terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Envelhecimento precoce em pleno Carnaval e a beleza do Frevo Jazz

Definitivamente, estou envelhecendo. Hoje, terça-feira de Carnaval, estou no Cabo de Santo Agostinho, batucando esta pequena crônica. Há um silêncio completo ao redor, um silêncio bom, calmo, desejado. Aqui-ali, um passarinho solta uns gorjeios, porque gorjeio é uma palavra ótima para o texto ficar mais bonito. Há pouco, o amigo José Neves me ligou. Conversamos uma aguazinha e deu para escutar o canto de um sabiá que ele tem. O Sabiá já foi vice-campeã em dois torneios e participou de concursos na Paraíba e outros estados que não lembro.

Conversas sobre pássaros num dia como hoje, é sinal da passagem do tempo. Em outros anos, já estaria feito um danado, pinotando nas ladeiras de Olinda, gritando pela milésima vez “Olinda/Quero cantar/A ti/Esta canção”, a história dos coqueirais, o teu sol, o teu mar, faz vibrar meu coração, a sonhar, etc. Mas não sei, hoje deu cansaço, preguiça, ou uma mistura em doses iguais das duas coisas.

Descobri também que gosto muito de ficar olhando o povo, aquela alegria acelerada e visceral. O encanto da multidão chegando. Este ano, esbarrei na turma da Naire, que olhava o Galo da Madrugada, de uma bela sacada. Me chamaram, e como não precisava de credencial para subir, fui lá, dar uma olhadinha. Tinha cerveja gelada, tira-gosto e bom papo, fora o Tom, neto dela, fazendo arruaças mil. Conversa vai, conversa vem, acabei ajudando a criar o Blog da Naire, que merece uma lida:(www.turbantedanaire.blogspot.com).

Fiquei um bom tempo olhando o povão passar, voltando do Galo, lá pelas 3h21 da tarde. É um troço que me encanta, essa ausência de padrão nas belezas e feiúras. Mulheres gordinhas, com suas minúsculas bermudas (não sei como se escreve short no plural), pouco ligando para as gorduras, as estrias, a barriga proeminente. Estão ali é para a diversão, a festa, não querem saber se ficou tudo em cima, se vão comentar. Vi fantasias lindas, feitas somente com o improviso, o delicioso exercício da criatividade.

Há, é claro, uma tara recifense, que é querer aumentar o tamanho das coisas, mas isso é o de menos. Outro dia, cismaram que o Galo da Madrugada levava um milhão de pessoas às ruas, cantaram loas porque o negócio entrou para aquele chatíssimo Guiness Book, como se fosse a coisa mais importante do mundo. Este ano, vi em um dos jornais daqui, que eram dois milhões de pessoas acompanhando o bloco, e achei que estão tendo surtos. E não fica ninguém em casa não, é?

Do baixo da minha prosopopéia, eu peço: menos. O Galo é feito de milhares de singularidades. Querer contar é olhar pelo vício dos números, esquecendo do lirismo fundamental de toda grande festa coletiva. Famílias inteiras passam fantasiadas, sorrindo. Há pais bêbados que se tornam crianças. Surgem apaches de todos os lados, caboclinhos em cada esquina, guerrilheiros com suas boinas, burrinhas as mais diversas.

Talvez por isso, por causa deste meu envelhecimento precoce (37 anos e meio), me esbaldei em um dos mais belos momentos da programação cultural deste ano: o Recife Frevo Jazz, na tarde de sábado, logo após o Galo.

Eu estava me deslocando para o “Acho é Pouco”, quando esbarrei em um amigo, com seu inseparável Rum Montilla.

“Vamos aqui, ver uma coisa”.

Como sou amante do acaso, fui com ele. Estava começando uma apresentação daquelas, naquela rua onde fica o Bar Central, que esqueci. Caramba, velho esquece das coisas mesmo, visse? Sete grandes músicos (só lembro do Nando Rangel e do maestro Edson Rodrigues) entraram num jazz que me deixou sem voz. Aceitei que estou ficando velho, deixei o “Acho é Pouco” para outro dia, puxei um banquinho e fiquei, curtindo um dos melhores show do ano, num palco no meio da rua.

E então aconteceu o momento mais lindo da festa. Centenas de pessoas voltavam do Galo, absolutamente mamadas. Homens sendo equilibrados pela esposa, crianças no ombro, bem vermelhas, quatro amigos com os cabelos pintados de loiro, homens barrigudos usando fraldas patéticas, aquela coisa louca.

Eles esbarravam no Jazz, misturado com Frevo, e começavam a dançar.

Fiquei fazendo o que faz uma pessoa que envelhece: olha, em silêncio.

Lá pelas tantas, um velhinho chegou perto do palco. Estava descalço, sem camisa e usava uma calça verde, mais antiga que seus cabelos brancos. Era o mais bêbado que todos do Galo. Ele ficou dançando, em êxtase. Ao seu lado, cinco moças negras, daquelas bem gordonas. Elas estavam disfarçadas de policiais da Roccam, com boina, óculos escuros e tudo o mais que a Roccam adora. Quando vinha chegando gente, elas davam um famoso “baculejo”, à procura de nada, só de folia.

O velhinho escapou da polícia feminina, mas não escapou do Frevo Jazz. Ele se esbaldou, dançando muito. Eu aceitei a chegada sutil da minha velhice carnavalesca.


Para Beto Rezende, um amigo que vejo pouco, conspirador do Frevo Jazz.

14 comentários:

Tiago Nobel disse...

Simplesmente lindo!

Anônimo disse...

Acordei na manhã do sábado do GALO ( antes sábado de Zé Pereira) me sentindo excluido por não ir aonde todos estão ou deveriam estar, não resisti e fui bisbilhotar na tv por alguns minutos. Eram 10 horas da manhã e resolvi sair de casa para ir ao supermercado, para espanto meu tinha carros na rua e o supermercado estava cheio de gente, não tá todo mundo no galo??? bem se no galo têm entre um a dois milhões de pessoas a cidade deveria estar vazia, ou então metade destas pesoas são turistas ou ainda a população da cidade aumentou bastante.


All

juli disse...

Quando eu crescer quero escrever que nem você!

Anônimo disse...

Tou com a Juli aí em cima!

Anônimo disse...

Sama, seu danado,
Agora não dá para contar mais nada no Turbante, vc disse tudo. E aí o que escrever sobre a linda manhã do Galo? Simplesmente, nada depois da sua poesia.
Beijo
Naire

Anônimo disse...

Sama, eu tenho percebido em você um certo medo de ficar velho. Eu não tenho esse medo, por você. E você vai deixar de ter, quando descobrir que a velhice não tem nada a ver com a idade cronológica. Qual é a idade dos seus textos, de suas idéias, de suas poesias? Eu sinto como se fossem bastante jovens, algumas vezes adolescentes até. No bom sentido, obviamente.

Um beijo.

Anônimo disse...

...e quanto ao Turbante da Naire já dei uma passada lá, e estou ansiosa pelo próximo texto. Essa "menina" eu conheço de outros carnavais, e já imagino o que vem por aí.

Outro beijo.

Anônimo disse...

Extra! Extra! Sama é papai noel! Descobriram que ele é o bom velhinho. he he he
"Amante do acaso" foi simplesmente lindo. Ninguém se permite mais lidar com o que não é programado, elaborado, marcado.
Abração.

Anônimo disse...

Puxa, tenho 24 anos e sofro do mesmo mal...
Adorei observar o galo, foi minha estréia!!
bjos,

Aline

Anônimo disse...

Não tenho medo de envelhecer, mas não tô muito feliz com o que anda acontecendo. Esse ano fugi do carnaval e fui pra praia e fiquei vendo tudo que passava pela TV sem entender porque eu não tava lá.
Quando via as coisas na telinha batia uma saudade medonha, uma emoção maior ainda, chegou até bater uma certa angústia, mas ao mesmo tempo exite um sentimento bem real de que já brinquei todos os meus carnavais. O que é isso????

Anônimo disse...

é isso mesmo, é a sindrome da PVC (P... da Velhice Chegando), mudam as prioridades, mudam os valores, mas o sentimento continua la no mesmo lugar, doendo um pouquinho pra nao ser esquecido.

Se incomode nao, vai-se o furor, ficam as lembranças, e como temos sorte de pertencer a uma geraçao de amantes da vida, mais vale um "Barbas" que dois "Galos da Madrugada", e "Eu acho é pouco" acaba virando um bom "Frevo Jazz", noves fora acabamos ficando mesmo com o melhor da festa, nénão?

Ana Paula

Dado disse...

Tive meu momento Frevo Jazz também. Domingo, vendo a Banda Acadêmica de Casa Amarela, no Mercado da Boa Vista. Lindo! Pena que pouca gente estava por lá.

Anônimo disse...

humberto magno/mínimo
0s acasos são absolutamente previsíveis nos campos mágicos da nossa infeliz existência...
O rum também é um bueno auxílio das horas más. Em princípio estimula os espiritos e a virtude.
- você sabe perfeitamente disto -alegrou-me muito aquela tarde de um sábado. O início do carnaval sempre me traz uma sensação estranha, e ao mesmo tempo familiar de sons e cheiros novos e antigos.
...coisas chegadas de um Velho,
onde ainda lampeja traços do carnaval.
cais da aurora,quinta feira em cinzas.

Anônimo disse...

Acho que já envelheci a muitos anos, pois sentimentos que revelas nesse lindo texto já senti e sinto a muito...
Um abração!