sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Somente mais um feriado

Não sei de onde saem essas minhas idéias. Quinta-feira, feriadão de Nossa Senhora, estou no Cabo de Santo Agostinho, um sol de rachar o cano, todo mundo está na praia. O que o pateta aqui resolve fazer, depois do almoço? Ir à livraria Siciliano, no Shopping Guararapes. Motivo: a lenda de que a citada livraria estaria com um queima generoso - 50% de desconto em todos os livros.

O Shopping é longe pra chuchu. O fato é que às 14h33 estava lá, cutucando as prateleiras. Amigos, informo que a promoção é uma balela: muito livro ruim. A muito custo, depois de horas de pesquisa, consegui comprar os dois volumes de "As mil e uma noites", que saíram por R$ 104,00. Com a promoção, as belezocas foram adquiridas por R$ 52,00.

Sobre o shopping, nada a declarar. A turma não tem do que reclamar do Lula, porque havia engarrafamento de gente. Acho que o mais liso ali era eu.

Saio caminhando pacificamente, com meu passo de camundongo, em direção à parada, e descubro que sou o homem errado na hora infame. São 16h22 e a praia inteira de Piedade está indo embora. Milhares de pernambucanos, à espera de um coletivo. Milhares bêbados e queimados do sol, por sinal.

Estou ali, de cara, no meio da confusão. É gente dando tapa em gente, para entrar no coletivo. Só há uma solução. Ir à praia, tomar uma cerveja, enquanto espero a massa partir.

Vejamos a cena. Sento na cadeirinha, o sol começa a morrer. Estou de calça jeans, com "As mil e uma noites" na bolsa. Tiro o livro, dou aquela lambida, cheiro, vejo as primeiras páginas.

O brega come solto. Há vários bêbados remanescentes, aqueles que esqueceram de ir para casa. Passa um menino com sua pipa. À minha esquerda, tremulando, uma bandeira esfarrapada do Palmeiras. Mas que diabos uma bandeira do Palmeiras faz aqui, em Piedade, em pleno feriado de Nossa Senhora? Onde estão as bandeiras do Santa Cruz?

"Caldeirada! Caldeirada!", grita um vendedor de caldeirada. Ninguém liga. Isso lá é hora de vender caldeirada!

Registro a presença de várias gordinhas charmosas, essas que não estão nem aí para academias, e curtem tudo. Uma criança mama uma Coca-Cola imensa e penso no arroto, a mais tarde. À minha frente, quatro camaradas derrubam mais um litro de Rum Montilla. Passa um vendedor de pulseiras. O camarada está mamadinho mamadinho. Ele pára, olha para mim, estende a mão.

"Barbudo... ô barbudo..."

Sinto que é comigo.

"É Lula ou não é?"

E eu lá sou homem de votar em tucano?

"Lógico. É Lula-la".

Apertos de mão os mais diversos. Ele comenta:

"Do caralho, do caralho".

Sai tropicando. Mais à frente, derruba um dos colares, pega, assopra, pendura na mão esquerda e segue.

Já estou com uma cervejinha. Olho o ambiente. A praia é de gente simples. Não tem aquelas bonitonas e gostosonas de Boa Viagem. Uma gordinha requebra muito, ao som de um brega. Está vermelhíssima, torrada pelo sol do feriado. Quer é curtir a praia, o sol, a cerveja, os amigos. Regime e academia o cassete.

Passa um casal por mim. Ele tem os cabelos pintados de loiro, é horrivel Está mamadinho da sila. Ela o arrasta.

"Vamos, Noé, já bebesse demais".

Um Noé em pleno feriado. Cadê a arca, meu querido?

Ali, a uns vinte metros de mim, um homem bebe sozinho. Usa um boné para trás, tem um saco de amendoim na mesa. Que solidão, amigos, que solidão.

O brega come solto.

"Não me mande embora/Não sou seu amante/Você vai por mim/Por bem ou por mal/Eu pego suas coisas e quebro no pau".

Eita poesia...

"Por isso eu quero e tenho direito de ter você/Um homem safado somente pra mim".

Todo mundo canta, principalmente os homens safados.

Passa um vendedor de algodão doce. Nunca mais eu tinha visto algodão doce. Dá vontade de comprar um saquinho, só pela poesia

"Tu morre pela boca, visse", diz alguém na mesa ao lado.

Ao longe, duas pipas no céu. Uma do Santa Cruz, outra do Sport. Já sonho com a pipa do Sport caindo, em alto mar.

"OIlha, Lula não ganhou não", diz a gordinha ao lado.

"Mas vai ganhar, que vou votar nele", responde um senhor, convicto.

Daqui a pouco, aparece uma pipa do Náutico. Que praia mais esquisita, meu Deus!

Um senhor de uns 40 anos dança. Usa uma tanga ridícula. Ele bebe, está animado, com sua turma, ri muito, me parece feliz. Quem sou eu, para achar sua tanga ridícula? Ridículo sou eu, de jeans e com "As mil e uma noites" em cima da mesa. O reles cabeça, em pleno feriado.

Passa um casal ajustado, de mãos dadas.

"Vamos tomar uma lá em João?"

"E apois", reponde ela.

Isso é que é um casal, pensando em tomar a saideira, depois da praia. Lembro do Joãozinho Peruca, meu amigo, que adora esse "e apois".

Os biquinis não são tão belos, as tatuagens são meia-boca, os corpos não são modelados pelas academias, mas há uma estranha e confusa felicidade por aqui. Há uma multidão de brasileiros, curtindo o feriado da quinta-feira. Vai entardecendo e ainda são milhares, na praia, curtindo uma roda-de-samba, curtindo algo. Estão sendo felizes por hoje.

É outra estética. As crianças não têm tantos brinquedos. Muitas famílias trouxeram o isonor, com a bebidinha básica.

Passa uma família por mim. Estão cobertos de areia.

"Mainha, quando é que a gente volta?", pergunta o menino, vermelhíssimo.

A mãe tem os pelos da coxa bem loiros, a la anos 80, quando era moda as mulheres passarem água oxigenada nos pelos. Dizem que o troço saiu de moda porque os pelos ficavam muito duros, e agradavam somente aos olhos.

"Vai depender de você", respondeu ela.

Cá entre nós, não gostei da resposta. Mas de calça jeans, com um livro cabeça na mesa, que direito eu tenho de gostar da resposta da mãe, neste final de tarde?

Tomo mais uma cerveja. A tardinha vai morrendo. Desconfio que ganhei uma crônica de presente.

22 comentários:

Anônimo disse...

Caro cronista, seu blog me foi indicado pela colega e amiga Flavia Suassuna e, sendo indicado por professora tão brilhante, fiquei curiosa. Flavia tem razão: amei a fluência de seu texto, esse jeito "ao pé do ouvido" de falar sobre as coisas da gente, da nossa gente. Fiquei fã. Fernanda Bérgamo

Anônimo disse...

Pois é querido Samarone, há tempos que escolhi as praias de Jaboatão...não tanto pelo som, que muitas vezes é desagradável, mas pela "estética diferente", que posso te afirmar, é bem mais gostosa e aconchegante.

No meu caso, sinto que tem espaço pra mulheres fora dos padrões das academias serem gostosas também! Adoro!

Anônimo disse...

so tu Sama, para me falar da poesia do algodao doce. Amei!
paty

O Menino da Peneira disse...

samarone há.
adoroooo esse blog mas tava sem internet na ultima semana...
fiquei sabendo do lancamento da segunda edicao do livro...
vou comprar na cultura e deppois tu autografa =D

Anônimo disse...

algodão doce. sinônimo da poesia da infância. açúcar e cores, que criança quer mais do que isso?
eu que nunca cresci sempre adorei. só de ver o camarada com aquele pedaço de pau cheio de saquinhos coloridos ganhava o dia. sorriso na certa, sorriso de felicidade, pela simplicidade, pelas coisas cheias de formosura.
um dia uma amiga interrompeu um desses sorrisos e disse: "e pensar que eles echem saquinho por saquinho com a boca hein!?
que merda, eu nunca tinha pensado nisso! aí a partir daí, toda vez que eu penso em comer algodão doce, penso que estou comendo açúcar, cores e cuspe dos outros.
às vezes desisto, mas às vezes, que se dane, que mal há na saliva alheia???
ei, essa crônica de hoje tá demais viu, demais de boa!
maravilhosa para um feriadão que é somente mais um feriado...
beijo no coração

Anônimo disse...

algodão doce. sinônimo da poesia da infância. açúcar e cores, que criança quer mais do que isso?
eu que nunca cresci sempre adorei. só de ver o camarada com aquele pedaço de pau cheio de saquinhos coloridos ganhava o dia. sorriso na certa, sorriso de felicidade, pela simplicidade, pelas coisas cheias de formosura.
um dia uma amiga interrompeu um desses sorrisos e disse: "e pensar que eles echem saquinho por saquinho com a boca hein!?
que merda, eu nunca tinha pensado nisso! aí a partir daí, toda vez que eu penso em comer algodão doce, penso que estou comendo açúcar, cores e cuspe dos outros.
às vezes desisto, mas às vezes, que se dane, que mal há na saliva alheia???
ei, essa crônica de hoje tá demais viu, demais de boa!
maravilhosa para um feriadão que é somente mais um feriado...
beijo no coração

Anônimo disse...

Sama, vi esse endereço no DP quando lia a reportagem do lançamento do livro. Se já gostava de ler você no Blog do Santinha, agora virei macaco de auditório. Parabéns, você saber enxergar a alma do povo do jeito que o proprio se enxerga!!! Forte abraço.

Anônimo disse...

Só fiquei com pena, porque vc estava de calça jens, ninguém merece na praia não.
Quanto a saideira é um hábito que não se pode abrir mão, principalmente na praia. Esse é um sem dúvida um grande momento!

muitos beijos!

Bianca

Anônimo disse...

Oi, eu sou irmã de Júlia Kacowicz, sua ex-aluna e admiradora (já ouvi falar muito de você!).
Um amigo meu já tinha me falado do seu blog e eu tinha dado uma passada aqui e achado muito legal...
Quando Ju voltou do lançamento da 2ª edição do "Estuário", a primeira coisa que fiz foi ir no quarto dela e roubar o livro pra ler primeiro :D E tou gostando muito, viu! Tenho pouca idade mas espero ter ainda metade das experiências que você tem e conseguir olhar a vida desse jeito, leve e bonito :)
Brigada por compartilhar isso com a gente!

Anônimo disse...

Lembro disso. A gente descoloria os pelos das coxas. Eles ficavam dourados e quase invisíveis. Era um charme.

Sabe Sama, foi a maior sorte eu ter ido visitar Naire no mesmo dia que você. Comprei um exemplar do Estuário devidamente autografado e lhe conheci. Estou adorando o livro. Esse seu jeito de escrever algumas vezes chega a comover. Você coloca, nas entrelinhas, um monte de sentimentos como ternura, amizade, amor, solidariedade... Cito um pedacinho de uma das crônicas em uma foto que coloquei no Flickr, no link acima.

Um beijo e bom início de semana.

Anônimo disse...

Um amigo, ex-aluno seu, me indicou esse blog. Um presente.

Também achei uma sacanagem me revelarem que o saquinho de algodão doce era cheio com sopro e de saliva. Mas na minha infância, na rua em que morava, além dos saquinhos, havia um senhor que fazia o algodão na hora, era muito melhor ver aquela gerigonça rodando, fazendo surgir aquelas nuvens doces que faziam os olhos da gente brilhar. Uma festa. Algodão doce tem gosto de festa.

Admiro sua humildade diante das manifestações populares, a sensibilidade de ver a grandeza do povo não apreciada pela mída nem em "rodas de intelectuais". A felicidade particular e peculiar dessa gente tão rica que é a nossa.

Márcia V.

Anônimo disse...

Algodão doce é poesia sempre. Tem gosto de infância. E bons mesmo são os de palito. Daqueles bem grandes e alvinhos que nem nuvem.

E pegar ônibus lotado com os praieiros a retornar é praticamente uma habilidade minha. Quase todo domingo eu costumo esquecer desse fato, e me mando pra Casa Forte, num Rio Doce/Dois Irmãos, que em 10 minutos fica uma coisa. E eu sempre sou o peixe fora-d'água. O jeans e o livro a tiracolo denunciam.

Falando em Casa Forte, acho que vi você numa banquinha de revista, perto do Bar Real, ontem à noite. Falei pro namorado: "Ouxe, olha lá, aquele que é Samarone." Pra ele conhecer, de vista, o autor do livro que eu vivo pedindo pra ele ir buscar comigo. E que, por sinal, espero que ainda tenha pra vender. =)

Larissa Villaça

Anônimo disse...

Sobre descontos:

O site da Livraria Saraiva (http://www.livrariasaraiva.com.br) tá dando descontos em todos os livros, e se você comprar 3 obras, o frete é grátis. Já deu pra comprar coisas boas com preços melhores ainda.

Não é marketing não. É só a título de conhecimento. =P

Abraço.

Larissa Villaça

Anônimo disse...

Ah, os comentários hoje estão maravilhosos. Como diz o João Valadares, os comentários geralmente são melhores que as crônicas.
Em tempo: o Estuário está sendo vendido somente em Seu Vital (defronte à igreja do Poço da Panela), e comigo. A Bagaço vai colocar na Imperatriz, mas sugiro comprar comigo ou em Vital, porque a livraria cobra 40%, então eu ganho uma merreca, e seu Vital nada.
Estou vendo outro ponto de vendas: a locadora de Vicente, na 17 de Agosto.
Vou perguntar à minha chefa, Michela, se posso vender na escola também, na hora do recreio.
Ah, e o cara que passou na frente do bar Real, no sábado, era eu mesmo. Quando dobro aquela esquina, já começo a me sentir em casa.
Abraços,
sama

ps. Dulce, foi ótimo te conhecer. vamos nos falando.

Anônimo disse...

seria realmente ótimo se a pipa do sport caísse em alto mar...

Anônimo disse...

A venda de seu Vital fica defronte à igreja do Poço da Panela, no Poço da Panela.
Redundante, eu sei, mas é isso.
Quem nunca foi ao Poço, é só entrar a primeira rua à esquerda, depois da Praça de Casa Forte (sentido cidade-subúrbio). Essa rua se chama Real do Poço, e só termina lá na igreja. Não tem como errar.
Se errar o caminho, é só perguntar, que todo mundo ali é atencioso.
abraços,
samarone

Anônimo disse...

o melhor comprar o livro em Seu Vital.. é pode encontrar sem querer com Samarone lá... e pedir na cara de pau... pra ele autografar o livro... :D
beijos pa vc

Daniela Peregrino e Fátima Borges disse...

Adorei o texto, me senti do teu lado tomando uma gelada, comendo ostra e bebendo um caldinho de feijão do mesmo jeito que eu faço aos domingos aqui em Olinda.
Minha mãe não entende esse tipo de diversão, vou mandar ela ler tua crônica, só assim, quem sabe, ela entenderá como é bom gostar de coisas simples.

Ps: Quero comprar o teu livro tb, qual o dia e horário que eu te encontro em Seu Vital?

Anônimo disse...

Sama, o problema dos ônibus lotados é porque demoram pra caramba a chegar. E as empresas de ônibus ainda são responsáveis por 5% dos casos de câncer de pulmão, como diz o Miró, não é ??

Anônimo disse...

Sama, você viu sua foto na Folha PE sobre o jogo do Santinha,??? foi no dia do abraço no arruda, tá famoso né amigo...rsrsrsrs, abração e que o santinha seja cuidado com mais carinho!!!

Anônimo disse...

Pra quem curte literatura (ensaios, crônicas, poemas, cartas, histórias, estórias...), o blog de Flávia Suassuna está no ar.
http://fsuassuna.blogspot.com/

Anônimo disse...

Algodão doce não é coisa "real" pra mim. Ficava em historinhas. Na minha realidade infantil o que havia era o "capucho". Eita! Agora que tô percebendo! Era algodão sim! Capucho (de algodão)!!! Que massa! Agora estou vendo que o meu capucho é do algodão! Ambos, doce! Que massa!!!! Vou dormir mais feliz hoje! Coisas simples e belas. M.