segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Lembranças, comentários e outras coisas mínimas

Uma canção que eu adorava começava com um sopro, depois o sujeito entrava: "Eu sou nuvem passageira/que com o vento se vai/eu sou como um cristal bonito/que se quebra quando cai". Eu era ainda bem moço, e hoje de manhã acordei lembrando disso. Esqueci o nome do cantor, que nunca mais fez sucesso.

Meu irmão, o Antônio José, adorava o Gilliard: "Pouco a pouco/foi que eu pude perceber/que gostar é diferente de querer", e ganhava um disco do Gilliard no seu aniversário.

Meu pai tinha um costume. Na sexta-feira, botava discos de Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, e ficava tomando umas. As músicas eram colocadas num volume altíssimo, e lá pelas tantas, ele estava deitado. Às vezes chorava. A pessoa que chora deitada, está sofrendo muito, é o que penso, mas ele nunca comentou nada.

Duas vezes meu pai chorou muito por pessoas que não eram da família: na morte de Altemar Dutra, e do goleiro Castilho, do Fluminense.

Minha mãe sempre me pareceu uma traficante de esperanças.

Meu irmão, o Paulo, sempre foi o mais politizado da família. Uma vez, ele foi para o seminário, ser padre, e deixou o livro "Batismo de Sangue" de bobeira. Foi o meu batismo na literatura, pelas mãos do Frei Betto. Ironias da vida: anos depois, entrevistei Frei Betto em São Paulo, no mesmo convento dos Dominicanos, onde parte da história da queda de Carlos Marighella começou. O Paulo hoje faz doutorado em Minas.

Minha tia Flocely disse, outro dia, que nasceu para ser professora. Mais que isso, tinha certeza que sempre seria uma professora, era sua vocação mais profunda.

"Eu trabalhava tanto, que não tinha tempo de sofrer", comentou.

Mirtes, minha amiga infinita, gosta de dar nome às coisas.

"Tem que ter um nome, bichinho. Se você ama, tem que ter um nome".

Ontem escutei uma mini-história linda. O Santa Cruz foi campeão no ano passado. No dia seguinte, o filho foi ao cemitério, e colocou uma faixa em cima do túmulo do pai. Não sei se fez uma oração, mas a oração já estava feita. É amor, o nome disso.

Conversei com uma mulher que está casada há muitos anos com o mesmo homem. Tudo parece perfeito, até que fiz a pergunta:

"Qual é o segredo?

"Eu fecho os olhos".

Certas perguntas são absolutamente inúteis.

Certas respostas doem.

6 comentários:

Anônimo disse...

adorei

Anônimo disse...

oi, Samarone!
Simplesmente lindo!
um abraco,
Claudia

Ana disse...

Perguntas inúteis ou casamentos sem respostas?

Anônimo disse...

Eita Samarone, sabe ... lembrei que dizem que uma pessoa que tem muitos apelidos tb sempre é muito querida. Combina com a coisa de "tem que ter um nome".

Seja como for o texto está inspirador, pra variar ...

Anônimo disse...

Não lembro se ele chorou, mas meu irmão de vez em quando escreve sobre a morte de Castilho, seu ídolo maior. Quando o Flu caiu pra segunda divisão, meus irmãos e eu ficávamos pensando que bom que papai tinha vivido sem ter que ver uma coisa dessas. E imaginávamos num certo túmulo recheado de tricolores, lá no S. João Batista, nossos avós, pais e tios poupadois a tamanho desgosto. Futebol é poesia, eu sempre digo.

Anônimo disse...

Mas um dia é preciso abrir os olhos.

ass: uma mulher casada com o mesmo homem há vários anos.