Já me aconteceu de tudo um pouco: já fui preso e levado num camburão à saída do estádio, uma vez esqueci minha mala de viagem em um boteco (e só lembrei na rodoviária), comi soda cáustica quando era pivete, já cortaram minha luz algumas vezes, cochilei em plena avenida e meti meu Fusca num Honda Civic, já fui presidente de Casa do Estudante, fundador de troça de Carnaval, enfim, mas teve uma boa semana passada – cortaram a água aqui de casa.
Eu sempre fui tão preocupado com as contas de luz (média de um corte por ano), que fui deixando a água de lado, acumulando contas, até que a turma da Compesa partiu para a ignorância mesmo – diante da minha obstinação não-pagamental, levaram o hidrômetro (acho que o nome é esse mesmo, apesar de achar que deveria se chamar aguômetro, algo assim), me deixando na seca.
Há inúmeras vantagens em ficar sem água em casa, e pouquíssimas desvantagens, acho inclusive que deveríamos fazer um boicotezinho para a Compesa baixar os preços das contas de água. Primeiro, é ótimo esse negócio de tomar banho na casa dos amigos, porque sempre tem um monte de shampoo bacana, dá para tirar uma lasquinha, aquele que custa mais de dez reais, não aqueles de R$ 3,99 que compro, na promoção. Outra sugestão minha é a seguinte: leve sempre um balde para o banho e traga-o cheio, para os momentos mais críticos no seu banheiro.
Outra vantagem imensa do corte de água: você vai conhecer o banheiro dos vizinhos e até ficar mais amigo deles. Seu Vital, por exemplo, tem que prender o cachorro para que ele não me despedace por inteiro, e faz isso com uma certa satisfação, como quem diz “esse Samarone não tem jeito mesmo”. Tomo banho no WC dos clientes e já deixo o sabonete por lá, que é para o próximo banho. Volto para casa com a toalha no ombro e ainda escuto gracinhas dos clientes.
Na casa de Naná, o banho é bom, mas a lâmpada do banheiro está queimada, e atrapalha um pouco o serviço, penso em levar uma vela para o próximo banho, para um “banho à luz de vela”, deve ter sido aí que nasceu aquela história de “Banho Turco”, é porque Nana deve descender de turcos.
Descobri também que lavar pratos usando a água do balde representa uma economia de 95% no consumo de água, vou falar para meus amigos do Semi-Árido para implementarem o projeto “pratos no balde”, ao lado do “Um Milhão de Cisternas”.
A única nota a lamentar é que as plantas estão sofrendo um pouco, mas como ontem deu uma chuvarada, posso ficar mais sossegado. O jabuti, ou cágado ou tartaruga não deve estar gostando também da brincadeirinha.
Naná ficou de me trazer um tonel, amanhã de manhã, para eu não ficar zanzando com baldes na mão. Pensa em puxar uma mangueira por cima do seu muro, atravessar quintais e terrenos, numa intricada combinação de canos e mangueiras, até chegar à minha casa. Não sei se vai dar certo. Sei que estou pelo menos me divertindo um pouco.
O corte de água serviu para me afastar um pouco as tristezas que andei sentindo nos últimos dias. Parece que quando o sujeito tem que lutar pela sobrevivência, deixa o sofrer meio de lado, talvez esqueça de sofrer mesmo, nem que seja para descolar um balde d'água. Corte de luz não ajuda nada, porque sem um ventilador por perto, eu não durmo um segundo. Além disso, privatizaram a Celpe para os espanhóis, não quero espanhol nenhum me deixando no escuro.
Por via das dúvidas, amanhã tentarei pagar as faturas atrasadas e renegociar a dívida. Daqui a pouco, Seu Vital vai ficar injuriado com esse prende e solta do cachorro e Naná vai achar ruim eu levar uma vela para o banho em sua casa.
E confesso: tem hora que o banho de cuia é poético, mas enche o saco mesmo.
4 comentários:
Nao, Sama, nao.
Ficar sem agua FODA!
Sem água é muiiiiiito complicado. Mas, vc tem bom humor de sobra e amigos também e além disso, ver em tudo o lado bom.
bjão
Sem agua é de lascar!!!
Mas com humor se aguenta alguns dias. rs
Amiga desconhecida
Querido Samarone,
"Que tal nos dois em uma banheira de espuma... sem culpa nenhuma. Fazendo massagem, relaxando a tensão. Em plena vagabundagem esfregando com água e sabão"
Beeeeijos,
Eu
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