Desde quinta-feira faço uma peregrinação com uma tia-avó de 80 anos, com problemas renais, que resultaram num processo de hemodiálise, uma infecção urinária e muitas dores. Ao final de todo este processo, exausto, eu me pergunto:
Onde estão os médicos?
Não se trata apenas de ser um atendimento em hospital público (minha tia é aposentada pelo estado como diretora de escola), porque no sábado à noite, conseguimos uma transferência para um hospital particular. Os procedimentos médicos são semelhantes: frios, alheios, rápidos. Para muitos, o paciente é um incômodo.
Desconfio que a exemplo do Jornalismo, a Medicina está meio esquizofrênica: perdeu-se do humano.
Tia Flocely foi atendida por vários médicos, em diferentes plantões. Estive ao seu lado, em todos eles. Apenas uma, de um total de cinco ou seis, teve a coragem de olhá-la nos olhos e perguntar, com carinho, como estava se sentindo. Tia me olhou, surpresa, e depois comentou:
"Essa médica é diferente, né?"
Seria cômico se não fosse trágico, mas relatei a uma médica do Ipsep todo o caso da tia, o problema renal crônico, a falta de apetite, ânsias de vômito, o que indicavam uma falência do rim, e a médica não teve dúvidas:
"Isso deve ser uma virose".
Aproveitou e passou remédios para verme.
Hoje, a consulta durou cronometrados quatro minutos e meio. Tia reclamou de dores fortíssimas nas costas, o médico, que parecia ter marcado uma pelada à beira da praia com os amigos do dominó, apertou com tanta força, que ela deu um grito e se arrependeu. Ele saiu sem dizer até logo. Creio que foi buscar suas chuteiras.
Algo estranho está acontecendo. Falta aos médicos uma pequena, mínima, essencial delicadeza. Aliás, algumas delicadezas. Perguntar o nome do paciente. Olhá-lo nos olhos. Dizer um bom-dia. Colocar uma mão no ombro. Isso não tem a ver com salários, más condições, excesso de plantão. Tem a ver com o compromisso básico da Medicina, que é cuidar dos seres humanos. Tem a ver com o trato com pessoas que estão sofrendo, e querem, às vezes, apenas uma palavra de conforto, de carinho.
No meio deste vendaval, aparece a doutora Bebete Molina e o Rafael Pacífico. Não fosse a delicadeza, a gentileza, a atenção e disponibilidade deles, nem sem como estaria a Flocely - nem eu.
Mas continuo com a minha pergunta, após cinco dias percorrendo hospitais e enfermarias:
Onde estão os médicos?
4 comentários:
Sama, pergunto-me aonde está a delicadeza do dia-a-dia. Espero que tia se recupere logo. Abração do mano PH
a minha pergunta é: onde estão as pessoas? pq esse olhar frio, sama, eu tenho visto muito por aí. em quase todos os motoristas que param no sinal e n vêem as injustiças. ou nos pseudo-intelectuais que vão, aos montes ver e comentar um documentário sobre a fome na áfrica, mas não tem olhos pra observar os mais próximos, nem boca pra comentar sobre eles. cadê as pessoas de verdade?
é uma desumanização da humanidade...
e um desabafo.
abraços.
Samarone,
Muito comovente o seu relato.Fiz uma cópia e encaminhei para a turma da 3M da UPE. Pode não ser o suficiente, mas é a minha contribuição para uma reflexão sobre o profissional médico.
Melhoras para sua tia, tb estou com os meus pais doentes, minha mãe infartou pela segunda vez e meu pai se recuperando da pneumonia, que um médico, também, falou que era uma virose.Só depois do derrame pleural é que ele descobriu que velho tem pneumonia.
Um abraço,
COnceição Cardozo
As noções básicas de humanidade estão se perdendo no tempo...este teu relato é um exemplo na classe médica sama, mas, isso tá em todo lugar. As pessoas tão perdendo a capacidade de se indginar com injustiças e se emocionar com pessoas. Isso é de fato muito triste, pois, caminha-se para o individualismo exacerbado e uma futura barbárie.
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