quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

Para a mulher que me piscava o olho

Saí de casa em 1987, em meio a uma turbulência familiar que me impulsionou ao mundo, e nunca mais voltei a morar em Fortaleza. Foi no início de julho, após uma despedida espantosa, regada a cachaça, vinho e confissões, com os amigos da época, hoje espalhados por aí, nem sei direito onde. Meu irmão do meio casou pouco depois, o mais velho foi para Minas. Minha avó, que morava conosco, morreu em 1999. Minha mãe separou dois anos depois da minha partida. Ficaram com ela somente as duas filhas mais novas. A casa, que chegou a abrigar nove pessoas, ficou apenas com as três mulheres: mãe e duas filhas.

Então aconteceu algo que me dói muito, mas não posso fazer nada: parece que essa nova geração já não sabe amar os pais. Algo como um “esquecimento perpétuo do amor”, em nome de outras coisas que são, no mais das vezes, objetos, coisas e turmas. Minha mãe vive sua maior solidão.

Eu já tinha notava isso quando visitava Fortaleza, e ficava dois, três dias. O desamor a gente percebe nas entrelinhas, na falta de bondade, no jeito de falar, de tocar. Estava tudo grosseiramente à vista, e sou bom de vista. Eu sei que amar não é fácil, mas a Clarice já diz que amar os outros é a única salvação individual. “Ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca”.

A minha mãe tem uma história e tanto. Ela foi casada durante mais de duas décadas, passou maus e bons bocados, até que “criou coragem” e separou. Era já uma senhora, uma simples e dedicada dona de casa, quando conseguiu a alforria, e começou sua revolução pessoal. Fez um curso de auxiliar de enfermagem, enfrentou um baita de um concurso, foi aprovada e entrou de cabeça no maior hospital de Fortaleza, o José Frota. Isso com mais de 40 anos. A vida deu uma guinada. Foi se cuidar, foi caminhar, outro dia começou a estudar inglês.

Hoje, ela mora com duas filhas, mas não conta com ninguém sequer para uma conversa rápida. Volta do plantão, não há um aconchego, uma conversa, um prato raso de sopa morna. Ela que se vire com seu cansaço, com seus plantões, com sua vida. Vive a pior solidão, que é aquela acompanhada.

Lembro que uma época adolescente lutei karatê, e meu pai era totalmente contrário à "invenção", tanto que não liberou grana para a compra de material esportivo. Minha mãe foi economizando da feira, tirando um trocado daqui, reduzindo no pepino, no tomate, outro tanto dali, escondendo migalhas, fazendo mágicas, até que conseguimos comprar um quimono, o mais belo quimono que já usei na vida. Acho que foi com ela que aprendi essa grandeza dos pequenos gestos, do quase nada que transforma.

Havia sempre um piscar de olho nos momentos mais difíceis, e isso até hoje é uma lembrança simples, uma fagulha de esperança, uma espécie de “segure firme, meu filho, que tudo se arruma”, a solidariedade silenciosa.

O nome dela é Ermira, e sei que está cansada de um monte de coisas. O pior é que não posso fazer nada, porque a gente pode aprender a amar, a ter esta salvação individual, mas é impossível ensinar alguém a amar – mesmo que seja a própria mãe.





8 comentários:

Anônimo disse...

Pega leve santo... cada um tem sua forma de amar.
Beijos

Anônimo disse...

Samarone,

No dia dos Barba
Vou tomar muito Pitú
Enrlar minha barba em Tu
E te levar pru buraco do Tatu

Beijos (advinha?????),

Ana,Barbara,Cecilia,Denise, Eu,Fernanda, Gorete,Helena, Inalda,Janete,Luciana,Mirna,Nara,Odete,Patrícia,Quiteria,Rebeca,Sandra,Tania,Ursula,Vania,Xanda,Zelia.

Anônimo disse...

Samarone,

No dia dos Barba
Vou tomar muito Pitú
Enrlar minha barba em Tu
E te levar pru buraco do Tatu

Beijos (advinha?????),

Ana,Barbara,Cecilia,Denise, Eu,Fernanda, Gorete,Helena, Inalda,Janete,Luciana,Mirna,Nara,Odete,Patrícia,Quiteria,Rebeca,Sandra,Tania,Ursula,Vania,Xanda,Zelia.

Anônimo disse...

Sama,
cada um ama de uma maneira, uns demonstram outros fazem questão de esconder, guardam só em si mesmo, medo de amar conquistado com tantas decepções.
Esse piscar de olhos pode ser a maneira mais forte de expressar um amor bem grande, só que guardado lá dentro.
Beijos.

Anônimo disse...

amor e desamor se sente.cada um a sua maneira. Não temos como julgar sentimentos.Apenas sentimos. Todos os sentimentos estão dentro de nós.Ódio, amor, paixao, inveja.Compreender isto é entender nosso universo.

Anônimo disse...

preciso te tocar, saber se tu existe mesmo.

Anônimo disse...

É triste mesmo que nem sempre as mães tenham o reconhecimento e carinho que merecem, e o colo delas tá sempre ali qd a gente precisa!

Anônimo disse...

Eu bem que desconfiava.

Complexo de Edipo completamente mau resolvido.

Talvez esteja ai a origem de tua viadagem: aquilo de "dobrar as esquinas", "florecer" e essa melancolia à moda Fernando Pessoa (outro peroba classico obviamente) tão admirada pelas mulheres justamente pela intangibilidade que revela.

Não te preocupes, as coisas nem sempre são como agente quer. Seguro que existem problemas piores que o teu.

Segue forte e tranquilo.

Abraços, grande amigo Sama,

Paulinho Bezerra.