De Canudos, Bahia, e usando um computador sem varios acentos.
Esta foto foi tirada no Mirante de Canudos, onde tem uma estatua de Antonio Conselheiro. Embaixo, esta o acude Vaza Barris. Debaixo d´agua, restos de escombros do que restou de quatro batalhas.Encontramos seu Altino Soares de Oliveira numa esquina erma, em Chorrocho, com a poeira comendo no centro, o calor derretendo o tempo. Ali, dizem, passam os onibus com os universitários, que vão para Canudos. Seu Altino puxa conversa, fumando seu cigarrinho de palha, os dedos cheios de calos da agricultural. Falamos que estamos a caminho de Canudos, ver a cidade fundada por Antônio Conselheiro, ele conta que seu avô se chama Pedro Calixto de Oliveira, foi um jagunço forte, brigou como o diabo, isso era para estar entre aspas, mas nao sei onde estao as aspas. O avo dele se esbaldou pelo mundo e nunca mais foi encontrado, depois aguardou a poeira baixar e retomou a vida, sem muito alarde. Seu pai, o de Altino, se chama Amancio, e costumava pegar restos de armas de Canudos, serrar e fazer novas armas. Ele fala de um resto de artefato da guerra, que guardou em casa, e pedimos para ver.
Ele entra em casa e traz um troço feito de aço, pesadíssimo, enferrujado, parecendo um bomba em miniatura. Foi usada pelo Exercito em Canudos, diz. Depois explica o formato e funcionamento de algumas armas, como a Lazarina, que era leve, e empregada como soca-soca. Depois, a Combrea, espingarda de controle de agulha, que para mim permanece um misterio, e finalmente a Carabina, de dois canos, que chamam tambem de Rifle quarenta e quatro, porque o teclado esta com problemas nos acentos e nos numeros. O quarenta e quatro pode ser chamado tambem de rifle papo amarelo, entre aspas. A Manu Licha era a arma que mais rompia, porque a cabeca da bala era de aco.
A conversa foi interrompida pelo onibus que vinha de Belem de Sao Francisco, entupido de universitarias. O primeiro refugou, mas o segundo nos abriu as portas, e economizamos cento e cinquenta quilomentros, creio.
No caminho, conhecemos as criaturas mais adoraveis do planeta, estudantes da Cevasf, como a Neide, da Historia, Jaqueline, Gabriela, Jaadi e Jeiza, de Letras, Adila, da Historia, e Adriana, Letras, e mais a Fernanda, de Geografia. Conversamos muito, a viagem inteira, e fico sabendo pela Neide, que estuda historia, que o acude Vaza Barris, entre aspas, foi feito pela ditadura, para encobrir a historia.
Ao entardecer, estamos em Canudos, e descobrimos que a cidade esta vivendo um pequeno frenesi, que e a peça Os Sertoes, dirigida por Ze Celso. Todos os hoteis e pousadas estao ocupados, muitos moradores alugaram quartos etc. Ficamos de bobeira, e somos salvos pelas meninas da viagem, que oferecem banho. Tomo banho na casa da Gabriela, Marai vai para outra casa, Ailton Guerra para outra.
Vamos tentar assistir a peca, que vai abordar a luta em Canudos, parte I. Converso com a produtora, digo que vou escrever textos para o Estuario, ela recebe a noticia com o desdem necessario, depois pergunta pela minha carteira de jornalista, acho um saco isso de usar carteira de jornalista para entrar nos cantos. O ingresso foi vendido de manha a um real, e a revenda chega a vinte mangos por bilhete. Quero ver a peça somente por um motivo - estão apresentando em Canudos, palco da guerra.
Iramarai e Ailton não dão muita bola para a peça. Todos estamos exaustos. Fico por ali, por ali, olhando o povo, então me chega um rapaz e oferece três ingressos por vinte e um mangos, ofereco vinte, acaba saindo por dezessete, lembrem que o teclado não tem numeros, e amanhã consertarei o texto. Na entrada, a produtora acha ruim porque comprei de cambistas, eu quase volto.
Assisti três horas de Os Sertões, fiz um esforço intelectual e afetivo sem limites para sentir algo que cheirasse a emoção, mas faltando vinte minutos para o intervalo, vi que o Sertão do Ze Celso não passa nem perto do meu. Encontramos um espanhol e uma baiana, gente cabeça, eles disseram que era preciso esperar uma cena linda no final da peça, mas fica para a próxima, em três horas, dava para ver algo lindo.
Dormimos no box de um mercado e na manhã seguinte, a feira de Canudos estava espalhada pelas ruas. A diversidade das cores, gentes, produtos, preços, me lembrou a feira que tinha aos sábados, na casa da minha avó, no Crato, e foi melhor que a peça.
Então conhecemos dois personagens impagaveis, no meu primeiro domingo em Canudos. O Antônio Mergulhador, ou Antônio da Cruz Silva, e seu Cândido Pereira da Silva dos Santos, de sessenta e três anos.
Escreverei sobre eles e sobre outras criaturas que esbarramos, durante o dia, quando achar um computador que tenha acento e numeros, porque estou ficando impaciente.