domingo, 30 de setembro de 2007

Anotações inúteis sobre a seriedade



Regina Medeiros, ou a "Palhaça Satélite", numa Caravana do Unicef que acompanhei. A foto é do Mateus Sá. Nenhum dos dois é sério.

Ando com um problema existencial da menor importância para a humanidade. É que estou ficando sem paciência com gente séria. O sério, aquela figura que anda com a testa enrugada, que pede para levarmos o assunto a sério, o País a sério.

Descubro, cada vez mais, que adoro trabalhar e estar perto de gente que não prima pela seriedade. Não é por acaso que nos meus trabalhos, atualmente, estou cercado de gente que de sério não tem nada. O Iramarai, por exemplo, brinca com o motorista, o porteiro, a ascensorista, com nossa chefa, enfim. O leitor sério vai dizer:

"Mas não existe a palavra 'chefa' na língua portuguesa..."

Menos, meu querido leitor, bem menos. Assim minha vida fica difícil.

Outro que trabalha comigo, ou que trabalho com ele, é o gordinho Naná, com a sabedoria de seus cento e vinte quilos. Só o chamo de "Montanha", porque ele parece com uma montanha. Quando alguém chega muito sério, sabendo de tudo, ele pergunta:

"Meu irmão, tu tá com algum problema em casa?"

Depois comenta, na surdina:

"Eu acho que esse cara não teve infância".

Nunca, em sete anos, vi Naná de mau humor. Nem nas piores derrotas do nosso clube.

Por fim, Boy também chegou no projeto. Juntando Maraí, Naná, Boy e eu, já podemos dizer que temos uma trupe de circo, que poderia ser levado pelo Circo Thianny, que é o famosão da minha época. Estamos até pensando em organizar um espetáculo circense - Zé Bobão, Montanha e Girafa. Girafa é o pateta aqui. Boy ainda está sem papel.

O Gildázio, que também trabalha comigo - ou trabalho com ele, sei lá - é outro anti-exemplo de seriedade. Na verdade, já é um caso a ser estudado pela ciência. Para se ter uma idéia do sujeito, um de seus grandes sonhos é ter um Gurgel, aquele carro brasileiro que está sumindo do mapa. Antes de qualquer discussão importante, análises da realidade de nosso mundo, efeito estufa, a nova tara nacional, que é o combate aos saquinhos de plástico dos supermercados, ele precisa discorrer longamente sobre o Santa Cruz Futebol Clube e as chances de classificação para a Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro, sejam elas as mais improváveis e incertas.

Meu amigão Valdemir Leite, com seus quarenta e poucos anos, está com planos de aprender a andar de bicicleta. Um cara dessa idade que ainda planeja o futuro em duas rodas, não tem jeito de ser sério.

Nessas horas, vejo que o mundo tem solução.

O sério de carteirinha atrapalha muitos sonhos, gosta de dizer "mas isso é um delírio", "esse projeto não vai ser aprovado nunca", "está na hora de você pensar no futuro", coisas desse tipo.

Trabalhei em consultorias com meu amigo Inácio França, em um lugar conhecido internacionalmente, o Unicef, imagine a importância que é "fazer a humanidade avançar", especialmente quando falamos de crianças e adolescentes. Muitas vezes, olhava o meu amigo por debaixo da mesa, e lá estava o camarada, descalcinho da vida, com os pés no chão, como um belo moleque de rua. Pode estar falando com um ministro, algum assessor importante de alguém importante, mas com os pés no chão. Informo que meu amigo Inácio às vezes perde a sobriedade administrativa e fica de mau humor, mas lembro que ataque de mau humor é bem diferente da seriedade.

O sério mesmo, de carteirinha, não relaxa. Me lembro extrema ternura dos meus melhores professores. Não era gente séria. Ajudavam a educar com leveza, as aulas tinham outro tempo. Um professor da sexta ou sétima série, já não lembro, chegava numa ressaca terrível na aula da segunda-feira, acho que era OSPB, pedia uma trégua e cochilava um pouco, depois começava a falar algo sem importância, que eu gostava muito. A Flávia Suassuna, que é minha professora predileta de Literatura, dá aulas nada sérias, é uma contadora de histórias, e aprendo tudo, junto com os alunos dela do pré-vestibular.

Meu monitor, na Oficina da Palavra, se chama Ailton Guerra. O apelido? "Peste". Você acha que um sujeito com o apelido de "Peste", é um homem sério? Imaginem o que esse rapaz fez na infância, na escola...Ele já me contou vários episódios, é de arrepiar os cabelos.

Para reuniões sérias, tenho sempre um caderninho, onde fico rabiscando eventuais temas para crônicas, um pedacinho de um poema etc.

O Gustavo, meu dileto e enterno amigo, faz muitas peraltices na vida, apesar do doutorado, dos livros publicados etc. Uma de suas maiores façanhas foi ter levado um carrinho de supermercado, em plena Avenida Angélica, em São Paulo. Uma vez, no mesmo supermercado, encontrou a Ana Paula Arósio, aquela atriz bem bonitona, pensou em pedi-la em namoro, mas desistiu por excesso de timidez. A Arósio iria se dar bem, porque o Gustavo é um sujeito e tanto. Ultimamente está se dedicando somente à poesia. Fica longas horas lendo e escrevendo. Mais recentemente, mandou duas lesmas de presente para o Manuel de Barros. "Um dia elas chegam, ele sabe".

Aos leitores, uma semana nada séria. No trânsito, nas reuniões, nos planejamentos, nas conversas.

E quando eu estiver começando a escrever coisas sérias, buzinem aí, que me corrijo a tempo.

Assinado: Girafa.

8 comentários:

Cláudio Machado disse...

Samarone, você é um caso sério!

Mandei a crônica para o Emerson, um amigo do trabalho, que um dia desses foi visto jogando futebol com o filho dentro de um corredor do supermercado.

Anônimo disse...

Querido Samarone,

Super de acordo. Já um certo tempo não suporto gente de testa franzida.
Abaixo a seriedade viva o riso solto.
Beijos
Eu

Anônimo disse...

Como disse o meu xará aí em cima, é bom enviarmos essa crônica aos "não-sérios" para que continuem assim e aos sérios a fim de que a gente os convença a ver a vida através de sorrisos.

Eu já enviei também!

Anônimo disse...

Sama,

uma feliz semana pra você também.

Hoje tive o prazer de dividir o mesmo transporte coletivo (Dois Irmãos Rui Barbosa) com a Flavia Suassuna, estava nas cadeiras do lado oposto ao dela. Eu a reconheci pela voz e pela alegria de viver com a qual conversava com o amigo.

Bjaãããõ

Simone Pires
simonepires77@gmail.com

Anônimo disse...

Que coisa, a séria!
Parece uma velha.
E a miséria? É séria?!
E o império? Não foi muito sério.
E o adultério???
É ótimo....

Anônimo disse...

... e tb estou ... (ficando sem paciência com gente séria) e adorei a referência a Flávia, que pode mesmo ser reconhecida pela linda falta de seriedade quando faz as coisas mais sérias e importantes do mundo!

Anônimo disse...

Gostei dessa do Emerson, citada pelo Cláudio lá em cima. Achei massa porque esta semana fiquei brincando de bater bola (no caso, uma bola imaginária, porque não tínhamos nenhuma),com minha Lívia, de 4 anos, no estacionamento de um shopping, enquanto a mãe ia trocar alguma coisa lá numa loja. Fizemos gols incríveis!

Unknown disse...

há quem diga que o grande dsafio de nossas vidas, seja não deixar a rotina chegar. Mas o maior vilão mesmo pode ser a nossa eterna insatisfação. Cena de nossas vidas, podem acontecer situações tão inesperadas, que vamos sentir muita falta daquela comidinha caseira e daquele clima de amor e cumplicidade. O importante é valorizar as coisas boas, ter paciencia e não ficar esperando que o outro nos traga a felicidade. A felicidade está dentro de cada um de nós, sempre. Sama, a viagem foi maravilhosa, sem palavras.

Muita paz e luz pra voçe.