sexta-feira, 15 de junho de 2007

Uma vida para meu avô



A única imagem que restou do meu avô Antônio

Algo acontece comigo neste momento. Estou aqui, escrevendo, e à minha frente, presa por um alfinete, está a foto do meu avô, Antônio Estevam de Lima Filho. Pela primeira vez, neste blog, compartilho uma imagem particular, íntima. A foto é pequena (9x6, acabei de medir com uma régua), e meu avô está bem jovem. Há uma tristeza e algum sofrimento, que não sei o motivo. É a única imagem que ficou dele.

Este homem que nunca vi, morreu no Rio de Janeiro, em 1967, aos 50 anos, vítima de tuberculose. Morreu distante das quatro filhas e da esposa. Sabe-se lá os caminhos que percorreu. Uma das filhas é minha mãe, que nunca o viu. Só recentemente fiquei sabendo disso. Ele foi morar no Rio com o objetivo de trabalhar, ganhar dinheiro e levar a família. Nunca mais voltou. Mergulhou num silêncio profundo. E cá estou eu, quase quatro décadas anos depois, à procura da vida do meu avô.

E cada vez que procuro mais informações sobre este Antônio, mais vejo o quanto levo de herança. Como diz o Bert Hellinger, cada pessoa ajuda a carregar o destino de sua própria família. Como ele, sou alto. Como ele, gosto de andar pelo mundo. Como ele, gosto de recomeçar coisas. Como ele, tenho facilidade para amizades. Como ele, várias semelhanças, nas coisas boas e ruins. Como ele, exagero em algumas dessas coisas e acabo batendo a cabeça, quando tudo poderia ser mais simples.

Depois de três livros publicados, muitas reportagens, vários veículos de comunicação, me dedico a uma peregrinação interior, de cunho afetivo. Vou ao encontro da história de minha família. Depois de entrevistar tanta gente, de presidiários a prêmios Nobel da Paz, de policiais a ex-presos políticos, entrevisto o meu povo. Escutei a história de vida de mais de 100 pessoas, para escrever meus dois livros-reportagem (“Zé” e “Clamor”). Agora, quero escutar as histórias das vidas que vieram antes da minha. Tenho a esperança de que o encontro com meu passado ilumine algo no presente. Pode ser uma luz tênue.

Tenho dedicado algumas horas a conversas com a tia-avó Flocely, de 80 anos. Ela me falou longamente dele. Entre outras coisas, amigos, o Antonio Estevam, bebia pacas.

Minhas conversas ao telefone com minha mãe têm mudado de rumo. Ao invés de falar das coisas por aqui, o que tenho feito, os erros e acertos, faço perguntas, tomo notas. Agora em julho, iremos ao Crato, onde nasci. Vou lá, sentir o cheiro dos meus antepassados, pisar o chão inicial, a terra onde meus pés pisaram. Busco agora, impaciente, uma fita cassete, com uma longa entrevista que fiz com minha avó Zeneuda (irmã de Flocely), no início dos anos 90.

Minha avó Zeneuda era a esposa de Antônio. Ele foi para o Rio de Janeiro, ela ficou com quatro filhas no Crato. Nunca mais o viu. Nunca mais olhou para outro homem.

Lembro que na entrevista, ela falou muito dele, e pena que neste período eu confiasse tanto no gravador. Não tomei notas em um caderno, à parte, como passei a fazer nos anos seguintes. Quanto amor havia nela, falando se seu Antônio...

No dia 13 de junho de 1967, meu avô morreu, de tuberculose. Estava com 50 anos. Era um mecânico hidráulico de mão cheia. Foi sepultado no cemitério de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. No atestado de óbito, há apenas uma observação:

“Não deixou bens – deixou quatro filhas”.

Uma delas é minha mãe, que nunca o viu.

Fora isso, um silêncio profundo. Sua história é um mistério. Descubro que temos um desaparecido na família.

Vou ao encontro de meu avô silenciado. Creio que vou também a um encontro marcado comigo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Acho que vc parece fisicamente também com ele. Tem uns traços que lembra vc, talvez os olhos...

Anônimo disse...

Saminha,

o homem não deixou bens, deixou mais: figurinhas com Ermirinha, Beta, Eliza e Antonieta. Além é claro, da Vó Zeneuda. Boa esta viagem ao passado para entender um pouco o presente. Abraço do mano PH

Anônimo disse...

não esquece no caminho que a nossa vida está dentro de nós mesmos. buscar histórias dos antepassados é uma forma de enxergar alguns passos, mas não a nossa própria caminhada. é dentro de você que está o segredo, mas desvendar-se é sempre muito mais difícil e perigoso do que descobrir as estradas alheias, ainda que pareçam tão próximas...
com muito carinho,um beijo na ponta dos pés, como uma bênção...
un petit bisou pour toi

Anônimo disse...

Sama, vou reproduzir aqui um comentario que fiz hoje (so hoje!) na cronica (nao gosto de chamar post) do dia 07/06, "Autobiografia sem ritmo", pra tu nao morrer ignorante:

So pra seu governo (se por acaso tu for besta de ficar lendo comentario de cronica antiga), em Pernambuco ninguém "arranca a cabeça do dedao" numa topada. Em bom pernambuquês, uma topada de respeito arranca é o "samboque do dedo"! Aquele que nunca arrancou o samboque do dedo nas calçadas do Recife é porque nunca saiu de havaiana ou de xôboi!

Ana Paula