Espaço para crônicas das mínimas coisas. Estuário é o lugar de encontro do mar com o rio, uma das regiões mais férteis do planeta. Salgado e doce se misturam, como o suor e a saliva. É a desembocadura de um rio, que pode ser muito bem o Capibaribe, que atravessa o Recife, cidade onde vive o autor dos textos, Samarone Lima.
terça-feira, 25 de setembro de 2007
Esse fiapo chamado vida
Cleverson, na primeira semana de aulas
A notícia chegou de repente, como se uma corda fosse cortada por uma espada. No intervalo das aulas da Kabum!, fui informado que Cleverson morreu.
Cleverson Soares, 19 anos, aluno de Computação Gráfica na escola, e da Oficina da Palavra, comigo e com o meu monitor, Ailton Guerra. Morava na Iputinga e tinha muitos sonhos a caminho.
Não foi morte violenta, como centenas de centenas de mortes de jovens no Recife, todo mês. Foi algo súbito, um problema de saúde, e o fim chegou antes mesmo que o começo se tornasse pleno.
Há pouco mais de um mês, ele comunicou a saída da escola. Conseguiu ser aprovado no Pro-Uni, e foi cursar a Unibratec. No dia da despedida, reuni a turma em círculo e falei sobre o Cleverson para os demais jovens da turma. Uma criatura mansa, calada, discreta, com um raro sentimento de ética e cuidado com os outros. Saiu da escola debaixo de uma salva de palmas. Estava namorando a Gabriela, também aluna da Kabum! No sábado, completaram um ano de namoro.
Tudo nele, em 15 meses de convivência, foi sereno, como uma marca da índole, uma forma de estar no mundo. Um jovem sem alarde, sem ostentação, honesto na postura, nas críticas. Na sexta-feira, encontrou com alguns alunos da escola. Exalava alegria. As coisas estavam indo muito bem.
Hoje está sendo um dia muito, muito triste. Com os demais professores da escola, tive que dar a notícia da morte de alguém queridíssimo. Não tivemos mais aulas. Muitos ficaram perplexos. De lágrima em lágrima, a escola mergulhou no imenso silêncio, que parecia impossível, quando juntamos 75 jovens. Me rasgava a alma ver olhos desamparados dos jovens, olhando para o vazio.
O enterro será hoje. Nunca estive em um enterro de um aluno, na flor da idade.
Olhei a ficha de leitura do Cleverson, agora há pouco. O último livro que pegou emprestado foi de Fernando Pessoa, "Quando fui outro".
Como o livro era meu, dei de presente.
A vida, esse fiapinho...
A gente nunca sabe quando está se despedindo de alguém, ou quando esse alguém vira outro.
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7 comentários:
Bom saber que você fez deu um sorriso a ele. Eu não sei muito dessas coisas mas quem lê Fernando Pessoa merece ir pro paraíso.
Sinto muito pela ausência dele.
Estou indo ao cemitério, para ver os nossos alunos... Foi muito díficil dá a notícia a todos... a vida realmenete é um fiapinho...
Até,
Sama,
Notícia triste. Mais triste ainda quando se trata de um jovem na flor da idade, com a vida toda pela frente.
Hoje, por coincidência, publiquei no Estradar um texto sobre a morte do pai de um amigo.
Tomara que a morte faça sentido.
Um abraço a família e aos amigos de Cleverson.
Essa vida é malvada às vezes.
Dimas Lins
www.estradar.com
"Uma esquina torta no meio da vida. Um safanão da vida, a morte precoce de quem se ama." Essas foram palavras suas para descrever nossa conversa sobre a morte da minha irmã. Leio e releio esta crônica (a mulher que perdeu os medos)pois parece dar nome ao que pra mim é só sentimento. Há momentos que a gente não tem o que dizer, nem quer ouvir, só sentir a dor e saber que quem ama a gente está sentindo junto.
Um beijo bem grande de quem está sempre com você.
Sama, estou muito triste, porque vi Gabi e Cleverson no Sábado a noite. A vida realmente é um fiapinho.
Danúbia
Segue em paz, Cleverson.
Fio de vida
Thiago de Mello
Já fiz mais do que podia
Nem sei como foi que fiz.
Muita vez nem quis a vida
a vida foi quem me quis.
Para me ter como servo?
Para acender um tição
na frágua da indiferença?
Para abrir um coração
no fosso da inteligência?
Não sei, nunca vou saber.
Sei que de tanto me ter,
acabei amando a vida.
Vida que anda por um fio,
diz quem sabe. Pode andar,
contanto (vida é milagre)
que bem cumprido o meu fio.
Deixe o tempo curar esse estranho jeito de amar.
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