De Chorrochó, Sertão da Bahia.
Algumas sincronicidades me fzeram voltar à estrada, desta vez para a terra onde Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido como Bom Jesus Conselheiro, criou um mundo à parte chamado Canudos, aqui na Bahia. Primeiro, o desejo antigo de reverenciar lugares que foram palco de lutas. Um lugar que reuniu 30 mil pessoas, em 1897, e foi sucessivamente atacado pelo Exército, em quatro grandes e sangrentos combates, até que nada restou do lugar, na última investida militar, aniquilando por completo o que era a segunda maior cidade da Bahia, atrás apenas de Salvador.
Primeiro, um encontro com Herik Hoover, produtor da peça "Os Sertões", no meio do nada, em uma pequena cidade no interior do Ceará. Isso há mais de um mês. Ele me falou da peça, que seria encenada em Canudos, no final de novembro. Dias depois, ganhei o precioso livro do historiador Frederico Pernambucano de Melo, intitulado "A guerra total de Canudos". Ele descreve de forma preciosa e numa linguagem saborosa, a guerra que levou ao sertão, "em etapas sucessivas, 12 mil homens da melhor tropa de linha - veteranos, em boa medida, da Guerra do Paraguai, da Revolta Armada e da Revolução Federalistas - dos quais 5 mil não regressaram".
Caminho para Canudos a partir do sertão de Pernambuco com Iramarai e Ailton Guerra. Atravessamos de balsa até Ibó, depois caminhamos. Só depois de olhar as distâncias, descobrimos um erro crasso na jornada. As cidades da Bahia ficam a uma eternidade de distância. Para chegar em Chorrochó, onde estamos agora, tivemos que dormir num descampado, e sofremos tentando carona.
Passam milhares de caminhões pela BR 116, mas nenhum é capaz de parar. Torramos no sol, e já sem esperança de nada, com a próxima cidade a 46 quilômetros, esbarramos no Paulo, um motorista que está terminando o segundo grau e pretende fazer o curso de Letras, em Belém de São Francisco.
É final da manhã, quando Paulo chega em seu ônibus desgovernado, faltando o vidro dianteiro. Puxa assunto, diz que já trabalhou com índios e negros, quer saber o que fazemos. Para sair, temos que empurrar o ônibus, que tem bancos descolados, vidros que não abrem, espelhos arrebentados, mas faz o principal em qualquer viagem - anda.
Somos acompanhados pela Daiane, que deve ter uns 14 anos, e diz que vai morar em Salvador, ano que vem, para terminar o segundo grau, fazer "direito ou medicina".
No caminho, o papo é bom, o vento entra selvagem pelo não vidro, até que Paulo pegunta se estamos lendo algum livro bom.
Pego um Fernando Pessoa que chegou ao acaso, um livro de bolso com o melhor de Álvaro de Campos, o que mais gosto.
Fazemos uma dedicatória, entregamos ao Paulo, que olha e passa para Daiane. Ela fica lendo, sentada na parte da frente do ônibus.
Procuro a máquina, para fotografar o ônibus sem vidro, e a menina lendo o Fernando Pessoa, mas está descarregada, e perdemos imagens lindas. Leitores, me perdoem essa minha falta de talento com as imagens. Imaginem o ônibus, por favor.
Nos despedimos de Paulo e sempre levo aquela sensação que dificilmente nos veremos novamente. Mas ele anotou meu email, quem sabe. Espero que ele seja professor de literatura, porque adoro isso.
Chegamos aqui, mas o ônibus para Canudos saiu de manhã. O próximo, só amanhã de manhã. Tentaremos carona com os universitários, que voltam de Belém ainda hoje.
Faz muito calor, estamos exaustos, mas até a tardinha, chegaremos a Canudos, que tombou, mas resiste na memória.
Vou acabar. Meu tempo na Lan House esgotou.