Não sei como é em outras cidades, estados e países, mas aqui no Recife, só há um assunto filosófico importante a inundar as mesas de bares, botecos, balcões de padarias, caixas de banco, filas de desempregados, universidades, celulares, email: o Carnaval.
Nós, que fazemos parte da Troça Carnavalesca Mista “Os Barba” (ano V), estivemos envolvidos esta semana em um acalorado debate sobre os mistérios da nossa pequena troça, fundada para reunir amigos e simpatizantes da boa festa. Fomos questionados, pelo dono de um bloco gigantesco, por que não ganhamos dinheiro com nossa idéia, se temos tudo para conseguir patrocínio, apoio, lei de incentivo etc. Ele fala com a voz da experiência. Seu pequeno bloco, surgido aqui no Poço, há mais de dez anos, arrasta multidões, quinze dias antes do Carnaval. Só o que ele vende de cerveja, eu passaria cinco anos vivendo de fulozô, só escrevendo crônicas e viajando. É a tal lógica do "fazer dinheiro".
E nós, dos Barba, o que achamos disso tudo?
Não temos estatuto nem organização, mas já é lugar comum em nossas conversas: no dia em que a Troça tiver a insuportável presença da “diretoria”, quando formos devidamente organizados, é hora de cair fora, porque acabou a alegria e começou a empresa, e nós só queremos nos divertir no sábado antes do Carnaval, aqui nas ruas do Poço, com nossa gente. Vamos parar com essa frescura do capitalismo de fazer tudo virar comércio, tudo virar empresa, como se nunca sobrasse espaço para a simples e deliciosa festa, sem outras intenções. O capitalismo parece aquele cara que não consegue dançar com uma mulher bonita sem querer levar pra cama, acaba nem dançando com gosto, nem levando para a cama, é um saco.
No próximo dia 18, vamos fazer nossa tradicional farra, com a presença do novo rei e a transmissão solene do cargo. Para fazer a farra, precisamos somente de alguns ingredientes, que passo a detalhar:
A rua – Colocamos um cavalete na rua e todo mundo respeita. Mas é uma rua que passa dez carros por dia. No dia dos Barba, ela vira a "nossa rua", e ninguém reclama, é grátis.
Uma orquestra – Há três anos, fazemos um ofício simples para a Prefeitura (Fundação de Cultura), explicamos nosso bloco, pedimos uma orquestra, e ela vem, de graça. A gente só dá o almoço e a cachaça aos músicos, mais cachaça que almoço, garanto. Ou seja: sai de graça, pelo menos é um consolo para o IPTU que a gente paga o ano inteiro, acabei de descobrir que IPTU é quase a mesma coisa de PITU, é só inverter o lugar do "P", só o sabor que é diferente, rarara.
Um panelão de feijoada – O panelão é feito na rua, com fogo de madeira, e a mistura é cientificamente elaborada a partir de pedaços de algo comestivel, trazidos pelos integrantes da Troça, subtraídos na madrugada, de geladeiras as mais diversas. Ninguém paga nada, e Nana domina tudo, fazendo o milagre da multiplicação.
Cachaça – A PITU, fornece uma ajuda financeira e etílica. No dia da festa, um garraffão de 20 litros é oferecido gratuitamente à comunidade, e a comunidade não se faz de rogada, bebe até chamar urubu de meu louro.
Uma camisa da Troça, pintada pelos artistas da comunidade – A camisa é o ingrediente mais caro da festa: custa R$ 10,00. Cada camisa tem uma pintura diferente, e são elogiadíssimas pela crítica de pintura-de-camisa-do-carnaval-especializada. Os artistas pintam de graça, porque fazem parte da Troça.
Então nem venham com esse papo de ganhar dinheiro com a Troça, porque vamos ter um troço, perdão pelo trocadilho infame, mas chega desse papo de tudo dar lucro, tudo ter que ser pela lógica do capitalismo. Nossa lógica é a da alegria compartilhada no meio da rua, com o frevo rasgando a tarde do sábado, e só neste dia, o glorioso sábado antes do Carnaval. Depois disso, estão todos liberados para farras em outros blocos, que ninguém é de ferro.
Vai aqui um pedacinho do nosso hino, feito pelo glorioso Lula Terra, que deve inclusive reger a orquestra novamente:
“Barba já chegou ôoo
Animando o Carnaval
Barba a todo vapor
Sai da venda do Vital”
Tem barbudo presidente
ôôôoooo
Tem barbudo operário
Ôôôooo
Tem o barba boa gente
Mas tem barba que é otário”.
10 comentários:
Eu, que há tempos sou um leitor caladinho deste blog, tenho 2 considerações:
1. Estou muito feliz com o seu desemprego. Quem ganha somos nós! hehehe!
2. Quero participar dessa festa. Como é que faz?
Ps.: Para a segunda consideração eu queria uma réplica!
Também estou gostando do seu desemprego. muitos textos.
Eu não tou gostando do seu desemprego. E tu tás desempregado? Só vejo tu dizendo q tem muito trabalho:)
Em tempo: quase tão liso quanto o Barba, tem os Amantes de Glória. Farra no sábado, dia 11, às 12h36, na Boa Vista (por trás do Salesiano). Pronto, já fiz minha propaganda
Douglas (de Michele)
Samarone, nesses meus 30 carnavais já vi de tudo em prévias carnavalescas, porém, dos Barbas além da rua, amigos em confraternização, orquestra de frevo, panelão de feijoada, cerveja gelada do Seu Vidal, camisa da Troça pintada pelos artistas da comunidade, eleição do Rei e da Rainha, existe uma coisa que é o diferencial dos Barbas é a aquela mesa onde encontramos as melhores frutas de tira-gosto para tomar cachaça ...
Dia 18 estaremos lá, porém, dia 11 têm Os Amantes de Glória ...
Abração ...
Ai, ai, essas crônicas carnavalescas me põem triste lembrando a esta velha foliona que o Carnaval está chegando mas este joelho bichado não mais lhe permite tomar parte na festa. Profissionalizar o Carnaval, criar um bloco ou banda para ganhar dinheiro? Tem razão, xô, passa fora.
Eu bem que desconfiava.
Complexo de Edipo completamente mau resolvido.
Talvez esteja ai a origem de tua viadagem: aquilo de "dobrar as esquinas", "florecer" e essa melancolia à moda Fernando Pessoa (outro peroba classico obviamente) tão admirada pelas mulheres justamente pela intangibilidade que revela.
Não te preocupes, as coisas nem sempre são como agente quer. Seguro que existem problemas piores que o teu.
Segue forte e tranquilo.
Abraços, grande amigo Sama,
Paulinho Bezerra.
Tu estás certíssimo!
Alegria é gratis! Contagia mas não dói! Sem contra indicação! E não tem preço!
Bom carnaval!
beleza,e qdo a prefeitura não dá o devido apoio, como é q se faz para pagar a orquestra? não vai ser muito fácil conseguir músicos na comunidade.
tb sou contra se fazer de uma agremiação carnavalesca um grande negócio, entretanto, vender camisas, fazer bingos, rifas, festinhas, é a saída para se colocar um "bloco" na rua.
vou começar a deixar de ir para o galo da madrugada.
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