terça-feira, 25 de julho de 2006

Diferenças culturais e outras leseiras

Toda vida que falo que sou pernambucano, minha mãe fica arretada comigo, mas só a construção da frase deste início de crônica, diz para onde anda o rumo da minha prosa. Um cearense típico não usa esse "arretado" assim, do nada, bem como outras tantas palavras que incorporei à minha fala cotidiana e minha vida, visse? A sorte é que minha mãe lê muito pouco o meu Blog, e meu irmão mais velho, leitor assíduo, o quase quarentão Paulinho, também não é mais tão cearense assim. Tem passagens por Carpina, quando iludiu a família, dizendo que iria ser padre (eu sabia que era mais aventura mesmo, mas não contei a ninguém), e aterrisou pelas terras mineiras, onde vai tocando mansamente, mineiramente, seu mestrado, perdão, já é doutorado. Informo que brevemente teremos um doutor na família.

Mas voltando ao tema, o fato é que o Recife se tornou minha pátria espiritual. Gosto do jeito que as pessoas falam, do jeito de andar, dessa confusão que rola por aqui, apesar de estar ficando já perplexo com a violência e a ruindade da Polícia, coisa para uma longa prosa. Sinto saudades das conversas familiares, onde algo poderia estar "tinindo" (ou seja, "pegando fogo"), e lamento que a batida de carro, por aqui, não seja chamada carinhosamente de "barruada", porque a palavra barruada é muito mais a cara de dois veículos se chocando, na Rui Barbosa, do que uma batida, que sugere algo menor.

Passei muita vergonha logo no primeiro ano no Recife (1987), porque trabalhei numa empresa que vendia vidros, prateleiras, produtos para boutiques, com destaque para a enorme quantidade de cabides negociados. Lá vou eu, na santa inocência dos meus 18 anos, perguntar ao dono da empresa quanto era o preço da "cruzeta". Sinceramente, os pernambucanos "arrearam" com a minha cara, tiraram o couro mesmo, foi uma gréia generalizada, passaram semanas chamando cabide de cruzeta, mas até hoje tenho simpatia pela frágil figura da cruzeta. Foi neste singelo momento que descobri diferenças abismais entre pernambucanos e cearenses.

A comida aqui não era cozida, mas guisada, e ficou assim mesmo, fui aprendendo a não ficar brigando com o pernambuquês e o cearensês. Para sobreviver razoavelmente, adotei a política da boa vizinhança. Quando chego em Fortaleza, vou logo dizendo "égua, macho, tu tás é forte", para um amigo que engordou muito, e nem preciso perguntar, porque sei que minha mãe já preparou o baião de dois com pequi. Se algum amigo tomar umas canas de entortar o juízo e fizer suas presepadas, já sei que o Neto vai dizer:

"Meu irmão, o cara botou o maior boneco".

Apesar de ter nascido no Crato, morado em Brejo Santo, Imperatriz, Pentecostes, Fortaleza, Recife, São Paulo e Recife de novo (ufa!), tenho somente uma dificuldade existencial, que é a do forró eletrônico, que rola em cada esquina de Fortaleza. Sei que aqui no Recife tem o brega, aquele diabo daquele teclado fazendo a introdução de alguma música que vai falar de cornura e raparigagem, fora as cenas de sexo, com a mulher sendo sempre objeto, mas em Fortaleza algo me deixa nervoso, para não dizer desesperado: são os carros particulares, com alto-falantes imensos, máquinas potentes e devastadoras.

A regra matemática é a mais simples do mundo: quanto mais alto o som, mais imbecil o sujeito. E é aquele tipo de imbecil que dói nos nervos, o de classe média alta, arrumadinho, engomadinho, estúpido até os dentes, e que tem um carrão com um som potente.

Você pode estar num bucólico, singelo, pacato boteco, tomando sua cervejinha, pensando nas besteiras que fez e que deixou de fazer, anotando as providências e urgências para o amanhã (urgência para hoje cansa), aquele silêncio pacato e misterioso da vida, você quase faz uma prece para agradecer aquela tranquilidade que o momento pedia, quando chega um sujeito, abre a tampa do bagageiro e manda ver, um "Aviões do Forró", "Caldinha Preta", coisas do tipo. Detalhe: tem que ser numa altura máxima. O prazer sexual do sujeito é mostrar que tem um som muito potente. Dizem que Freud explica, se não explicar, é porque é meio burrinho mesmo, porque até eu explico.

Isso é muito normal na minha querida Fortaleza, ninguém reclama, faz parte da cultura, e não vou ficar brigando com todo mundo. Fico arrasado, fecho meu caderno, pago a cerveja e vou me embora, fico logo com saudades de Vital, o silencioso boteco de esquina aqui do Poço, onde você escuta, no máximo, as discussões dos nossos confrades, e os gritos às vezes irritados de Juca e Dudu, dois singelos papagaios.

Bem, vou ali, arrumar minhas roupas para a viagem. O motivo da crônica de hoje é somente falar do meu retorno às origens, depois de uns três anos sem ir a Fortaleza. Gustavo me disse, outro dia, que começo a escrever sobre uma coisa, e passo a falar de outra, com a maior naturalidade do mundo. Eu deveria ter começado informando que hoje viajo a Fortaleza, e deveria fazer umas comparações culturais, mas acabei me enrolando, perdio o fio da meada, e fica por isso mesmo, que isso aqui não é um curso de lógica.

Como a camisa do Santa Cruz vai comigo, e pretendo usá-la no domingo, em Fortaleza, antes de embarcar de volta para ver Santa x Corinthians, vocês devem entender o que estou falando.

Para o Neto, meu velho amigo de Monte Castelo, o bairro que morei dos 10 aos 18 anos.

9 comentários:

Anônimo disse...

"CASA AMARELA É O BAIRRO"!!!!

Massa esse teu relato sama (Sábado no Recife), oh, já te perguntei isso há duas crônicas, mas, lá vai novamente:


Sama, tu conheces o bar de Djalma lá em Casa Amarela? vc segue pela estrada do arraial e antes do sinal do banco Bradesco entra à esquerda, é no final dessa rua. Lá além da simpatia de Djalma, vc encontra uma maravilhosa moela, guisado, sururu, pastéis...tudo com aquele prrecinho camarada. Quando puderes aparece por lá.
ps: Djalma não abre aos domingos e nem nos feriados (ele tanbém toma a dele...) abração...

Samarone Lima disse...

Capilé,
sei onde é o Djalma sim, falta marcar um dia para provar da moela, que adoro moela. Semana que vem estarei lá. Vou dizer: "Djalma, bota uma moela aí e desce uma Brahma, na conta do Capilé".
O Djalma vai responder:
"Que Capilé, rapaz?".
abraços,
samarone

cometaurbano disse...

Sama,

lembro que logo que cheguei aqui a BH um mecânico perguntou se poderia fazer uma "gambiarra" no motor do meu carro. Já viu a minha cara de leso, né? Outro dia um amigo me chamou de "oréia" e achei que era um apelido gentil. Que nada! he he he.
Abração no pessoal da Mário Studart.
PH

Anônimo disse...

Sempre achei que quem ouve som muito alto está pedindo socorro.

Gritando por dentro.
"Me ouçam, por favor".

Será?

Gustavo.

Anônimo disse...

Adorei a crônica e os comentários!
Fazia tempo que não lia e já estava com saudades.
Abraços, Rosinha.

Anônimo disse...

Boa viagem, Samarone!
um abraco,
Claudia

Anônimo disse...

Sama, esse negócio de diferenças culturais é fogo mesmo. Como você gosta de dominó convido você a ler no meu blog o texto que escrevi sobre diferenças culturais entre baianos e pernambucanos no que diz respeito ao sagrado jogo de dominó.

tu acredita que eles jogam sem morto?

grande abraço

Pedro

boraver.blogspot.com

Samarone Lima disse...

pedro, vi o boraver.blogspot.com. está jóia, vou ler mais e colocar como link.
vou plagiar a história dos caras cotados para morrer. No Poço da Panela, temos a lista dos que não aguentam até a próxima Copa. São todos amigos.
abraço,
sama

Anônimo disse...

Conversa besta, Samarone.
Só conversa besteira.

maia