Ando com uma certa dificuldade existencial - escrever sobre coisas sérias. Sei lá, deve ser o envelhecimento precoce. Aliás, a figura do "sério" sempre me pareceu desagradável. Nas campanhas eleitorais, basta eu ver um santinho com a foto de um candidato, com a frase "Seriedade e Competência", que tenho apenas uma certeza - jamais votarei nele. Quem disse que a competência não pode vir com a alegria?
"Fulano é uma pessoa séria" não acrescenta nada à biografia de ninguém. Cada vez mais, gosto de gente besta, sem muito futuro, sem grandes pretensões. Geralmente, essas pessoas vão mudando o mundo a partir de coisas menores, pequenas.
Meus companheiros de trabalho, atualmente, fazem parte desta espécie em extinção. Aquele tipo de gente que dá bom dia até para as plantas, e se preocupa não somente com os parentes, mas com a humanidade inteira.
Naná é um gordinho de 120 quilos (ele diz que são 110, mas é mentira) que só anda pelo mundo buscando o lado bom das coisas e pessoas. Um sujeito pode ter 25 defeitos, e só uma qualidade. Naná vai louvar, comentar, ressaltar, somente a a qualidade. Todo dia, às 7h, está com sua Kombi defronte à Igreja do Poço da Panela, levando a criançada para a escola. Faz isso sozinho, sem cobrar nada, há mais de cinco anos.
Iramarai, meu companheiro de caminhadas, é marceneiro. Quando tem tempo, faz esculturas, que são belas e raras. Usa madeira velha, que vai encontrando pelo caminho. É um homem que olha para o lixo de outra forma. Onde vêem sujeira e feiúra, ele vê poesia. De vez em quando, sai daqui da sala, vai lá fora, enrola seu fumo "Saci", comprado em alguma feira do Sertão de Pernammbuco, e fica lá, bestamente, pensando em algo bom.
Ninguém sabe quem é André Santos Feitosa aqui no meu trabalho, mas é só dizer "Boy", que todos conhecem. Não lembro de ter encontrado o Boy reclamando da vida, salvo em caso de derrotas do nosso Santa Cruz - que têm sido cada vez mais constantes. Basta você contar algum problema para Boy, que ele sai para dar uma volta, junta fios com material encalhado, faz planos mirabolantes, define estratégias silenciosas, e resolve o problema em dois movimentos. Se morasse nos Estados Unidos, estaria na NASA ou na Microsoft. Por sorte, está aqui mesmo, com aquele sorrisinho manso.
Nossa turma adora inventar coisas para quebrar a seriedade. Celebramos outro dia o aniversário de seu João, todo mundo veio cantar parabéns, e até ele desfazer nossa invenção, ganhou muitos abraços e sorrisos.
Um dia, eu estava no intervalo da escola, recebi um recado. Era sobre a morte do meu amigo Iramarai, que tinha sido atropelado. Fui para o banheiro, choraminguei um bocado, lembrei do meu amigão, e fui dar o restante das aulas. Meus alunos notaram logo e perguntaram o que eu tinha. Disfarcei bem.
Na hora do almoço, liguei para Naná, que tinha dado a notícia. Liguei todo triste, querendo saber o horário do enterro etc.
"Que enterro? O cara tá bonzinho", respondeu Naná, dando boas gargalhadas.
"Nossa, que brincadeira de mau gosto", comentou a secretária da escola.
Era apenas mais um dos muitos trotes que já recebi dessa turma, e caí de besta.
Vou ficando por aqui. Tentarei encontrar um assunto mais sério para a próxima crônica. Efeito Estufa, Camada de Ozônio, Protocolo de Kyoto, essas coisas.
Sei lá, mas é tudo tão grande. Queria encontrar um dia um homem sério desses, que sabe falar sobre os desastres do planeta, e que levasse crianças de seu bairro para a escola.
Os sérios levam seriamente os próprios filhos para a escola, e discutem seriamente as coisas. Nunca se lembram de comemorar um aniversário fora da data. Jamais dão um trote por telefone. Nunca se lembram de levar um lanche para compartilhar com os amigos do trabalho. Não ligam para jardins, flores, estão sempre apressados.
Prefiro os meus bestões mesmo.
8 comentários:
Ducarai!
Eita sama,
amanhã é 1º de abril se prepare para as brincadeiras...
kkkkk... maravilha...
Ass. : Simone Pires
uma pessoa besta:)
so mais vc´s...
um grande abraço,
sirley
eu também prefiro os bestões. aliás samarone, já disse isso e repito, a tabacudice é a sua maior qualidade.
justine
Nem acredito que o Magro Valadares deixou um comentário bom...
O momento
me disse que me alegre/
"Deus já te deu 50 anos sobre o mundo"/ ela me disse/ e
não sabe/ nem suspeita que/
sob os panos de meu coração/
não há diferença entre os dias que vivi
e os dias antiqüíssimos em que Noé viveu/
no mundo só tenho esta hora/
este agora que sou/
mostra seu rosto e
como uma nuvem/ passa.
Juan Gelman
Bjs, Yvette
amei o texto!
beijos!
Rapaz, eu tenho uma sugestão melhor para um assunto "sério". CUBA! não pense que esqueci que vossa excelência nos deixou na mão!!!!! aproveita que Raul Castro está liberando tudo por lá e libera as hisotirinhas de Cuba, rapá! abração
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