segunda-feira, 30 de julho de 2007

Últimas cenas do Pan, no Alto José do Pinho

Faltavam quatro quilômetros para terminar a Maratona, e o cara da Guatemala já vinha bufando, arfando, achando certamente aquela distância toda um exagero. O locutor disse que ele não estava mais com a mesma homeostase, algo assim, essas coisas ridículas dos locutores, após o camarada correr feito louco por 38 quilômetros. Atrás, num galope firme, o corredor do Brasil, mais decidido que ministro do Supremo. A diferença entre os dois era de reles 150 metros.

Eu estava na casa de Eliete, no Alto José do Pinho, tomando uma cerveja, enquanto Eliete atendia uma freguesa, em seu salão. Ela me deu o controle remoto da TV e pediu que eu esperasse só um pouco, enquanto cuidava dos cabelos de uma senhora distinta.

"O brasileiro vai passar, Eliete!", gritei, como se aquilo fosse algo muito importante.

Ela veio para junto, com uma tesoura na mão. A cliente ficou na cadeira, com uma pá de cremes no cocoruto. O camarada do Brasil dava cada passada de girafa, que vou dizer.

O locutor fazia um carnaval danado, mas estava na cara que o guatemalteco estava caindo pelas tabelas.

Ficamos olhando atentos, a tensão foi aumentando, até que o brasileiro engatou a quinta e passou tinindo.

"Eita, ninguém mais segura ele", comentou Eliete.

Depois, foi aquela presepada toda. O sujeito pegou a bandeira, o povo aplaudia, e debaixo de chuva, o mineiro ganhou a Maratona.

Quando acabou a prova, olhei para Eliete. Estava com os olhos cheios d´água.

Depois, fui ao Caldinho do Biu, encerrar a tradicional manhã de domingo no Alto. Estava começando um jogo de basquete. Seu Biu chegou, me cumprimentou, ele parece muito (no jeito), com Seu Vital, do Poço da Panela. Aquele camarada que não é muito de brincadeira, e que tem posições muito definidas sobre o mundo e as coisas.

Um sujeito comentou:

"Seu Biu vai torcer contra o Brasil".

"Eu não torço contra o Brasil, eu sou realista", respondeu Seu Biu.

Adoro esses diálogos metafísicos, onde o sujeito se define perante a existência como "um realista", "sou um sonhador", essas coisas.

"Naquele jogo mesmo contra a Argentina, nem o técnico esperava aquela vitória".

(Para meus leitores menos afeiçoados ao futebol e seus resultados, ele se referia ao jogo Brasil 3 x O Argentina, no final da Copa América).

"Isso é porque ele joga no Chiocago Buls", comentou um papudinho, sentado junto ao balcão.

"Mas Joca, tem que ser realista..."

Numa mesa ao lado, o sujeito com a camisa de um clube da periferia, meio barrigudinho, com cara de quem tinha disputado uma partida fundamental para a sua humanidade naquela manhã, comentou:

"A gente nota quando o sujeito joga bola. Está a maior confusão, ele mata a bola no peito e distribui a jogada".

Muito bom isso, de distribuir a jogada.

"Pois eu perdi um gol igualzinho ao dele. Mano tocou para mim debaixo da barra, chutei pra fora. Não acreditei".

"Seu Biu, me dê uma latinha!"

(Se referia a uma latinha de Pitú, produto largamente consumido no Recife).

Seu Biu passou por mim e comentou:

"O cara tem que ter fé em Deus e não desanimar".

A frase serve para tudo.

2 comentários:

Mariana Mesquita disse...

Verdade bem verdadeira...

;.)


E aí, terminou a matéria? Beijos da curiosa.

Anônimo disse...

Sama, a história da homeostase não foi do locutor, foi um fisiologista que acompanhava a prova. A homeostase é o estado de equilíbrio de nosso organismo (simplificando). Grande abraço.