terça-feira, 24 de outubro de 2006

Perambulações pelo Agreste - parte II (a missão)

Camocim de São Félix, Agreste de Pernambuco.

Sim, mas como eu vinha contando, minha expedição das forças desocupadas precisava de novas fronteiras. Depois de vasculhar São Joaquim do Monte e cheirar o túmulo de Frei Damião, era o momento de conhecer Bonito, ali na região, porque dizem que a cidade é bonita pacas. Botei meu tênis, catei a bolsa bolsa, o canivete, uma garrafa d´água e uma discretíssima maçã. Faltou-me uma bússola, para ficar igualzinho ao cinema, mas eu não me oriento nem com bússola.

No centro de Camocim de São Félix, sou informado que o ônibus acabou de sair. Não desanimo. O negócio é ir caminhando mesmo. Pocot, pocot, pocot, lá vou eu.

Daqui a pouco, à saída da cidade, passa a singela, bucólica e inenarrável figura de uma Belina, de ano incerto e não-sabido. Alguns de vocês, os mais velhos, devem saber do que falo.

“Vai para Bonito”, me pergunta o motorista.

“É carona ou é frete?”, pergunto.

“É só dois e cinqüenta”, me responde o rapaz.

Entro na Belina. Falta pouco para ela se desmanchar, de tão remendada. Vou na frente, e como tenho as pernas meio grandes, sempre fasto a cadeira para trás, puxando aquela alavanda. Temendo arrancar a cadeira do lugar, fico na minha. Daqui a poucos metros, mais três passageiros. Um com cara de agricultor, um com cara de contrabandista e uma senhora, com cara incerta, e um pandeiro imenso. A Belina gemeu, com tanto peso e o motorista sentou o pé.

Amigos, o povo no Agreste gosta de uma carreirazinha, visse? Daqui a pouco, a Belina voava rasante, e tive saudades da motoca do dia anterior (veja crônica passada). Como sou de puxar assunto, comentei o verdinho das plantações. O motorista informou, solene:

“Sabia que aí tem vinte e cinco mil pés de tomate?”

Sabia não, inclusive fiquei impressionadíssimo.

“E é tudo do mesmo dono”.

Eu quero é novidade, meu camarada.

Cheguei vivo a Bonito, para uma perambulação pela cidade. Fui por ali, voltei, cheguei a uma Igreja, lá no topo, tinha o busto de alguém. Fui lá, ver quem era. Acho que era o Barão de Bonito, creio, mas estava escrito somente “Priscila”, onde tinha a placa, outrora. Francamente, Priscila, francamente..

Ao lado da igreja, uma bela, mimosa, decente e bucólica casa azul, com aqueles pés de laranja ao redor, sombra para tudo que é lado, e a placa: "vende-se esta casa".

Imediatamente, me deu vontade de morar em Bonito. Bati palmas até cair o couro das mãos, mas nem um reles vira-lata apareceu. Não deixaram telefone, de sorte que não fechei o negócio, e continuarei morando, até ordem contrária, no Poço da Panela.

Desci, andei para um lado, para o outro, até que me veio aquele desejo antigo de ir à cidade vizinha, “Alto Bonito”, porque dizem que tem o rio Prata, a barragem, o povo tomando banho, e estou com meu calção de banho azul-desbotado por baixo, para o caso de aparecer algum açude ou barragem. Vou matar saudades dos banhos de açude da infância. Vou andando de novo. Pocot, pocot, pocot.

Lá pelo quilômetro três ou quatro, me dá um cansaço físico e espiritual. Paro à beira da estrada, como a maçã olhando a paisagem, bebo uns golinhos d´água e fico pensando na casinha, ao lado da igreja. Puxa vida, morar numa cidadezinha do interior, a duas horas do Recife, com cachorro fazendo festa na hora de passear e clima de montanha ao anoitecer! Ali sim, eu iria escrever umas crônicas supimpa. Melhor que isso, morar numa cidade chamada Bonito!

Fico pensando na minha burrice. Deveria ter perguntado a algum vizinho quanto custa a casa, para demonstrar o interesse, dar um sinal, algo assim. Vem aquele sentimento de ter perdido uma oportunidade de ouro.

Mas dá um vento contrário e caio na real. O sujeito só compra uma casa com dinheiro, e não estou com essa bola toda.

Volto para Bonito. No caminho, passo por um pequeno açude, estão três meninos brincando, pulando, jogando água um no outro. Vejo claramente Paulo, Antônio José e Samarone, muitos anos atrás, e me dá uma saudade imensa dos meus irmãos.

Chego vivo à rodoviária de Bonito e espero um ônibus para Camocim. Fico tomando suco de maracujá com canudinho, o melhor suco que existe no globo terrestre, olhando as pessoas na rodoviária. Anotei um monte de diálogos, mas o caderninho não está aqui, fica pelo menos o registro – anotei vários diálogos na rodoviária de Bonito.

Uma moça bonita, com aquele rosto forte de gente do interior, as pernas fortes, de galinha de capoeira, chega perto do namorado e comenta:

“Mas é parado aqui, né? Sou mais o Recife mesmo”.

O rapaz faz que sim com a cabeça. Não sei se o sim é sim ou se ele gosta mais dali mesmo, com aquele ventinho suave lambendo seus cabelos.

Volto para o convento mais cansado que no dia anterior. A moça me pergunta para onde fui.

“Para Bonito”.

“A pé?”

“Sim, a pé mesmo?”

Ela fica horrorizada.

“É que já fui maratonista, então tenho resistência”, digo.

“Vinte quilômetros para mim, é como ir ali na esquina”. Aí eu já estou mentindo de com força.

Em seguida, quase não consigo subir as escadas.

Terei que contar, mais tarde, do meu encontro no convento com as velhinhas de uma excursão, e de como me transformei em um frade franciscano num piscar de olhos, com viagens missionárias as mais emocionantes, para várias partes do Brasil e África.

Mas isso fica para amanhã, para criar um suspensezinho, que ninguém é de ferro...

6 comentários:

Anônimo disse...

eta bicho mentiroso!...

agora em sp, no final de semana, assisti a Pedra do Reino do Ariano, dirigida pelo Antunes Filho e num é que lembrava de tu o tempo todo. Quaderna era a tua cara homem!...

abç

G.

Anônimo disse...

os pequenos afetos do dia a dia, os encontros rápidos e para nunca mais...eita vidaaaa né

Anônimo disse...

eu quero morar em Bonito...

Anônimo disse...

Qualquer dia eu te conto da quermesse que eu fui em Alto Bonito. Fui ver monga, comí maçã do amor arrancadora de obturação e na volta para Bonito - onde eu estava hospedada - fiquei dando tibumgadas na piscina, junto com os sapos! Pense num lugar bom!

Anônimo disse...

Sama, espero que depois deste teu retiro, pelo menos em nome da mentira mais consistente (se fazer de franciscano é lasca!), tu aprendas a reconhecer uma carmelita pelo habito!

Anônimo disse...

E cadê as Perambulações pelo Agreste III ? Estamos esperando de como vc. foi parar para ser um frade franciscano.
seiva