sexta-feira, 17 de março de 2006

Uma velha crônica, para matar saudades das histórias de amor...

Amados leitores:
atendento a um bocado de pedidos, republico a crônica "Pequenas histórias de amor - volume I", que faz parte do livro "Estuário", lançado ano passado.
Com este texto, encerro a "semana amorosa" deste Blog, e volto a escrever sobre as besteiras de sempre.
Espero que gostem e se inspirem, para amar ainda mais.
Samarone Lima
***
Pequenas histórias de amor -volume I

Recife, 24 de dezembro de 2004.


Ele descobriu que a amava quando tinha 15 anos, em 1984. Ela estudava na mesma turma, e quando entrava na sala de aula, ele cantarolava intimamente “pela luz dos olhos teus”, porque havia algo de encantador nos seus olhos, no que eles diziam, uma ternura que cativava aquele coração tão moço. Ele lembra, vinte anos depois, do dia em que ela fez circular um caderninho para os amigos deixarem mensagens, e atravessando a fronteira da timidez, escreveu “você é meu único e definitivo poema”. Depois disso, eles desencontraram.

Ele entrou na faculdade e, como me disse há poucos dias, se distraiu das coisas do amor. Conheceu outras mulheres, se encantou com algumas, mas nenhuma tinha aqueles olhos. Se reencontraram anos depois, quando ela terminou a faculdade. A última cena deste novo contato foi ela se beijando com um sujeito, no baile de formatura. Como queria estar naquele lugar!

Os dois casaram e não se viram mais. Aqui e ali, nos encontros com os amigos da turma, uma notícia esporádica. Somente em 2001 voltaram a se ver, num encontro dos velhos amigos, para cativar lembranças. Na primeira vez que o viu, depois de tantos anos, ela comentou com uma amiga– “o menino virou homem”. A resposta da amiga acendeu alguma chama que ela nunca percebera – “o teu apaixonado chegou”. Surpresa em saber daquele amor silencioso, ela ficou em silêncio, achando-o mais belo.

“Aquela frase da amiga foi um sopro divino”, me disse ele, repassando os detalhes da história, enquanto tomávamos uma cerveja.

Mas a vida seguia outros cursos. Tinham compromissos, casamento, filhos. Em 2002, voltaram a se encontrar. Pare ele, já não era tão fácil olhá-la nos olhos. E a turma, sem perceber que alimentava um sentimento que parecia perdido, colaborou para que voltassem a se ver. Um novo encontro, em 2003, serviu para que ele confirmasse que aquele menino estava vivo, dentro de sua alma, querendo amar plenamente.

Em 2004, por uma desculpa qualquer que sempre encontramos, quando queremos algo de verdade, almoçaram juntos. Ao final da longa e cativante conversa, ela perguntou:

“Você sentia alguma coisa por mim naquela época?”

“Eu era muito apaixonado por tu”, respondeu ele.

Algo rompera na timidez dele. Ela agora sabia de algo secreto, que ele trazia há muitos anos. Voltaram a falar de literatura, cinema, dos caminhos profissionais, mas algo já tinha sido dito, e era irreversível. Pronunciaram, timidamente, o nome do amor.

Quando se encontraram novamente, nada mais poderia ser feito. Os dois se queriam tanto, que quando ele a abraçou, sentiu que estava protegido, acolhido, que aquele era o melhor lugar do mundo para estar.

Os mundos que viviam exigiam outras respostas. Sim, os compromissos, outros laços haviam sido firmados em duas décadas. Ela foi mais incisiva. “A partir de hoje, morreu”, disse, na despedida. “Essa história acaba por aqui”, repetia, muito séria.

“Como vou te tirar de dentro de mim?”, perguntou ele.

Nas longas semanas de silêncio, ele também fazia o esforço. Ao final do dia, se perguntava – “será que pensei nela hoje?”. Sim, era a resposta. Sua dúvida era saber se, em algum momento do dia, ela tinha pensado nele, para que os pensamentos se encontrassem, em algum ponto da cidade.

No último encontro dos amigos, ele bebeu para chegar ao bar com o coração entorpecido, para que a alma não o traísse. Escolheu um ponto da mesa em que não pudesse vê-la. Decidiu que não a olharia, em hipótese alguma, durante toda a noite. O cumprimento formal, gelado, era a tentativa dos dois de administrar algo que era quente, muito quente, por dentro. Ela confessaria, dias depois, que quando o viu, suas pernas tremeram. Agradeceu a Deus por estar sentada. Na despedida, ele a olhou de longe e acenou. Viu aqueles mesmos olhos e desejou cantar “pela luz dos olhos teus”.

Naquela fração de segundos, o sentimento desvendou os dois. Nada mais poderia ser feito. No dia seguinte, se falaram. Era preciso fazer algo. “Não consigo te tirar de dentro de mim”, confessou ele.

Sim, eles fizeram as escolhas e tomaram decisões. Não podiam abrir mão do sagrado, da calma que sentiam estando juntos, da plenitude que encontravam em cada palavra. Num dos encontros, ele falou ao seu ouvido o poema “Teresa”, de Manuel Bandeira. “Os céus se misturaram com a terra/E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas”, diz o final do poema, que parecia ser o que viviam. Céus e terras se misturavam.

Vinte anos depois, eles decidiram assumir o amor.

E quando estava a terminar esta crônica, me chegou um email de um amigo, com o pequeno trecho de um poema do Drummond:

“Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”

10 comentários:

Anônimo disse...

Que bom que eles tiveram coragem para assumir esse grande amor!!! Parabéns para ti, que sabes contar essas e outras histórias tão bem, e para o casal.

Anônimo disse...

Lindo, lindo, lindo!!!
Acho que vc, Samarone, teve uma grande contribuição pra que seus leitores estivessem assim, românticos!!
Então seje abaixo uma homenagem a todos os românticos desse planeta. E que eles(nós) continuem(continuemos) assim... românticos sempre!!!
_______________
Românticos
(Vander Lee)

Românticos são poucos,
Românticos são loucos, desvairados
Que querem ser o outro,
Que pensam que o outro,
É o paraíso.
Românticos são lindos,
Românticos são limpos e pirados
Que choram com baladas,
Que amam sem vergonha e sem juízo
São tipos populares, que vivem pelos bares
E mesmo certos vão pedir perdão
E passam a noite em claro
conhecem o gosto raro
De amar sem medo de outra desilusão
Romântico é uma espécie em extinção.
Românticos são poucos,
Românticos são loucos,
Como eu.

Anônimo disse...

Eita, Começou o "the best Sama´s chronics".
Essa está entre as melhores !!!

Anônimo disse...

Sama, muito obrigado por ter atendido ao pedido e re-publicado essa crônica...
São coisas q realmente tocam a alma e a esperança, fazendo pensar...
Forte abraço
Deco

Anônimo disse...

Ahhh agora vc explicou; Eu tenho o livro estuario, mas procurava as crônicas apresentadas por João Valadares. Procurei, procurei e nada. Achava que eu estava doida. Que bicho doido danado. Mais doido é tu que coloca a apresentação sem ter nada a ver. Mas ficou muito bonita a apresentação. Mesmo que não tenha sentido.
Uma leitora fiel que adora suas palavas. Sama, vc é d +

Anônimo disse...

Que ironia essa crônica reaparecer logo agora...

Ana disse...

É linda demais...



...



(... suspiro!)

Anônimo disse...

Sama, meu filho, faz muito tempo que não lhe falo. Isso não quer dizer que não lhe leio. E quero ratificar tudo que sempre disse: você é maravilhoso até quando repete uma crônica. A beleza do seu texto tem sempre sabor de primeira vez. Parabéns, meu querido! Um beijo, de mãe.

Anônimo disse...

Mais uma vez, linda cronica!
Obrigada!
Claudia

Anônimo disse...

Mais uma vez, linda cronica!
Obrigada!
Claudia