Cheguei a esta imensa casa da rua Mário Studart, 200, Monte Castelo, Fortaleza, cercada por um muro de pedras, em 1983, segundo minha mãe agora há pouco. Eu estava com 14 anos, o bairro era festivo, com muitos jovens, e ficou famosa uma quadrilha que organizamos, onde recitamos na vida e nos corpos aquele poema famoso do Drummond. O Pepo se apaixonou pela Nadja, que se apaixonou pelo Roncalli, que se apaixonou por alguém que não lembro o nome, que não queria ninguém. E foi acontecendo aquela soma de paixões, até que alguém acertou com alguém, e pelos milagres dos campos mórficos, os casais foram nascendo, eu encontrei a Veruska, passei vinte mil dias criando coragem para pedi-la em namoro, até que ela aceitou e o céu se misturou com a terra.
Mas tudo passou. Não sei o que aconteceu com o bairro. As ruas estão vazias. Os muros subiram de altura, pelas mãos do medo. Muita gente se mudou. Os que partiram, nunca mais voltaram. Da velha turma, só continuam o Pepo, que virou jornalista, e o Neto, que é maratonista e deveria estar no Pan. Ontem, voltando com minha mãe de um passeio, comentei sobre o deserto. Ficaram as árvores, por assim dizer. Inútil procurar o bando de jovens correndo atrás de uma bola, no final das tardes, com partidas decididas no último lance, um golaço de alguém, a festa. Inútil procurar os jogos de vôley, com um pedaço de pano servindo de rede. Todos se espalharam.
Talvez o grande desafio seja este: não procurar pelo que não existe mais. É tolice voltar para os lugares do passado em busca de algo intacto, ficar na melancolia da imagem congelada. Eu também fui embora, ora bolas. O tonho, meu irmão, casou e foi embora. Meu outro irmão, o Paulinho, foi embora para Minas. Meu pai foi para outra casa. Muita gente buscou outra paisagem. Nossos movimentos pelo mundo mudam geografias.
Melhor então percorrer o velho jardim da casa, que agora está sendo cuidado pelo seu Antônio, dedicado jardineiro movido a Ypióka, com um sorriso sincero em meio às plantas. É bom saber que algumas plantas, hoje adultas, foram plantadas por mim, em uma dessas muitas vindas, desde 1998.
Melhor ficar observando minha mãe, em seu eterno costume de arrancar o esmalte das unhas, enquanto resolve uma pendência na Riachuelo, na tentativa bem-sucedida de fazer um crediário para o filho mais moço, embora nem tão moço assim. Melhor observar atentamente minha irmã Patrícia, e ver nela alguns gestos da minha avó, traços que perpetuam a família. Melhor ver a satisfação eda dona Ermira, quando encontra uma amiga na rua, e me apresenta como o filho “jornalista e escritor”, com uma ponta de orgulho, como quem indica que tenho duas profissões. Agora, ela prepara uma sopa. Hoje à tarde, tia Beta fez um bolo que adoro, e fomos juntos à rodoviária, comprar a passagem de volta.
Escrevo no famoso gabinete, onde ficavam os livros, de uma biblioteca que chegou não sei bem como, as coleções que faziam sucesso, tempos atrás. Agora não é mais tempo de coleções. Desde que chegamos a esta casa, chamava atenção um objeto inusitado, para uma classe média-média: um cofre, incrustado na parede, com chave e segredo, da marca “Confiança”- de luxe.
Não sei o que tinha dentro do cofre, se meu pai guardou alguma coisa nele, desconfio que a chave esteja perdida para sempre. Ele está aqui, à minha frente, vazio de segredos, ou repleto de silêncios. Ninguém mais pode abri-lo.
Então me ocorre escrever algo, compartilhar retornos, passeios pelo passado, ancorado no presente. Às vezes, quem escreve sente uma imensa solidão, que precisa ser compartilhada. É o meu caso, hoje.
Amanhã terei que escrever sobre uma obsessão que tomou conta de todos os meus familiares e agregados, desde que cheguei. Um tal do "Chip da Oi", que move céus e terras. Mas fica para amanhã. Por hoje, fico por aqui. Na Lan house, vamos de Roberto Carlos.
3 comentários:
Ah, agora entendi pq a Ermirinha não manda notícias para Minas Gerais.
Aproveita a temporada, Sama.
Abraço do mano, PH
Um grande abraço e bom descanço!
Sama,
Mato as minhas saudades lendo os seus textos. saudade mesmo. comprei 2 livros seus lá na kabum, no meu último dia em Recife. vocÊ tinha acabado de sair...
bem, Salvador lhe espera. quando aparece??
beijos de quem compartilha solidão,
Vania
vdiass@yahoo.com.br
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