Acompanho à distância este massacre midiático por conta de menina que morreu. Não tenho muito o que dizer. É um crime terrível, uma dor que não posso sequer imaginar, a da mãe.
Me chegou por email um texto delicadamente belo, de Fábio Lucas. Não o conheço, mas ele autorizou a publicação neste blog. Compartilho com meus leitores.
Por hoje, fiquemos com a ternura da mãe da menina que morreu.
A ternura, creio, ainda salva a humanidade.
Abraços,
Samarone
***
A Mãe da estrelinha
Fábio Lucas
"As tragédias familiares raramente provocam comoções coletivas. A comoção depende de quanto se propaga a onda trágica original, mas nem mesmo a mídia sabe como e por que um caso merece maior atenção que outro. A emotividade do público que vê a notícia repetida diariamente não é diferente da emoção sentida pelas famílias atingidas - o que varia é o grau com que o choque provocado pela mudança abrupta de realidade se dá.
Para os espectadores de uma barbaridade dissecada pela sociedade do espetáculo, trata-se de um abalo a distância - o que não diminui o caráter do abalo, embora eleve a noção comum de espetáculo, e portanto de algo que logo será consumido pela voracidade do olhar coletivo.
Seja qual for a escala social em que é transmitida a dor aguda da perda, e em que se atravessa o calvário do luto, sempre é surpreendente descobrir a força das pessoas mais próximas, quando o natural seria a rendição à fraqueza e ao esgotamento. Pois a perturbação que chega ao imaginário dos outros não é sequer comparável à ruína existencial dos que choram aquela perda dentro de si.
Ana Carolina Oliveira, mãe da menininha Isabella, em poucos dias de exposição na vitrine da emoção ampliada, conseguiu conquistar milhões de brasileiros pela serenidade diante da própria ruína. Como se a solidariedade gigantesca que recebeu - somente pela internet, centenas de milhares de mensagens - fosse robustecida ao seu encontro, proporcionando a formação de uma fantástica corrente de sentimento compartilhado.
Na energia impressionante de um sorriso que por todos os motivos não deveria estar ali, a voz macia de palavras de conforto para quem chorava com ela sem duvidar que a reconfortada devesse ser ela, e não o contrário, a lágrima da mãe fluía por olhos alheios, e o grito desesperado irrompia por outras gargantas.
A mãe de Isabella foi protagonista de gestos de lucidez absurda na condução do caos que sucedeu a tragédia, no meio da cacofonia vigente se ela estava ausente. Em nenhum momento apontou culpados, apesar de pedir justiça. O clamor popular que chegou às raias de incitar o linchamento dos suspeitos esbarrou em sua figura exemplarmente contida.
Em suas aparições, cada vez mais solicitadas, Ana Carolina Oliveira foi responsável pelo impacto de uma ternura de fonte improvável sobre olhos estupefatos e embrutecidos. Sem saber, sem desejar, derramava esperança sobre o mundo que não teria como retribuir aquilo que seria antes mais justo o mundo lhe dar. E o mundo pareceu mais digno por aquele deslocado merecimento.
A placidez estarrecedora, a extraordinária dedicação ao presente - como se não fosse um fardo permanecer, quase milagroso sorrir depois, como se o pior não estivesse sempre por vir - faz de pessoas como essa mãe, e tantas outras mães, pais, irmãos, esposos e esposas subitamente amputados em seu ser, verdadeiros segredos indevassáveis sobre a misteriosa graça de viver.
Graça que não se abate sequer diante do fato raso da morte, da mais odiosa e precoce subtração da vida. Para os coleguinhas de colégio, Isabella virou uma estrelinha. Para todos que se comoveram com a sua tragédia, que a luz da mãe da estrelinha não esmoreça, e possa seguir, apesar de tudo, na trilha de novos caminhos".
*Jornalista e mestre em filosofia.
fabiolucas@uol.com.br
Um comentário:
sama veio, faz uma croniqueta sobre romario. tu gosta de futebo e romario foi um genio e ta se aposentando. usa ai tuas arterias poeticas e delibera um tanto mazuquiano sobre o baixinho. falout. Tiago.
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