segunda-feira, 3 de julho de 2006

Crônica de uma derrota anunciada

Tem coisas que eu faço e depois fico me esculhambando em praça pública. No dia do jogo da seleçãozinha do Parreira contra a Françona, fiquei tão concentrado assistindo o Portugal do Felipão detonar a Inglaterra Futebol de Regatas, que consegui uma proeza existencial-futebolística: às 15h, eu estava dentro do ônibus do Cabo, com destino ao Recife. Vários amigos me esperavam, desde cedo, os churrascos comendo no centro, enquanto o otário aqui esperava o motorista dar a partida.

Não vou contar a viagem, porque teve de tudo. Gente com corneta, mulheres cheias de sacolas (o que diabo as mulheres fazem com um monte de sacolas, em dia de jogo decisivo da seleção?) O fato principal do dia foi a chegada à avenida Dantas Barreto pontualmente às 16h, quando estava começando o jogo. E agora? Onde assistir ao jogo?

Em casos de indecisão, acho melhor seguir a intuição. Melhor, a multidão. Acabei no Pátio de São Pedro, onde uma multidão assistia a pelada num telão gigantesco. É por aqui mesmo, pensei, e comecei a bebericar no Buraco do Sargento. Como não tinha ninguém para ficar comentando comigo, paguei a cerva e dei o fora. Num outro boteco, mais decadente, descolei uma mesinha, sentei muito contente, e só depois do primeiro gole, reparei que a imagem mostrava 44 jogadores em campo. Fiquei por ali um tempinho, mas aos 33 minutos do primeiro tempo, eu já estava gritando a plenos pulmões que o Parreira tinha que mudar o time. Infelizmente, ele não me escutou.

No intervalo, dei uma volta pelo Pátio. Começou uma música baiana, e o povão tome a dançar e beber. Ao meu lado, um sujeito começou a dançar, imitando uma estripe tease, depois subiu na cadeira. O PM ao lado, comentou comigo:

"Esse é cem por cento frango".

Logo apareceu outro, rebolando ainda mais.

"Esse aí é duzentos por cento frango", completou o PM.

Quando aqueles pilantras voltaram para o segundo tempo, eu não acreditei. O treinador não mexeu no time!

"Ele vai esperar a gente levar o primeiro gol, para mudar", vaticinei.

Mudei de bar novamente, para dar mais sorte. Em pouco tempo, encontrei os meus colegas de infortúnio.

"Vai, caralho!"

"Cadê o meio de campo?"

"Cafu, doente!"

Faltando dez minutos, achei que estava dando azar e fui para uma barraquinha fuleiríssima na Dantas Barreto, tomar uma Schin gelada. Ao lado, numa mesinha simples, os caneiros. Fiquei ao lado, mas eles insistiram.

"Vem pra cá, rapaz! Vai ver o desastre sozinho?" Eu fui. Comemos macaxeira com guizado e tomei umas lapadas.

"Sabe o que é isso? Síndrome de 98. Essa Copa vai ser de Portugal", me disse um deles, que repetia o tempo inteiro: "Estou bêbado".

Já perto do finalzinho, com a desilusão rondando todos, um dos meus amigos soltou essa:

"Ôx, o Santa Cruz tá jogando melhor".

Aparece a cara do Parreira, na TV, e ele emenda:

"Sai, cara de gia!" O outro arremata:

"É importante dizer que eu perdi dez cervejas!"

O juiz apita o final do jogo, a Copa acabou para o Brasil. Uma multidão começa a sair do Pátio, passando pela Dantas Barreto. Uma multidão de tristes, chateados, alguns inconsoláveis. Mas há mais raiva que tristeza. O time não jogou nada, e isso ajuda a abafar qualquer sofrimento. Ruim é perder jogando um bolão, com um vacilo no final.

Ao meu lado, o camarada que disse estar muito bêbado, me olha atentamente e confessa:

"Tô triste, amigo. Tô muito triste". E começa a chorar.

Como chorei todas as minhas lágrimas futebolísticas com a Seleção de 82, fiquei olhando o desamparo do amigo, depois tomei mais umas e fui embora.

Aqui vai uma confissão: o último estadual, quando o Santinha perdeu nos pênaltis, me doeu muito mais.

E la nave va.

9 comentários:

Anônimo disse...

Oi Sama.
Muito boa a crônica.
Aqui é Ailton Pabá. tenho lido regurlamente seu blog. Quando você vem para Salvador.
Estou com uma cachaça das boas.

Anônimo disse...

Putz! Massa o seu relato de testemunha ocular dessa a frustração... Mah tinha me dito que vc eascrevia bem, mas agora que li, achei massa!! bem espontâneo, bem natural... muito bom mesmo... pena que nossa seleção não jogou da mesma forma que vc escreveu... senão era gol!!!

Abraços,

Kaduuu... ah, e eu vou voltar aqui, já vou avisando, hein...

Anônimo disse...

o desastre do náutico tb me doeu muito mais.

Anônimo disse...

tenho uma amiga grande fã tua, "olha samarone, amiiiga!"
no intervalo do primeiro tempo.

assistir aquele joguinho foi lamentável. chorei abraçada com gente que nunca nem tinha visto. tanta dor, raiva.

belissimo texto!

Anônimo disse...

antes de acabar o jogo, faltando alguns longos minutos, sai para comprar pão e bolo na padaria. voltei para casa rindo, lembrando de Nelson Rodrigues que gostava de tragédias nacionais, pensei comigo, "vai ser daquelas!!!", no caminho de volta, o jogo ainda inacabado, encontrei um bêbado, muito, mas muito bêbado, ele olhou e perguntou se o jogo já havia acabado, disse que sim, ele disse: "e aí?", o brasil perdeu, amigo, não, fala sério, perdeu?, disse, e ele ficou parado olhando o chão, mesmo com o jogo inacabado, comecei a contribuir com o terrível que advinha...depois, o pior, queriam, na rua agredir os franceses, e como sou casado com uma francesa, não pude acreditar que tudo isso foi por conta de um bando de bestas.

Anônimo disse...

O futebol brasileiro pra mim é cantado numa parte de nosso hino que diz: GIGANTE PELA PRÓPRIA NATUREZA.
É isso que somos com a bola, nos campos da vida.
As nossas crianças (realmente) aprendem a jogar antes de estudar, mas nem por isso deixam de ser brilhantes em uma, outra, ou nas 2 situações, mas tb não vamos comparar a educação brasileira com a fracesa não é verdade?
Naquele dia eu não vi nem 0,5cm de jogador em campo, a gente tava pequeno, minúsculo, fomos contra nossa essência.

Ainda assim cantei empolgadíssima o hino que pra mim é o mais lindo de todos, e que fala de um povo que tem uma esperança da porra e que não se contenta com peladinha num sábado de 16h da tarde.

Foi foda, foi.
Mas ainda acho, de coração, que somos gigantes pela própria natureza.

***** (*)

Anônimo disse...

pelo visto são dois esperando você aqui em Salvador.
beijos, cabelo

juliana disse...

(comment nada a ver com o post)
até um dia desses, só conhecia samarone dono do garrafus. aí descobri samarone amigo de emília e zeca. e esses me emprestaram "clamor" e eu descobri samarone escritor.

muito foda o livro, moço.
fiquei emocionada e viciada no assunto.
vou comprar um exemplar só pra mim.
:*

Samarone Lima disse...

caros amigos, fui retirar um comentário meio chato, mas mudei o troço aqui, e não sei cadê minha professora de blog.
breve, os comentários ficarão mais simples.
sama