

o meu escrever não vem das entranhas, mas da ponta dos dedos; não é necessidade iminente, mas como um grande amor, depois de tanta espera. escrever é o jeito explosivo de viver quem sou por dentro, sem os muros, os barulhos, as distrações de quem sou por fora.
a minha intensidade a toda prova.

inda bem que cê já voltou...

Anônimo disse...

tuas palavras...silenciadas do lado de lá, ouvidas do lado de cá, tocam, invadem.
descem como água fresca em nosso corpo nu, num dia de calor.
um imenso prazer!

Unknown disse...

Não tenho o seu dom, mas adoro ler o que você escreve. Seja benvindo de volta, eu estava sentindo falta mesmo. Abraços.

Anônimo disse...

Sama,

barrado na biblioteca? O mundo está acabando mesmo.
Abração do mano PH

Raphinha disse...

Que bom que você está de volta! Faz pouco tempo que conheci o blog, mas todo dia passo aqui e leio alguma coisa.
Muito bom! muito bom mesmo!!

^^

Anônimo disse...

Um abraço, meu caro! Assim, num ímpeto de ousadia...

Anônimo disse...

Seja bem vindo!
Pensei muito em voce semana passada, um amigo apareceu para me contar que estava muito feliz, os olhinhos brilhavam tamanha era a felicidade.
Motivo: Reencontrou um amigo que morava fora há 32 anos.
Um poema de presente.
bjs,
Yvette

De vez em quando a alegria
atira pedrinhas em minha janela
quer avisar-me que está lá esperando
mas hoje me sinto calmo
quase diria equânime
vou guardar a angústia em seu esconderijo
e logo estender-me de cara ao teto
que é uma posição galharda e cômoda
para filtrar notícias e acreditar nelas

quem sabe onde ficam minhas próximas pegadas
nem quando minha história vai ser computada
quem sabe que conselhos vou inventar ainda
e que atalho acharei para não segui-los

está certo não brincarei de despejo
não tatuarei a recordação com esquecimentos
muito fica por dizer e calar
e também ficam uvas para encher a boca

está bem me dou por persuadido
que a alegria não atire mais pedrinhas
abrirei a janela
abrirei a janela

Mario Benedetti

Anônimo disse...

...estava com saudades de chegar no trabalho, abrir meu pc e ler suas crônicas, causos, etc...

Que bom que voltou!!!

Anônimo disse...

você escreve muito bem!!
suas palavras prendem. dá um prazer enorme lê-las! ainda bem quem estais de volta! :D

Anônimo disse...

BEM VINDO!!!!!!

Unknown disse...

A simplicidade das suas palavras, Samarone, faz com que nós nos encontremos nas suas linhas.
A cada leitura, fico mais encantada.
Parabéns!

Anônimo disse...

Escrever, para quem gosta de escrever, é de fato alimentar a alma. Que bom que você voltou a fazer isso neste espaço que é tão seu... tão nosso... De quem gosta e aprecia uma boa literatura.

Alexandre Cavalcanti (O também e sofrido tricolor)

Anônimo disse...

a porta estará aberta...
beijo
justine

Anônimo disse...

vertigem de ser livre ou simplesmente ser livre pelas palavras

Anônimo disse...

Sama que bom que vc voltou a escrever, diminui a saudades que tenho de vc. Te adoroooo e aparece visse. BJsssss


Ps: Vou manda as fotos tâ, é pq estou sem tempo, mas vou enviar.

Danúbia Dantas

Anônimo disse...

Te encontrei na cultura dia desses e só o que pude lembrar de pedir foi que voltasse das férias. Relaxei quando escutei que você já sentia que era a hora. Obrigada.

Daniela Peregrino e Fátima Borges disse...

Fico feliz com a sua volta.

Amandinha Melo disse...

Sama, acabo de ler este texto para minha mãe - que é apaixonada pela leitura e pela escrita - Ela disse que sua palavras vêm da alma. E que vc não deve nunca parar de escrever. Nem mesmo por um breve periodo de férias.

Vestígios de um eu... disse...

Olá Sama!
Como sempre você é um espetáculo...
Adoro essa sua simplicidade e cumplicidade com a leitura e a escrita é algo que faz parte de cada ser humano, basta apenas se descobrir!!!!!!!!!
Beijão ju