sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Pedras Pensadas - I

Recife, 7 de outubro de 2005.

No “Livro das Teorias”, que estou a escrever, tenho uma teoria que uso sempre – “é preciso colocar um ponto de luz no meio do turbilhão”. Isso já me salvou muitas vezes.

Ontem, no meio do turbilhão, das inúmeras demandas de um dono de bar agitadíssimo, de livro sendo finalizado para o Unicef, de Estuário virando livro, fora as coisas da vida, o aluguel vencido, o exame de vista que sempre perco, uma topada na esquina, o ônibus que acabou de passar, o gás que acabou, cassete, a água mineral que ainda não fui buscar, peguei um pequeno vácuo no turbilhão e me deparei com as estantes da Livraria Cultura, em plena tardinha. Livraria me salva sempre, a Livro 7 me curou de inúmeras depressões.

Saí perambulando com meus dedos e olhos à procura de alguém que me ajudasse, me acalmasse, me desse prazer e beleza. Encontrei vários troços obscuros, inúmeros escritores brasileiros e estrangeiros que nada me dizem, mas que andam a dominar as prateleiras, por esse fenômeno complexo e cheio de artimanhas, que se chama “mercado editorial”.

E então, esbarrei nele. Primeiro, o título: “Pedras Pensadas”. Depois, o nome: Adolfo Montejo Navas. Olhei dentro as mínimas referências: “Nasceu em Madri, em 1954, e mora no Brasil há dez anos”. É dos meus, foi o que pensei, eu tenho uma intuição fortíssima com os que são meus.

Subi para o primeiro andar como o Montejo na algibeira, pedi um chocolate quente e esqueçi tudo. São apenas frases. Na verdade, são mesmo pedras que foram pensadas. Pedradas que não ferem a alma. Melhor que isso, pedrinhas que agitam as águas da lagoa silenciosa e erma. E me senti como quem encontra aquele lago bem limpinho, no meio do deserto, mas não mata a sede. Joga uma pedrinha bem longe, para ver o movimento em círculo, as pequenas marolas, que encantam, e matam a sede de beleza da alma.

Lá vai:

***

“Você conseguiu dar a volta no amor para se salvar?”

“Dorme como se fosse parte de uma oração”.

“Suporto o que sei com base no que não sei”.
(Equação poética de Antônio Porchia)

“Faz anos que o amor passou, mas o cheiro permanece”.

“Um relógio de areia na horizontal, com o tempo parado dos dois lados, lembra a eternidade ou a memória?”

“De vez em quando faz uma quermesse dos sentimentos apagados”.

“A sensação, às vezes, de que uma palavra vive de outra”.

“Deveríamos responder pelos céus contemplados”.

“A impressão cada vez mais forte de que a tristeza e a alegria pertencem às mesmas raízes da mesma árvore”.

“Trocar idéias velhas por flores”.

“Para chegar à palavra saudade,é preciso ter passado antes por vários lugares: a nostalgia, a melancolia e o anseio, nesta ordem”.

“Quem ama vive duas vezes”.

“O mundo podia parar toda vez que ela prende o cabelo”.

“Não se pode deixar os sonhos pendurados num prego”.

“O lar do último olhar”.

“Tem gente que pede desconto para viver”.

“Um pensamento feito em migalhas”.

“A felicidade às vezes é tanta que as pessoas não têm outro remédio senão fugir”.

“O amor é encarregar-se de um corpo ou de uma alma?”

E, para terminar:

“Qualquer felicidade é o que há de mais parecido com uma semente”.


***
(Pedras Pensadas. Inscrições de Adolfo Montejo Navas (1980-2002). Ateliê Editorial, São Paulo)

4 comentários:

Anônimo disse...

menininho,
tava precisando de um textinho teu... vai... tu tens tantos. sei q vc tá muito ocupadinho, mas acha um emanda por -emial, favor...vai?
te amo
saudades grande no peito
te

Ivana de Souza disse...

“A impressão cada vez mais forte de que a tristeza e a alegria pertencem às mesmas raízes da mesma árvore”.
Ele conseguiu dizer perfeitamente o que eu penso de amor e ódio.

Anônimo disse...

Que maravilha saber que mesmo com pouco tempo você sabe tornar a vida mais doce e mais poética. Sou muito supeita para falar...
beijosssss

Anônimo disse...

Quem merece permanecer nas prateleiras da Livraria Cultura és tu.
À propósito, quando sai o livro sobre o atentado do aeroporto?