sexta-feira, 27 de julho de 2007

Mapa-mundi (pequena fábula de viagens)

Na argélia, esqueci um guarda-chuva comprado em Paris. Fui à Palestina, levei flores para a Faixa de Gaza.

Fui salvo no Canal da Mancha por uma enfermeira russa, que passava à procura de um soldado raso. No trem que partir para a Turquia, fumei cigarros com um desertor, comemos no intervalo da manhã uma sardinha vencida (que ele furtou da última guerra).

Tive problemas no Caúcaso, nas Ilhas Samoa e no Alasca, me veio a certeza de que tenho medo de altura. Por absoluta falta de ação, fiquei pasmo nos mares do sul, a sorte foi um cozinheiro em Madri que adivinhou meu nome.

De galho em galho, de fresta em fresta, fui revertendo um tempo e cismei de apertar as mãos de um rabino, que me disse algumas passagens à meia voz. Por enquanto, não lembro os detalhes, naquela tarde nublada em Israel.

Cansei meus pés visitando minhas saudades, levei pedras nos bolsos para acertar o cocoruto de Ramsés, mas ele ausentou-se para uma festa nas bandas de Mallorca. Teve sorte, o infeliz.

Por duas vezes acendi o Vesúvio com fósforos Paraná, e tive problemas na fronteira com a Bolívia: queriam tomar meus dois colares comprados no Cariri.

Foi neste tempo que encontrei meu avô, passando de mansinho pelas calçadas, eu disse "ôps", ele respondeu "oba", e ficou por isso mesmo, ele estava com pressa e fazia muito calor naquela tarde.

Voltei à velha oficina, nos desertos do Chile, mas começava o Carnaval, de formas que me perdi na turba, e não peguei o ventilador quebrado. haja calor!

Nas calçadas da Guatemala, quantos homens cheios de cabelos, Deus do céu!

Muitas vezes preferi não agir, e um monge beneditino me piscou o olho, dizendo que estava tudo certo para minha estadia (por precaução, tomamos duas cervejas e ficamos contentes com as duas garotas que insistiam na filosofia tântrica). Mas nada aconteceu, dei o pé numa bicicleta de 14 cilindradas.

Quanto àquela noite na Criméia, passei apertos. A cela era pequena e nos aquecemos sem pressa, apesar do cansaço e das tormentas, mas pior é morrer sem conhecer os bafos do mundo.

Fiz por onde habitar meu nome numa pequena cratera para as bandas do Saara, iniciei meu nome com tinta guache e fui aplaudido de pé por quatro jamaicanos que jogavam dominó. Ainda não sei o motivo. Pensei em fazer o contorno e passar novamente por Buenos Aires, mas o tango não veio, fiquei reservado, esperando os ventos laterais. Tomei um café com o Roberto Bolaño num boteco safado na Cidade do México, pouco antes de sua morte, e saí sem pagar, ora bolas.

Evitei os problemas respirando fundo com aquele dragão sagrado em Vancouver, uma cidade que me lembrou muito Itapipoca, cheia de girassóis-mirins, herdados de Mombaça.

Causou-me estranhamento o silêncio dos hermanos, ao sul de Lima, mas como fazia fogo brando, na região dos lagos, não me apoquentei. Botei as barbas de molho, descobri que tinha andado muito, resolvi voltar.

Então perdi o trem, que só passou dois dias depois, e vi que estava cansado. Olhei para meu caderno velho, toquei fogo nas palavras, com uns índios velhos, os potiguares, fiquei em silêncio por duas gerações, e só então voltei pra casa.

Para quem gosta de andar pelo mundo, como um cubano que conheci em Buenos Aires, e reencontrei meses depois, na Chapada dos Veadeiros, sempre com sua bicicleta ao lado e um sorriso sereno.

7 comentários:

Anônimo disse...

Eu não sei o que tu fumou,mas que esta crônica tá show de bola,tá!
NETÃO-FORT

Anônimo disse...

Keilaaaaaaaa, vc viu, não foi? Graças à sua força (rsrsrsr), Samarone escreveu pra mim. Obrigada! Sou professora de Redação especialmente para concursos e vestibulares. Mas já dei aulas de Inglês, Português e Literatura Brasileira (Fafire, Contato, Atual...). Algo que me valoriza como ser humano: sou amiga de Flavia Suassuna q me apresentou este blog maravilhoso. E tenho um site: www.fernandabergamo.com . Gostaria muito que vcs, Sama e Keila e quem mais se interessar, dessem uma passadinha por lá. As críticas, sugestões e opiniões são muito bem vindas. Bjus, Fernanda Bérgamo

Samarone Lima disse...

Fernanda, já fui lá, olhei, comentei. Vou repassar para todos os meus alunos.
Beijos,
Samarone

Neto, não fumei nada. Tomei mesmo foi muito chimarrão. Será que dá barato?

Anônimo disse...

Registre-se: o nome do cubano de bicicleta e sorriso sereno é Victor. Também o conheci. Você esqueceu de dizer que os fósforos Paraná também acenderam a tua imaginação no país dos Cabos.

Anônimo disse...

Sama,

Beleza de crônica. Por ela, percorri lugares sem levantar-me da cadeira.

Não sei se o chimarrão dá barato, mas essa crônica deu.

Um abraço,

Dimas Lins

Anônimo disse...

Viajei novamente na linda crônica e aproveito pra agradecer sua visita em meu site. Logo depois, Keila tb apareceu por lá. Vc, Samarone, já está aumentando a minha teia de relacionamentos. E pelo q vejo, só com gente boa. Obrigada. Beijo, Fernanda Bérgamo.

Anônimo disse...

ops
un petit bisou pour toi