quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A revolução amarga - Capitulo I - 200 canetas Bic, arroz, feijão e dezenas de sabonetes




Em 2005, estava tudo certo para uma longa viagem a Cuba, quando um episódio doméstico mudou o rumo dos acontecimentos. Meu irmão, dono de um bar no Recife, entrou num processo de falência, e tive que assumir o negócio, para evitar o pior, que seriam dezenas de processos de ex-funcionários na Justiça. O dinheiro que seria para a realização de um sonho, foi usado para evitar um pesadelo. Cuba ficou para depois.

Mas tinha uma obsessão quase doentia de conhecer a ilha. Mais que isso: conhecer antes da morte de Fidel Castro. Acreditava que a revolução iria virar suco, sem o comandante.
Os ventos sopraram a favor a partir da metade de 2007, quando arranjei dois trabalhos e comecei a juntar dinheiro. Cada centavo tinha um destino certo, que era a cidade de Havana. No meu imaginário, tomaria muito rum, fumaria deliciosos charutos, conheceria de perto os avanços da saúde e educação de Cuba, o povo, e mandaria muitas postagens em meu blog, na Internet.

Desta vez, surgiu outro imprevisto. Graças à minha vocação para a perda de documentos de todas as espécies, perdi uma pasta com meu passaporte, e vários outros documentos necessários para tentar a segunda via. Foi num domingo, já perto do final do ano, que encontrei aquele negócio verdinho, com o nome “Passaporte”. Súbito, senti o cheiro da ilha.

Passaporte na mão, dinheiro no banco para a passagem, chegou a hora da compra da passagem, e o temido momento de solicitar o visto para entrar em Cuba. Cacete, o primeiro país socialista que vou conhecer! Na lembrança, as sobras do leste europeu, que conheci em 1995, uma soma de desesperos e indefinições, com a chegada súbita do capitalismo barra-pesada.

Um velho revolucionário brasileiro que viveu em Cuba entre 1969 e 1970, me deu o caminho das pedras. Uma agência de turismo em São Paulo, especializada em viagens para Cuba.

Após muitas ligações e email, esbarrei em uma dificuldade de última hora – a quantidade de brasileiros que estava viajando para Cuba, no final do ano, para passar o reveillon. A muito custo, consegui uma passagem para dia 19 de dezembro. Preço: U$ 1.500,00.

Começou então a tormenta existencial de alguém que nunca se definiu como turista, e que vai para um país querendo interagir com o povo: o que levar para Cuba?

Nas minhas viagens pelo mundo, levo sempre uma mochila surrada, comprada na Argentina, com as infelizes cores do Boca Juniors. Viajo sempre com o mínimo possível, nunca vou a museus, detesto city-tour e acho uma agressão esse negócio de fotografar o povo sem pedir licença. Fora isso, caminho mais que uma mula.

Consultei duas amigas, e tudo virou um inferno. Era para levar tudo. Uma delas me disse que faltava até caneta, os “bolígrafos”, e como fico desesperado sem uma caneta por perto, levei na bagagem 10 caixas de canetas Bic.

A primeira parte da viagem, do Recife a São Paulo, foi tranqüila, doce, comovente. Em território nacional, ninguém fica nervoso ao passar pela Polícia Federal, salvo os traficantes. Embarquei no vôo 3501, fiquei no assento 12-D, no terminal 10.

Cheguei a São Paulo um dia antes da viagem para Cuba, para evitar contratempos e nervosismos. Com a ajuda de uma ex-namorada, fui às compras. Feijão, arroz, carne embalada a vácuo, sabonetes, shampoos, tudo o que eu julgava importante. Depois de passar fome na Casa do Estudante da UFPE, seria triste repetir a dose em um país socialista.

Então começou o primeiro dos muitos nervosismos da viagem. A moça da agência de viagem sugeriu que eu ficasse hospedado por três dias no “Vedado Hotel”, só para constar na imigração cubana. Expliquei que iria ficar na casa de amigos cubanos, mas isso é proibido. Se os caras forem pegos com um estrangeiro em casa, estão fodidos.

Para ficar no Hotel Vedado, eu teria que depositar R$ 390,00. Achei uma cifra astronômica. Meu pão-durismo falou mais forte. Perguntei se tinha algum problema chegar em Cuba sem um hotel definido.

“Se tiver algum problema, você dá um endereço de um hotel”.

Foi o barato que saiu caro. Economizei uma grana, mas comecei a viver uma angústia interminável, que só passou quando atravessei a imigração cubana. E se me pegam no flagra? E se eu disse o nome do hotel e verificarem que não tem nenhuma reserva no meu nome?

O vôo 758, da Copa Airlines, saiu de São Paulo dia 19 de dezembro, às 8h53, mas à meia noite, eu já estava na fila do check-in, para não passar sufoco. . Peguei a cadeira 16A, que fica na janela, e é péssimo para mim, que tenho pernas de girafa. É sempre melhor o corredor, porque posso me esticar e levantar na hora que quero. Além disso, é mais fácil pedir algo extra às aeromoças, que estão cada dia mais chatas.


Minha mochila do Boca Juniors estava parecendo uma compra de supermercado para o mês. Peso exato: 22 quilos. Era a mochila dos mantimentos. Outra, menor, passou sem chamar a atenção, com seus 10 quilinhos. Nas costas, minha velha bolsa com livros, cadernos e uma câmera fotográfica, sempre inútil em todas as viagens. Eu olho, escuto e anoto. Dificilmente me lembro de tirar fotos.

Atravessei a averiguação da Polícia Federal e rezei a todos os meus santos, pedindo proteção.

Primeira parte da viagem – São Paulo/Panamá. Estive na Cidade do Panamá em 1995, e não vi graça nenhuma, a não ser uns ônibus antigos, como motores envenenados, conduzidos por motoristas suicidas em uma velocidade apavorante. Durou duas horas e meia, e descemos, para a troca de aeronave.

Fui ver os Duty Free, aquela besteirada toda, e conheci logo um negão cubano, com o uniforme típico da seleção cubana. O cara era um cinquentão pançudo, sedentário, sorridente, e viajava com dois comparsas, que tinham cara de mafiosos. Lá pelas tantas, puxamos um papo, fiquei sabendo que ele é treinador de atletismo em Cuba e no Brasil, algo como arremesso de dados, coisas do tipo. Bonachão, comprou logo uma máquina digital por U$ 190,00 e disse que estava barata. Era o salário de oito meses de Mana, uma enfermeira que eu conheceria no dia seguinte, em um apartamento no centro de havana.

Perguntei ao Pança se era de bom tom levar uma caixa de Marlboro, para dar de presente aos cubanos, ele disse que sim, e o besta aqui comprou uma caixa por U$ 14,00 uma grana que me manteria em Havana por uma semana. A caixa de Marlboro não fez sucesso nenhum, claro.

Do ponto de vista cultural, era como se eu estivesse indo para a Escócia, com um litro de Natu Nobilis, ou levando uma caixa de incenso para os amigos da Índia.

Como é que o sujeito vai para a terra do tabaco e leva uma caixa de Marlboro?

Então, peguei o vôo 438, da Cidade do Panamá para Havana, gate 25, assento 9D. No jogo do bicho, daria carneiro (o vôo), carneiro de novo (o gate) e burro (o assento).

Cheguei em Havana em alguma hora incerta do dia 19 de dezembro de 2007. Pensei em beijar o solo da nossa pátria amiga, mas me pareceu meio brega. Além disso, estava nervoso pacas. E se o lance do hotel não colasse?

Nunca duas palavras formaram um casal tão perfeito: Vedado + Hotel..

Então veio a alfândega, e comecei a repetir como um mantra: “Vedado Hotel, Vedado Hotel, Vedado Hotel”.

Uma senhora muito séria me recebeu, olhou a foto do passaporte, viu que eu era eu mesmo, então fez a pergunta fatal:

“O senhor vai fica hospedado em que lugar?”

“Vedado Hotel”, respondi, com uma raça incrível, cheio de certeza e força.

Ela mandou eu olhar para alguma lugar incerto, sem óculos, olhei, e julgo que tiraram uma foto minha.
Então aconteceu o milagre – eu estava em Cuba.

Era pegar a mochila cheia de mantimentos, a bolsa com minhas coisas, e correr para o abraço.

Fui esperar as bagagens. O mochilão, cheio de mantimentos, desapareceu. Eu e um casal fomos ao setor de reclamações, desamparados, certos de que a vaca tinha ido para o brejo.

Na verdade, foi a primeira das minhas muitas sortes em Cuba.

4 comentários:

Samarone Lima disse...

Não se animem muito com as fotos. As que estou postando são as pouquissimas que prestaram. Definitivamente, meu negócio não é com imagem, é mais com palavras mesmo. Na próxima, levarei o Rodrigo Lobo ou o velho tricolor Fred Jordão.
Sama

Anônimo disse...

As poucas que tem, estão abalantes!! estou ansioso para saber TU-DO sobre essa viagem...abraços

Anônimo disse...

Sama, 38 é coelho porra. =)

Anônimo disse...

Mesmo não sabendo de onde vens, sem nunca ter visto tua face ou escutado tua voz, até mesmo nem tendo idéia de com és ou será, te digo com a maior sinceridade de um beija-flor, que não esconde o prazer e a leveza que lhe trazem o néctar da vida, sou fã e admirador, para não dizer apaixonado, da arte que propagas pelos sete mares das vias abertas do universo (pode parecer frescura demais, e tricolor apaixonado pelo Santa Cruz não é de ficar dando dessas não!). Suas palavras me emocionam muitíssimo, sinto que não nasci torcedor do Santa Cruz em vão, mesmo gostando muito do clube, ele me proporcionou a oportunidade de conhecer o poeta que tu és, a fonte de inspiração pra meu coração apaixonado e frevoroso. Que o digam as gatinhas que encantei com palavras proferidas por tu e divulgadas energicamente por mim. Não se avexe, pois não deixei de divulgar seu nome. Como um estudante de espanhol, espero um dia chegar a derramar as letras num balde cheio de sentimentos e vê-las voando com suas próprias asas para encantar e inspirar outros jovens que assim como eu, admiram uma bela obra de arte. Valeu Samarone Lima! Valeu pela injeção de energia que deste em minha vida e pelo amor que teus textos e os belos poemas fizeram brotar em meu peito. Ressurgir das cinzas não é dádiva apenas da Fênix, o povo sertanejo não apenas ressurge como faz nascer ainda uma flor na pedra pra marcar sua volta. Tu sabes fazer nosso o teu sentir. Grande abraço

Victor Vital