quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O pouco de hoje

Não sei o que está acontecendo com o mundo ou comigo. Tudo está assim, meio de repente, sem tempo de preparação. Saio de casa, olho minha tia-avó, de 80 anos, deitadinha, dormindo, e penso que há uma despedida no ar, e chego à escola em que ensino, sou informado que um aluno de 19 anos acabou de morrer, vítima de infarto. Vou ao cemitério, os alunos estão lá, os familiares choram, e meu colega de trabalho me confessa, ao final da cerimônia do adeus:

"Semana passada enterrei minha avó aqui".

Robertinho, um camarada boa gente, dono de uma delícia de bar, o Empório Sertanejo, sofreu um acidente e também deu adeus, com 45 anos. Assim, num segundo. Lembrei de meu período "dono de bar", quando fechava o La Prensa ou Garraffus, depois ia relaxar do trabalho, e de vez em quando conversava com ele, sobre esse ofício de dono de bar, um tipo de trabalho que consome tudo da pessoa. Passei ontem pelo Empório, estava fechado.

As pessoas morrem, bares fecham, perdemos parentes, nascem novas criaturas. Há pouco, recebi um email da Naire, falando do nascimento da neta, Felipa. Dias antes, ela, a mesma Naire, tinha mandado um email, comemorando um ano de pós-câncer.

Naná, meu velho amigo, foi com sua Kombi surrada pegar um material no Poço da Panela, e de repente estava diante de três ladrões, armados com as terríveis "Calibre 12". Levaram tudo de dez pessoas, mas Naná ainda conseguiu guardar, nas intocas, cinquenta mangos de algum trabalho.

Às vezes penso que somos todos sobreviventes, e que os mapas, bússolas, roteiros, são apenas sublimações, tentativas.

Meu amigo Peste diz que agradece a Deus por todas as merdas que acontecem em sua vida. Lembro de um trecho de "Pequena Miss Sunshine", em que o estudioso de Proust conta a série de fracassos do escritor, e todo o sofrimento que foi sua vida. Deu tudo errado, e no final, ele deixou um montão de belezas para o mundo.

"A vida é assim: a gente perdoa quando perde", diz Peste.

Meu amigo Inácio participou de um evento com os povos da floresta, em Brasília. Lá pelas tantas, uma pessoa disse o seguinte:

"Está na hora de a gente buscar os velhos. Eles são nossa biblioteca".

Não sei o que há. Estou desistindo de alguma coisa, que não sei ainda o nome. Os projetos agora são menores. Não estou pensando muito na vida, estou pensando nos dias. Recebo de presente, e com honra, os cadernos de um velho sábio, com seus 77 anos. Antes, ele escrevia e tocava fogo, a la Ernesto Sábato. Adoro escritores incendiários, mas nem sempre consigo ler as cinzas alheias.

Não acho que as pessoas amadurecem, elas cansam. Ando cansado de um bocado de bobagens. Vejo que quero bem menos coisas do que dez anos atrás. Espero querer cada vez menos. Quero ver se não machuco ninguém, se acerto meu caminhar sem pressa. Estou escrevendo um livro, olho para ele, nunca fica pronto, então fico rindo. Às vezes dá vontade de queimá-lo também, só pelo exercício das cinzas.

Bem, a crônica de hoje não tem muito a oferecer. Fiquem com meu pouco.

17 comentários:

Anônimo disse...

Sabe o que é essa sensação nova que você descreve? Sabedoria. Essa mesma que faz os entes que pensam com o coração descartarem o dispensável, seja rótulos, coisas e até gente.
Abraço amigo para Samarone, o sábio.
Ane

Anônimo disse...

adorei

Anônimo disse...

conseguir ter nada e apenas ser é o meu maior projeto de vida. adorei "ouvir" tudo isso.
un petit bisou pour toi

Anônimo disse...

Nessa de hoje sama, esse seu "menos" foi MUITO MAIS.

Parabéns!

Se cuida!
Bjs

Simone Pires
simonepires77@gmail.com

Anônimo disse...

"Quanto menores são nossas necessidades, mais parecidos ficamos com os deuses." diz Sócrates e isso me parece tão verdade quando leio o que você escreve... a sua simplicidade, a sua extrema honestidade, a sua constante observação da alma das pessoas... tudo isto traduzido em palavras que são como uma entrega... entrega de uma alma plena, transbordante... ah, bem aventurado este "tijolo" de palavras (que você chama de "o seu pouco a oferecer") com que você presenteia a nós, seus amantes virtuais...

Como testemunho destes tempos estranhos, também me despedi de um ente querido este mes e, no enterro, estava acompanhada por tres amigos que tinham recentemente passado pelo mesmo sofrimento... acho que tudo são sinais a nos indicar uma necessidade de mudança de valores, de priopridades, de forma de amar...

Li hoje esta notícia que acho que interessa a você:

Neste sábado, em Belo Horizonte, lança-se o livro Com/posições, do poeta argentino Juan Gelman, com tradução de Andityas Soares de Moura.

Data: 29/9, sábado
Hora: das 10h00 às 14h00
Local: Livraria Quixote
Rua Fernandes Tourinho, 274
Savassi - Belo Horizonte, MG

Anônimo disse...

Caro Samarone,

Acho que você, hoje, ofereceu muito.
Eu também ando assim, querendo menos para viver mais.Acho que o nome disso é maturidade, ou melhor... nem sei o nome, ou quem sabe é a VIDA.
Um beijão e bom final de semana.

Conceição Cardozo

A Autora disse...

Olá, Samarone!
Faz um bocado de tempo que não nos vemos, não nos falamos. Que bom te encontrar por aqui, poder ler tuas idéias cotidianamente. Belo blog, belas expressões, lindos sentimentos. Parabéns.
Você certamente amadureceu, como eu e todos os outros que cursaram jornalismo conosco. Passou por vários filtros, cada um mais fino que o outro. Resultado: está melhor do que nunca!
Abração, amigo. E saudade dos papos nos corredores da Católica.
Sorte!
Ana Cláudia Nogueira

Anônimo disse...

Seu pouco é tanto! Telinha tem razão quando fala de ti. Um cheiro no cangote!

Anônimo disse...

Samarone, embora seja leitor do blog há um bom tempo nunca ousei comentar nada. Como o espaço é limitado e se eu esticar o texto sai besteira, digo apenas que gostei de todos os teus escritos.

Estou terminando de Estuário (o livro). Como não sabia do lance dos 10%, comprei o livro na Cultura.

Anônimo disse...

Ah! Tenho uns livros para doação, mas não consegui entrar em contato com o pessoal.

Mandei um email com telefone para contato, mas até agora não obtive resposta. (21292148 - trabalho e 34264821- residência). Aquele email deles continua valendo?

Os livros estão em quatro sacolas ao lado da minha mesa no trabalho (TRT, próximo à prefeitura do REcife), pois achei mais prático do que levá-los para minha casa, que fica em Olinda.

Como não tenho carro, preciso de uma ajudinha para resolver essa parada.

Anônimo disse...

Samarone, nos vimos muito rapidamente na Kabum e, por timidez, não expressei meu entusiasmo em vê-lo em carne e osso (e cabelos!).Coisa de fã, não é? (Cadê Keila pra brincar de ciúmes?).
Adorei a garotada talentosa, sensível, querida da Kabum. Por favor, diga q mandei um bju.
E pra vc só mais uma coisinha, pequenininha, mas sincera: o seu pouco é um tudo de muita gente.
Bju, Fernanda Bérgamo
PS- Gravei o último programa do ano da Globo hoje na Fliportinho. Tanta coisa linda a comentar, mas já tomei muito espaço aqui.

Unknown disse...

O seu pouco é muito. Pungente, sensível, desprendido. Fiquei emocionada.
Eu quero comprar o seu livro, Estuário. Como eu faço? (Acho que li em algum post láááá atrás que vc ganha mais se a gente comprar direto contigo, em vez de comprar na livraria, é isso mesmo?)
abraço grande do Rio de Janeiro,
Ana Paula

Anônimo disse...

Só as palavras de um grande poeta para definir este sentimento de cansaço e perda...

"Nenhum homem é uma ilha inteiramente isolado; todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo... a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntai: Por quem os sinos dobram;eles dobram por vós."


JOHN DONNE (1572-1631)

Anônimo disse...

Samarone

Já que estás tão assim assim, lembre-se dos seus amores, tantos e diferentes formas que vc já viveu. Quem sabe...
Bj
Jujuba

Samarone Lima disse...

Ana Paula, me mande seu email, que te explico como você pode comprar o Estuário diretamente com o autor, que sou eu mesmo.

samarone

Anônimo disse...

Como tantos já disseram "seu pouco é "muito" . È na medida do que cabe a emoção da gente!
Fiquei aí, com vc, nesta Crônica ...

Carla disse...

"A vida é assim: a gente perdoa quando perde", diz Peste.

Certeza do tudo e do nada.
Bjs,
Carla-Poço