Estou no ônibus Centro do Cabo, que saiu do Cais de santa Rita. O calor derrete tudo. Um passageiro leva um cachorro pequeno dentro de uma caixa. O cachorro começa a latir na metade da viagem. Lá em Pontezinha, começa o engarrafamento de sempre, e a letargia dos passageiros acaba com a entrada fulminante de um vendedor de picolés. Ele fala muito, diz duzentos sabores, frutas inclusive não catalogadas pela ciência, mas registradas em sua luta pela sobrevivência. Para sobreviver, o brasileiro cria mundos.
Vários passageiros compram picolés. Peço um da graviola. Vem embaladinho num saco de papel. O vendedor conversa alto com o cobrador, faz uma análise profunda sobre a decisão da Copa de 2006. O Zidane deu uma cabeçada no italiano porque o cara queria subornar ele, em plena decisão da Copa.
"Se o Brasil fosse para a final, se vendia. Tchau para o louro do Brasil".
Essa parte não entendi.
Lá pelas tantas, o chachorro começa a ganir.
"Ele está com calor", diz o vendedor.
O motorista se vira, olha, repara, o trânsito está parado, ele parece ser um bom criador de cães.
"Que raça é essa?"
Ninguém arrisca um palpite.
"É raça de cachorro mesmo", responde o vendedor.
"Abre a caixa, para entrar um arzinho", diz.
"Se abrir mais a caixa, ele rasga", responde um velho, dono do animal.
O ônibus inteiro fica por conta do cachorro.
Latidos e ganidos à parte, ficamos todos, bovinamente, lambendo nossos picolés. O Cabo às vezes parece mais distante que Calcutá.
Então reparei em dois meninos, negrinhos, na faixa dos 7 a 9 anos, irmãos certamente. A mãe, uma senhora pançuda, estava de pé, ao lado deles. Também era negra.
Os meninos olhavam para mim. Pensei em oferecer um picolé a cada um, mas fiquei pensando. E se a mãe achar ruim? E se eles acharem que estou tratando eles como pedintes ou algo assim? Esse "e se" idiota, que não leva a gente para canto nenhum.
Botei minha viola no saco e fiquei mamando minha graviola.
Um sujeito gordo, de óculos, que estava sentado ao lado dos meninos, olha para picolezeiro. Faz um gesto com a cabeça, apontando com o queixo para os garotos. O rapaz do picolé vai lá no fundo e traz dois picolés de morango.
Os meninos abrem um sorriso, mas olham para a mãe. Ela faz que sim com a cabeça, olha para o senhor e agradece. Olha para os meninos e fala:
"Não vão agradecer não, é?"
Os meninos se viram para o senhor, muito sério, e dizem, quase num coral:
"Obrigado".
O homem não responde. É, como já disse, um homem sério demais para responder coisas como "obrigado".
É a mãe quem abre o saco do picolé. Os meninos são muito tímidos e bonitos.
O homem come o restinho do seu picolé. Tem a sabedoria de não ter pudores.
20 comentários:
OLá.
Achei fantástica a sua escrita e a história.
Dei uma risadinha ao fato quando descreve as características das pessoas.
Amei!!!
'Lógica Pudoríssima'
Melhor ter pudores
Que enfrentar o desconhecido
Melhor ter pudores
Que desmascarar o inusitado
Melhor o pudor
Agarro o medo
Prendo a respiração
Fecho bem os olhos
E....
....
...
..
.
Cadê eu?
Tinha picolé de doce de leite?Beijos!Magna
Achei lindo isso! A sabedoria de não ter pudores..
Lembro com saudades dos tempos que morava no Janga e quando voltava da escola subia um vendedor de picolé, que depois de falar 200 mil sabores escutava alguém pedir: me um do amarelo e um do vermelho. rsss....
E se zangava. Zangava mas vendia!
Abraços..
Cadú
Grande Samarone!!!
Foi muito legal lhe encontrar naquele dia na parada de ônibus. Sempre o via por lá, mas vc sempre passava distante de mim. Tive outras oportunidades de falar com vc, mas sempre ficava com vergonha hehehe. Tive a oportunidade de ser seu aluno numa oficina q vc deu aos estudantes de jornalismo lá da Católica, mas por causa de trabalhos acadêmicos terminei não indo. Ah, me diz depois onde fica essa boate lá de Salvador visse! hahahahahahhahahahaaha grande abs!
"para sobreviver, o brasileiro cria mundos."
"tem a sabedoria de não ter pudores."
hoje amei, simplesmente.
beijos
silvinha
Samaroni, conheci voce atraves de amigos que o idolatram e o consideram a oitava maravilha do mundo. Eu nunca achei. Ja li muita coisa bonita escrita por voce e o vejo como "O bom Samaritano", desculpe, "O bom Samarone". Bom filho, bom sobrinho, bom vizinho, bom frequentador de bar, bom admirador da natureza, da vida, dos bairros da cidade, principalmente de Casa Forte. O bom amigo que te tão fiel foi cair, sem saber, numa boate gay, movido por um unico motivo: ver o amigo se dar bem com uma garota que estava a fim de.... beijar muito!!!! Querido escritor, a sua cronica, desta vez, não foi apenas preconceituosa . Foi muito infeliz pois não conseguiu transmitir aquilo que voce queria, portanto foi mal elaborada na forma e no conteudo. Samarone, voce ja escreveu que não tem saco para ler Dostoievski mas deveria tentar pois "Crime e castigo" o ajudaria a entender melhor os subterrâneos da alma humana. Deveria tambem ler (reler? ) "A Metamorfose", de Kafka e "O Vermelho e o Negro", de Stendhal. Acho que apos este aprofundamento literario voce tera condicoes psicologicas de escrever uma cronica sobre o submundo GLS. Podera frequentar com um dos seus doces e gentis amigos gays ate uma sauna e escrevera um belo texto detonando as mais pervesas formas de sexo animal. Ou então se inspirara durante uma partida de um classico do "Santinha" versus Sport (ou Nautico) e falara sobre as diversas formas de manifestações homo-eroticas que podem ser observadas em um campo de futebol. Frangos tambem frequentam estadios, assim como galinhas apesar dos galos cantarem mais alto. Desculpe ser tão chato e tão policamente correto mas não tanto quanto voce que... defende os palestinos, as mâes da praça de maio, anti Bush, nazismo, facismo etc. etc.. Existe pessoa melhor que voce neste mundo? Menos politicamente correto ? Claro que NÃO !!!!! E os gays, os negros, os judeus, os loucos, os vabundos da noite sem fim ? E os artistas anonimos? Sou Gay e me orgulho disto. Continuarei lendo suas maravilhosas, (com raras excecões ), cronicas. DEUS o livre de futuros extintores de incendio pois tem frangos que se travestem ate de hidrantes. SANTA decadencia de costumes!!!
Severo Souza.
Espero que você saiba se concentrar nas boas críticas e continue nos presenteando com essas crônicas que de preconceituosas não têm nem a cor.
Seria maravilhoso que todos lessem com os olhos deste mesmo homem sério, do picolé: sem pudores.
Abraços.
Severo Souza,
adorei o seu comentário acerca da crônica (se é que podemos chamar isso de crônica) GAY de Samaroni. Concordo totalmente demais com as suas indicações de leitura, mas acrescentaria ainda, que Smaroni fizesse uma rápida passagem por Nossa Senhora da Flores de Janet, para quem sabe ele entender os subterraneos da alma humana. Pois é Samaroni, palavras são palavras, como canta o bondoso Roberto Carlos, por isso precisa ser muito bem utilizada.
Samarone, eu cá carrego com certo orgulho alguns de meus pudores. Essa sua bela crônica, mesmo, sairia diferente se não fosse esse seu.
:)
abraço.
Esse tal de SEVERO deve esta entre o cruz credo e o fim do mundo. que cara mais babaca e exibido, vai ver que ele nunca leu nenhum livro dos que citou pois se tivesse feito não seria tão tabaca.
Samarone,
Liga não,continua escrevendo...
Esse tal de Severo é muito tabacudo.
Conceição Cardozo
Sem querer ser preconceituoso, apenas uma constatação de cunho metafísico-existencialista-psicanalítico: que pessoalzinho complexado essas bichinhas, hein ?
Cara!!!! Esse tal de Severo tá mal resolvido. Ele é gay e se doeu com uma crônica linda de uma dia de aventura...
Pô Severo...cai na real..o mundo não giram em torno dos gays...qualquer coisa poderia ter sido o tema da linda crônica...e essa foi sobre os frangos de Salvador. Moro em Salvador e aquia tem excesso de franguice..é frango para todo o lado.Para ser politicamente correto vou reforlumar: "...e essa foi sobre os HOMOSSEXUAIS de Salvador. Moro em Salvador e aquia tem excesso de HOMOSSEXUALIDADE..é HOMOSSEXUAIS para todo o lado.".
Cara se liga...faz uma terapiazinha e ver se vcs HOMOSSEXUAIS desenvolvem o politicamente correto valor TOLERÂNCIA.
cLARA
Clara, você é um bom exemplo do nível cultural sofrível, dos muitos comentaristas que elogiaram a "polêmica" crônica.
Renato Pestana.
Como assim, vc não entendeu as expressão "Tchau pro Louro"?
Porra Sama, de que bairro tu é?
Tchau pro Louro = Acabou, já era
Entendeu?
PS: Quanto ao frango, não comento!
"Preconceito e Prega, eu não abro mão", Marcelo Nova
e se nós deixássemos de lado os tantos "e se" e nos arriscássemos de vez em quando aos "não", "sai pra lá" ou qualquer outro tipo de negação que pudesse vir do outro???
e se o outro dissesse "sim"?
como aquele homem, vale a pena arriscar!
beijo.
ah, também mando um beijo pra tia Flocely.
e outro pra tu.
Concordo com o Pestana pois sofrivel e elogio para a fã-clube do Sama.
Eita batizado demorado da gota serena! Já tá ficando chato...
- Ô padrizinho monocórdico esse que arrumaram, rapaz!
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