Tenho descoberto, ao longo do tempo, que sou um sujeito besta. Besta no sentido metafísico mesmo. Hoje mesmo, fui a uma livraria comprar um livro, encontrei outro que julguei melhor, não comprei o livro original e agora, em casa, fiquei reparando nos detalhes da mudança.
Fui para um boteco meia boca, ali no Bairro do Recife, pedi uma cerveja, e anotei na primeira página:
"Livro comprado no faro".
Chama-se "Passado", do Alan Pauls. Fui vencido pelos dois primeiros parágrafos. Livro me vence não é pela orelha, nem pela apresentação gráfica, nem pela listagem dos mais vendidos. O nocaute é mesmo nas palavras. Dois, três parágrafos, e caio na lona, então o juiz começa a contagem.
Lá, na livraria, encontrei o velho e bom Siba, do Mestre Ambrósio. Eu, meio apressado, fiquei desnorteado quando ele me olhou nos olhos e perguntou:
"E você, está bem?"
Não, não era aquele "oi, tudo bem?". Era algo mais denso. Tinha uns segundos de silêncio, de atenção. Ele queria realmente escutar quem estava à sua frente. Fica o registro. No Recife, em julho de 2007, ainda tem gente que quer saber como o outro está. Nesta turma, incluo a Naire, a Flávia Suassuna e mais dois ou três malandros e malandras.
No boteco, onde fiquei tomando a cerveja geladíssima e lambendo o livro, a garçonete, Etiene, me perguntou até quando iria o Pan do Brasil.
"Até domingo, acho".
"Tá danado", respondeu ela. "Esse negócio não acaba mais nunca".
Chego em casa, vejo que "O passado", do Alan Pauls, trata do amor. O Rímini, após separar da Sofia, começa a falar de suas experiências.
"A prosa é alinhavada pelos recuos e dispersões do tempo, lembrando um estilo de Proust que tivesse lido Cortázar", diz um panfleto da Cosacnaify.
"Como assim, por exemplo?", penso eu, já pensando em devolver o livro.
Olho minha estante principal. Preciso reler "O ser e o tempo da poesia", do Alfredo Bosi. Dos 47 contos do Onetti, tenho ainda 7 na corda bamba. Ganhei o Dom Quixote da Kika, e nem comecei. Mas, como sou besta de verdade, vi que o "Viagem ao fim da noite", do Céline, foi degustado de cabo a rabo.
Me dá uma pena danada dos atletas, quando eles têm que parar. A Janeth, por exemplo, jogou até os 38, agora pendurou as mãos, coitada.
Então fiquei pensando na imensa vantagem que é o sujeito escrever. Ele nunca vai precisar parar.
Tenho a mesma idade da Janete, acho que nunca fiz uma cesta, e só vou parar de escrever quando meus dedos entrevarem. Mesmo assim, arranjarei um jeito de ditar as coisas para uma secretária decente. Tenho a segunda vantagem, que é a de nunca parar de ler. Vou ler até o último segundo. Por mim, eu morreria numa biblioteca, debruçado num livro. Poderia ser o "Voces", do Antonio Porchia. Coisas de um sujeito besta.
Você, leitor, que é advogado, padre ou policial, é melhor ir pensando num negócio que não termine nunca, para não ficar se lamentando depois. Por exemplo, ser jardineiro. Terra neste mundo é o que não falta.
"O amor é uma torrente contínua", diz uma personagem do Alan Pauls.
Concordo plenamente.
Esta crônica de hoje está sem ritmo e densidade. Melhor seria passar uma temporada em Cuba.
16 comentários:
Sama,
essa crônica está perfeita!
Mas como você está mesmo?
Saudades!
Samarone,
sem ritmo e sem densidade?
Engano seu meu querido, engano seu!
Beijo grande.
Acho q agora foi q criei coragem pra poder expressar o qnto vc eh presente na minha vida, mesmo tao distante!Mas essa eh uma boa arma da net, aproximar pessoas distantes......rsrsrsr
Sou sua fa faz um certo tempo, desde qndo vc escrevia cronicas para o site de um jornal de grande circulacao do grande recife, ficava super anciosa pra chegar o dia em q suas cronicas eram publicadas!E como aquelas cronicas me faziam refletir e enxergar no quao maravilhoso eh poder ver o mundo e seus pequenos detalhes em suas palavras, e tudo aquilo, aquela leitura me recompensava, me inspirava, me deixava sem palavras!!!!!!
Mas, nao estou a me expressar aqui para dizer o que sentia e sinto ao ler o que escreve, e sim para parabeniza-lo por cada dia q passa, vc continuar a ser esse excelente profissional das palavras, se assim posso chamar, e q o prazer e a satisfaçao continua sendo a mesma sempre q me deparo com um texto seu!!!!
Engraçado q as vezes andava pelo poço pensando em cruzar com vc como quem nao quer nada, e qual seria minha reaçao, e continuo sem resposta de como essa reaçao seria!
abraço forte
sem ritmo e sem densidade?
uma temporada em Cuba? uma temporada?
"o amor é uma torrente contínua". também concordo.
sabe Samarone, cada vez mais chego perto de uma certeza que quero descobrir há tempos: só o amor nos move, só ele, pelos livros, pelo outro, pela vida. não querer mergulhar nele é querer sair de si mesmo e isso é impossível mesmo para o mais forte dos homens.
sabe o motor imóvel de Aristóteles, aquele início de tudo no mundo? Agostinho o transformou no amor para falar da criação de todas as coisas. me apaixonei por ele no mesmo instante, ainda que discorde de muitas de suas colocações, outras, mas essa me basta por hoje.
só para terminar, tu és muito besta mesmo, eu também acho, mas não é pelo que contas aí, essa parte te faz enorme, ainda que discorde de muitas de suas “partes”, outras, mas essa me basta por hoje.
un petit bisou pour toi
Amanda, fiquei muito feliz em saber que você anda me lendo, desde a época do JC.
Então, só me resta continuar escrevendo.
Beijos,
Sama
Eu estava escrevendo agora a pouco para meu marido sobre a velhice. O ato de envelhecer. O que fazer ao envelhecer.
Por coincidencia sou advogada. Meu marido é empregado de ong..
E a jardinagem é uma dos nossos prezeres, além dos livros, corridas e outras coisas.
Adorei
Sama,
"Esta crônica de hoje está sem ritmo e densidade"??? talvez seja a mais densa que já escreste e que tive a oportunidade de ler!
Como estais? Vais ler o livro que comprasse?
E, enquanto a temporada em Cuba é uma boa idéia.
Um grande abraço,
Veja bem samarone, estou escrevendo neste post mas meu comntário é sobre o tal chip da Oi! Tenho uma sugestão: você compra um e liga pra duas pessoas a cada gol que o Santinha levar. Liga pra alguém que não tá vendo a partida, alguém que tá longe, alguém que nem seja do Santa. Liga e não fala muita coisa, diz só: "o Santa levou um gol" e em seguida desliga, pra não ter que falar muita coisa. Assim vc pode gastar os créditos... E, sim, terra neste mundo é o que mais falta...
Tantos comentários já fiz e não tive o privilégio como Amanda aí em cima de ter uma resposta. Talvez porque o q escrevi não precisasse de resposta. Mas q bom seria se o autor do blog, q visito mais do q visito muitos amigos meus, me enviasse um olá. Sou professora - como vc - , devoradora de livros - como vc - e tenho muito o q fazer (graças a Deus) até o último dia de minha vida.
Um abraço e minha admiração, Fernanda Bérgamo.
Eita Samarone,
senti o "ciúme" no ar!!
rsrsrs
E depois vc tá sem rítmo e sem densidade...
Outro beijo grande pra vc.
Depois desse comentário de Keila Aquino, eu fiquei com vergonha e acho q sou eu q agora vou pra Cuba... Keila, seu recado criativo já valeu por um comentário de Samarone. Agora, sem "ciúmes", é um prazer conhecê-la, mesmo assim: virtualmente. Fernanda
Sama...
Tu foste dar uma reparadinha no meu blog e eu te vi na rua com a tua mochila, anotando alguma coisa na frente de uma casa, no Espinheiro. Pensei "eita, será que Sama está no jornalismo de novo?". Quem dera...repórteres como você fazem falta...
Beijos e linda crônica. Vou procurar este livro, também! Ótima dica!
Ê!
Oi Fernanda,
não fica com vergonha não!!
Eu tava brincando. rsrsrs
Mas não tiro sua razão... já fui privilegiada com uma mensagem do Samarone pra mim!E pense como fiquei feliz! Tv ele não saiba (viu Sama!) o prazer que senti em saber que ele escreveu diretamente pra mim!
Portanto entendo mesmo seu comentário viu? rsrsrs
É um grande prazer em conhece-la tb, mesmo que virtualmente! Um big beijo no seu coração!
Eita, que os leitores estão mesmo chegados aos comentários! Vamos por parte.
Sirley, estou lendo o livro sim, e nos vemos na terça-feira de manhã.
**
Aquiles, usar a campanha da Oi para falar do meu Santinha, é maltratar o coração de um tricolor que anda penando com seu time.
**
Fernanda Bérgamo, que bom saber que estás por aqui, me visitando. Aceito seus comentários sobre últimas leituras. Por sinal: professora de que mesmo?
**
Ana, quando vou andando pelas ruas, fico reparando nas coisas, e às vezes tomo nota. Um dia, vi uma academia (ou era clinica, não lembro), que tinha "vinhoterapia". Continuo fazendo jornalismo, só que agora escrevendo livros. O próximo está pertinho do fim.
***
Abraços a todos. Vou cuidar de escrever algo decente para hoje.
Samarone
Eita!! Faltou o meu nome viu?? rssss
(olha o ciúme aqui de novo...)
Beijo Sama
Só não gostei do final... Para Cuba? Só se for a turismo. Porque viver lá, nem os cubanos sérios querem.
Postar um comentário