Regina Medeiros, ou a "Palhaça Satélite", numa Caravana do Unicef que acompanhei. A foto é do Mateus Sá. Nenhum dos dois é sério.
Ando com um problema existencial da menor importância para a humanidade. É que estou ficando sem paciência com gente séria. O sério, aquela figura que anda com a testa enrugada, que pede para levarmos o assunto a sério, o País a sério.
Descubro, cada vez mais, que adoro trabalhar e estar perto de gente que não prima pela seriedade. Não é por acaso que nos meus trabalhos, atualmente, estou cercado de gente que de sério não tem nada. O Iramarai, por exemplo, brinca com o motorista, o porteiro, a ascensorista, com nossa chefa, enfim. O leitor sério vai dizer:
"Mas não existe a palavra 'chefa' na língua portuguesa..."
Menos, meu querido leitor, bem menos. Assim minha vida fica difícil.
Outro que trabalha comigo, ou que trabalho com ele, é o gordinho Naná, com a sabedoria de seus cento e vinte quilos. Só o chamo de "Montanha", porque ele parece com uma montanha. Quando alguém chega muito sério, sabendo de tudo, ele pergunta:
"Meu irmão, tu tá com algum problema em casa?"
Depois comenta, na surdina:
"Eu acho que esse cara não teve infância".
Nunca, em sete anos, vi Naná de mau humor. Nem nas piores derrotas do nosso clube.
Por fim, Boy também chegou no projeto. Juntando Maraí, Naná, Boy e eu, já podemos dizer que temos uma trupe de circo, que poderia ser levado pelo Circo Thianny, que é o famosão da minha época. Estamos até pensando em organizar um espetáculo circense - Zé Bobão, Montanha e Girafa. Girafa é o pateta aqui. Boy ainda está sem papel.
O Gildázio, que também trabalha comigo - ou trabalho com ele, sei lá - é outro anti-exemplo de seriedade. Na verdade, já é um caso a ser estudado pela ciência. Para se ter uma idéia do sujeito, um de seus grandes sonhos é ter um Gurgel, aquele carro brasileiro que está sumindo do mapa. Antes de qualquer discussão importante, análises da realidade de nosso mundo, efeito estufa, a nova tara nacional, que é o combate aos saquinhos de plástico dos supermercados, ele precisa discorrer longamente sobre o Santa Cruz Futebol Clube e as chances de classificação para a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro, sejam elas as mais improváveis e incertas.
Meu amigão Valdemir Leite, com seus quarenta e poucos anos, está com planos de aprender a andar de bicicleta. Um cara dessa idade que ainda planeja o futuro em duas rodas, não tem jeito de ser sério.
Nessas horas, vejo que o mundo tem solução.
O sério de carteirinha atrapalha muitos sonhos, gosta de dizer "mas isso é um delírio", "esse projeto não vai ser aprovado nunca", "está na hora de você pensar no futuro", coisas desse tipo.
Trabalhei em consultorias com meu amigo Inácio França, em um lugar conhecido internacionalmente, o Unicef, imagine a importância que é "fazer a humanidade avançar", especialmente quando falamos de crianças e adolescentes. Muitas vezes, olhava o meu amigo por debaixo da mesa, e lá estava o camarada, descalcinho da vida, com os pés no chão, como um belo moleque de rua. Pode estar falando com um ministro, algum assessor importante de alguém importante, mas com os pés no chão. Informo que meu amigo Inácio às vezes perde a sobriedade administrativa e fica de mau humor, mas lembro que ataque de mau humor é bem diferente da seriedade.
O sério mesmo, de carteirinha, não relaxa. Me lembro extrema ternura dos meus melhores professores. Não era gente séria. Ajudavam a educar com leveza, as aulas tinham outro tempo. Um professor da sexta ou sétima série, já não lembro, chegava numa ressaca terrível na aula da segunda-feira, acho que era OSPB, pedia uma trégua e cochilava um pouco, depois começava a falar algo sem importância, que eu gostava muito. A Flávia Suassuna, que é minha professora predileta de Literatura, dá aulas nada sérias, é uma contadora de histórias, e aprendo tudo, junto com os alunos dela do pré-vestibular.
Meu monitor, na Oficina da Palavra, se chama Ailton Guerra. O apelido? "Peste". Você acha que um sujeito com o apelido de "Peste", é um homem sério? Imaginem o que esse rapaz fez na infância, na escola...Ele já me contou vários episódios, é de arrepiar os cabelos.
Para reuniões sérias, tenho sempre um caderninho, onde fico rabiscando eventuais temas para crônicas, um pedacinho de um poema etc.
O Gustavo, meu dileto e enterno amigo, faz muitas peraltices na vida, apesar do doutorado, dos livros publicados etc. Uma de suas maiores façanhas foi ter levado um carrinho de supermercado, em plena Avenida Angélica, em São Paulo. Uma vez, no mesmo supermercado, encontrou a Ana Paula Arósio, aquela atriz bem bonitona, pensou em pedi-la em namoro, mas desistiu por excesso de timidez. A Arósio iria se dar bem, porque o Gustavo é um sujeito e tanto. Ultimamente está se dedicando somente à poesia. Fica longas horas lendo e escrevendo. Mais recentemente, mandou duas lesmas de presente para o Manuel de Barros. "Um dia elas chegam, ele sabe".
Aos leitores, uma semana nada séria. No trânsito, nas reuniões, nos planejamentos, nas conversas.
E quando eu estiver começando a escrever coisas sérias, buzinem aí, que me corrijo a tempo.
Assinado: Girafa.