quinta-feira, 27 de março de 2008

Onde estão os poetas?

Não sei o que há, mas tenho sentido falta dos poetas na cidade. Mais que poetas, falta poesia no Recife. Fala-se muito de violência, e me falta um olhar menos traumático, menos guerreiro. Todos querem saber das notícias do sangue. Não é por acaso que o íconoe midiático seja uma figura tosca poeticamente, chamada Cardinot, tão feliz com a prisão dos jovens com seus baseados.

Lembro que há alguns anos, vindo de São Paulo para um Carnaval, peguei um ônibus e esbarrei em um poema do Carlos Pena Filho, o "Soneto do Desmantelo Azul". Perdi umas duas paradas, mas copiei o poema todo, e é o único que sei decorado.

"Então, pintei de azul os meus sapatos/Por não poder de azul pintar as ruas"

É só o começo.

Ando cada vez mais desinformado, e não sei onde andam os recitais do Recife. Sei que o queridíssimo Miró circula pelos mercados, com sua última pérola, "Onde andará a Norma?"- , mas faz tempo que não esbarro em seus gestos alucinados, recitando poemas que falam das paradas de ônibus, e de uma mulher que ficou toda molhada quando o homem da água mineral passou carregando um garrafão de 20 litros.

O nome do poema? H2love.

Sinto falta dos poemas nos muros das escolas.

Raramente vejo alguém dentro de um ônibus, lendo um Manuel Bandeira, um Mário Quintana, um T.S.Eliot.

Ando sentindo falta de sarau, de encontros de amigos não somente para falar sobre os caminhos e descaminhos da vida, as glórias e desastres do futebol, avanços e recuos da economia. Os jornais só falam de mortes e desvios.

Ah, nada como uma boa conversa sobre os descaminhos de Walt Whitman ("Pois o culto verdadeiro também não precisa de palavras nem de se ajoelhar"), as glórias e desastres de uma Silvia Plath, aquela mansidão perpétua do Mário Quintana.

Neste Recife cheio de injustiças, e nesta noitinha sem eira bem beira, já a caminho de casa, me ocorre uma pequena folha de relva para completar estas poucas palavras:

"A justiça não é aquela feita por legisladores e leis, ela está na alma".

Dêem notícias, poetas. Quero um encontro desmarcado com a próxima alegria.

14 comentários:

Anônimo disse...

Oi Samarone...não sei se você ouviu falar...
mas um grupo está organizando o ''Nós Pós'', que pretende mostrar
o que os escritores pernambucanos vem escrevendo...
pra voc~e sabe mais acessa
http://www.nospos.blogspot.com/

Anônimo disse...

Samarone, mata minha curiosidade, quantos livros mais ou menos vc tem.... valeu

Magna Santos disse...

Sama e seus leitores:
Está chovendo poesia na cidade.
Não abram o guarda-chuva, minha gente! Vamos pular nas poças como crianças em dia de felicidade.
Correr pro poço para cheirar jasmim.
Abandonemos as identidades.
Que os ladrões as levem. Ao menos eles precisam delas, não nós.
Por falar neles, desatemos todos.
Seremos chamados de delirantes, desatinados ou desantenados.
Melhor assim.
Melhor o sim.

Abraços!
Magna

Magna Santos disse...

E sobre os recitais no Recife: do dia 27 a 30 deste mês, Jessier Quirino se apresenta no Teatro Santa Isabel. Preço do ingresso: R$20,00(inteira) R$10,00(meia). Poesia matuta, astuta, engraçada, bela e, de quebra, os causos nordestinês.
Estarei lá no domingo, esperando um bom cenário:

"(...)Quer ver cenário?
É o vermelho da auroridade
É a claridade amarelada do amanhecer
É ver correr um aguaceiro pelo rio abaixo
É ver um cacho de banana amadurecer
Anoitecer vendo o gelo do branco da lua
A pele nua com a lua a resplandecer
É ver nascer um desejo com a invernia
É a harmonia que o inverno faz nascer(...)"
(Bolero de Isabel - Jessier Quirino)
site: www.jessierquirino.com.br

Magna Santos disse...

Desculpem, não resisti mais uma vez. Por falar em Quintana, ele também precisa falar...vejam como ele lê pensamentos e corações:

O MILAGRE

Dias maravilhosos em que os jornais vêm cheios de poesia
e do lábio do amigo brotam palavras de eterno encanto

Dias mágicos
em que os burgueses espiam,
através das vidraças dos escritórios,
a graça gratuita das nuvens

Anônimo disse...

poema de uma nota só
Sol...

Anônimo disse...

"Aqui e agora estou celebrando a vida
Não me importa o que trarão os ventos
Não me importa se terei mais à frente
Nem menos

Daquilo que rasteja atrás
Perdôo o rabo que me foi dado
Bicho que sou

Aqui e agora estou celebrando a vida
Meu único e exclusivo bem sagrado
O resto foi feito pra dividir

Que absurdo!
Até a vida. Bobagem a minha.
Tenho tudo porque não tenho nada

Aqui e agora estou celebrando a vida
Se creio em Deus, na Ressurreição?
Não quero fazer mais pelo amanhã, o depois
Devoro o hoje com a força de mil leões
Enternecidos

A eternidade não é a casa desses tempos
Dos nossos corpos, paixões, nascimentos

A paz também se faz na dor do luto?
E tudo já não morreu o bastante?

Das armas que uso o riso é a mais cortante
É só mirar com cuidado

Para não aprisionar os vivos
Nem ter pesadelos com rostos
Que não cabem num inimigo
Aceito qualquer soldado
Do meu lado ou do outro
E os amo

Enterrei o amanhã nessa briga
Não por não querer o seu braço
Acredito mesmo que é na infância
Das coisas que se planta o seu prado
Planto

E o que é o hoje, senão uma criança
Ávida por cuidados e pronta para ser
Sempre?

Aqui e agora estou celebrando a vida ora
Metralhando você
E pronto"

(Aivlis Sego)

Samarone Lima disse...

Leitor anônimo, que eu saiba, tenho três livros publicados:
"Zé" (Mazza, 1998)
"Clamor" (Objetiva, 2003)
"Estuário" (Bagaço, 2006)

Breve sairá mais um, sobre Cuba.

Samarone

Anônimo disse...

perai homi.
quando meus pés chegarem nas suas terras a gente canta bastante poesia junto.


=o)













ai carlos pena filho e seu azul...

Clara Mazini disse...

Poesia faz falta porque sem ela os dias ficam como que... menos azuis, pegando a idéia emprestada do poema citado - que eu vou procurar. Aqui no Rio de Janeiro, apesar de também ser uma procura por vezes penosa, para mim tem épocas que a própria cidade em si é puro verso. E eu adoro essas temporadas.

Alana Sousa disse...

As vezes acho que não há mais tempo para poesia e arte, apenas para os intelectuais privilegiados, acho isso enquanto espero o ônibus ao meio dia saindo da faculdade...estão todos tão ocupados, quando não perdidos usando um mp3 para fazer eco e distrair os pensamentos.

eu mesma, que quando comecei a entender as palavras, logo gostei de poemas, escrevo mas as vezes acho que deveria escrever artigos acadêmicos em vez de poemas.
então aqui estou me achando tão primitiva e pequena diante do mundo acomodada no google, envergonho me de dizer, não conheço tão bem quanto gostaria nossos poetas, mas ainda eternamente apaixonada por poesia...

Anônimo disse...

Alana Sousa..
Coincidentemente estava nas paradas de ônibus da vida e, percebi como as pessoas estão fazendo uso dos fones de ouvido...Bom! pensei um poquinho diferente de vc...imaginei a música(seja ela qual for)como a libertação pra uma vida tão estressante...tantos barulhos desconexos, desumanizados...Aí me lembrei de tb fazer uso do meu fone de ouvido,e logo logo sentí-me liberta...será que a música ñ é a religião de muitos? Tomara que seja, pq ela tem me feito sonhar e ainda acreditar numa vida mais humana.
Um abraço a tds

Lidianne Andrade disse...

também sou curiosa
quantos livros você tem???

Luna Freire disse...

Os poetas estão por aí, Samarone. Continuam pelas ruas, fazendo belos poemas, imprimindo livretos na gráfica aqui do Sindicato dos Bancários, e circulando pelos bares e praças com os escritos na mão... Dia desses veio aqui o Valmir Jordão. O Miró, também, nos visitou recentemente. Fato é que houve algumas "emigrações", bastante tristes: Erickson Luna, Alberto Cunha Melo, Espinhara... Mas os poetas persistem, apesar de...