sexta-feira, 4 de novembro de 2005

Eles, que me amparam sempre...

São muitos os que me ajudam a viver. Na minha algibeira, fazendo parte já das minhas entranhas, estão eles, os que me fizeram suportar os dias ruins, os que me trouxeram o êxtase nos dias calmos, os que me fizeram mais humano ao longo da caminhada. Eu preciso sempre ter por perto as crônicas do Rubem Braga; preciso do “Livro do Desassossego” e dos poemas do Álvaro de Campos, para fazer de qualquer falência, uma vitória; preciso da Clarice Lispector, para alucinar os sentimentos; preciso das pequenas frases do Antônio Porchia, que dizia querer subir, mas não escalando homens; preciso do Ernesto Sábato, que me fez ir ao parque Lezama, em Buenos Aires, em busca de Alejandra, uma personagem.

Tenho os amigos, tenho as pessoas que amo, tenho família, tenho vizinhos, as crianças aqui do bairro, os leitores, sempre generosos comigo. Tenho esta rede de afetos, mas preciso do amparo dessas criaturas que me chegam com suas palavras, em livros que me acompanham para qualquer parte do mundo, sem pedir nada em troca (sempre me apavorou a possibilidade de viajar para qualquer lugar sem um caderno, uma caneta e um bom livro).

Preciso do Luis Cernuda, que disse num poema que um dia será todas as coisas que ama; preciso do Gaston Bachelard, capaz de escrever um livro inteiro sobre a chama de uma vela; preciso do Maiakovski, que tinha como lema “iluminar sempre/por toda parte,/até o último alento/iluminar”; preciso da Alejandra Pizarkick, que comparou os olhos de alguém que amava como a entrada de um templo; preciso do louco divino Robert Arlt, do Osvaldo Soriano, que do exílio, estava preocupado mesmo era com os resultados dos jogos do seu time, em Buenos Aires; preciso do Juan Gelman, que diz num poema: “Terminou o mês e não te amei as pernas”.

Me amparo neles, sobrevivo neles, são as paredes por onde vou espalhando-me, como as plantas que sobrevivem numa simbiose perpétua, até que se confundem parede e planta. Há muitos anos, tenho este hábito de anotar trechos de romances, de poemas, diálogos, frases. É mais que ler, é copiar, com a minha letra garatujada, na tentativa de imitar o movimento desses que modificaram minha vida. “Sou um surdo-mudo berrando em voz alta”, diz o Álvaro de Campos; “Ser poeta é minha maneira de estar sozinho”, continua ele; “Não há verdade mais armada que a pura inocência”, diz o Juan Gelman, em minha tradução duvidosa; “O amor é o contato de duas poesias”, diz Bachelard; “O amor é cego mas nos vê”, diz o Adolfo Montejo Navas, que chegou aqui em casa outro dia (julguei que ele estava muito solitário, naquela prateleira da Livraria Cultura).

Poderia escrever o dia inteiro, resgatando coisas dos meus cadernos. Muitos dos amados ficaram de fora de minhas lembranças aleatórias (ia me esquecendo do Raduan Nassar, Deus do céu!), mas é assim. E quando eu vinha pensando em escrever sobre eles, os que amo e me amparam com suas palavras, recebi um email, de uma moça que mora em Londres, com esta crônica do Rubem Braga. Então compartilho com vocês a crônica e saio para resolver a venda do bar, que está a me consumir as horas mais tranqüilas.

Sim, meus queridos leitores. A próxima crônica haverá de ter a leveza de quem vai cuidar de outras coisas mais valiosas, de quem terá mais tempo para seu jardim, seus livros, mais sossego para uma conversa fiada com os amigos, do lado de cá do botequim, e passará muitas horas na rede, escrevendo as bobagens de sempre, ao som daquele nheco nheco de qualquer rede brasileira. Fiquemos com o Rubem Braga, meu grande amparo para o dia de hoje:
**
O Desaparecido

Rubem Braga

Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente quesentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.

Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.

Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo,pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.


Para Fabiana.

8 comentários:

Mariana Mesquita disse...

Beijo pra tu, Sama. E beijo pra 'nossa' Fabiana, que também frequenta meu blogue e faz meus dias mais felizes. Amizade se faz de encontros, acho. Ainda que virtuais. E Fá se faz presente, graças a Deus...
Ó, falei um pouco de tu e do Garrafus (na verdade, de Pereira!) aqui neste post:
http://marimesq.blogspot.com/2005/11/mariana-rossi-ou-meus-fs-garons-ou.html
Um cheiro, e até a proxima visita.

Anônimo disse...

E ainda que tudo esteja pouco claro e distante, fica o teu amparo a todos que te acompanham... Adorei, Kátia

Anônimo disse...

E quantos nos amparam, Sama...viventes, platônicos, soltos no espaço sideral, entre os reais e leais companheiros de caminhada (graças a Deus). Tens idéia de que, com tuas "besteirinhas", és amparo pra muita gente? Estamos sempre a nos amparar uns aos outros. Benditos sejam os nossos ombros, olhos, pernas, bocas e corações. Fique com Deus!Beijo. Magna

Anônimo disse...

E ainda bem que a gente tem você, Sama, para tornar nossos dias mais serenos e iluminados.

Anônimo disse...

Não fique triste, não.
As crianças continuam,
e todas as flores também
em seu ir e vir ao vento.
E o mar enche e seca,
todos os dias, mar-a-mar
em seu ir e vir ao vento.
E nós, continuamos,
choramos e rimos,
vivendo todos os dias,
mar-a-mar,
sem saber se é o último
dia, e se for, e se for
que fizemos da vida
que fizemos da vida
meu deus?

Não fique triste, não.
As nuvens continuam
e todos os risos também
em seu ir e vir aos céus.
E a vida nos enche e seca,
todos os dias, amar, amar
porque,
para quem quer viver vida,
para estar à altura da vida,
é preciso estar à altura da morte.

Anônimo disse...

Ai,ai,ai... só de imaginar que o Garrafus vai fechar. Peraí, vai fechar não né, Sama? Tu que vai vender tua parte, né? Explica isso! Se for assim,por isso memso que dá uma dorzinha no coração. Como ficam todos os aniversários que planejei para meus próximos anos de vida? Onde irei encontrar os amigos qdo chegar de Arcoverde louca pra matar as saudades? Lembro, perfeitamente qdo inaugurou. Foi no dia 09 de janeiro de 2004. Cheguei de vestido longo, cabelos escovados, assim como Maxandra, Michelle e Douglas (q nao estava de cabelo escovado,claro, mas tava lá como sempre). A produção não era pra ocasião. Vínhamos do casamento de Jú, grande amizade encontrada na faculdade de jornalismo e aproximada por vc (tudo por causa da bendita reportagem sobre o Manicomio Judiciario de Pernambuco, posteriormente, tema também de nosso projeto experimental...) Duas pessoas que mereciam nossa consideração naquela noite especial. Depois dessa, qtas noites já chorei atolada na fossa por lá pelo Garrafus? Ainda bem que as alegrias foram maiores, senão ficaria difícil de suportar o lugar. Sei não,sei não... sei que gostava de estar ali, principalmente, para ver se conseguiria te ver por um tempinho. O bom mesmo sempre foi me sentir em casa. Sempre bem atendida por Pereeeeira, Cézar e o rubro negro, o antigo Fernandao. Claro, que não se pode contar com aqueles tempos de ferveção dos boyzinhos loucos por um lugar diferente na cidade, um verdadeiro inferno.
Muita gente já me falou, q to fazendo drama por causa de um bar, q isso não existe, mas não é não. Foi mal,amigo, mas não poderia fingir que nada está acontecendo com sua saída do Garrafus.
Ó, deixando meu egoísmo de lado, é ótimo saber, que teremos vc de volta de verdade para nosso convívio, do lado de cá do balcão. De certa forma será melhor, de certa forma sim, pq vc terá q achar um lugar bem bonzinho para nos encontrarmos e tomarmos uma cervejinha (quero nem saber), colocarmos o papo em dia, que eu me sinta em casa, além de que, eu possa fazer meus aniversários, contando q não seja seu Vital. Olhe, nada contra o excelentíssimo anfitrião do Poço da Panela, mas acho q ele nao agüentaria tanta freguesia assim.
Agora, vc poderá nos visitar em Arcoverde, prometo que não o levaremos para fazer Rapel, evitaremos q acompanhe mais um vexame de Giba, que já prometeu voltar e fazer os malabarismos nas alturas do Catimbau. Poderemos visitar outras paisagens do sertão, como nosso sítio. Eita, vc iria adorar uma figuraça q tem lá, Seu Migué,nosso caseiro.
Enfim qq outra coisa q quisermos fazer juntos e não tenha o bar no meio pra atrapalhar. Essa enrrolação (existe essa palavra? Hehehe) toda, era só pra dizer, que o Garrafus teve uma representação sentimental muito grande na minha vida, mas que vc juntinho de nós tem muito mais.
beijo grande no coração
Te

Anônimo disse...

Falar de amor é coisa pra Poeta mesmo...
E vc já é um especialista nesse assunto, viu?
Grande beijo pra vc.
Ah! O Gustavo lá em cima me parece um especialista tb.
Parabéns pra vcs! Continuem assim.

Anônimo disse...

muitissimo obrigada, meu querido.