Uma leitora pegou o livro “Estuário” e viu na orelha que eu já tinha trabalhado como autor de relatos eróticos para uma revista em São Paulo. Quis saber se foi verdade, e eu já confirmei. Sim, amiga, um sujeito faz muitas coisas nessa vida para sobreviver, e meu amigo Gustavo acompanhou essa história de perto. Ele riu muito com a aventura literária-sexual. Então vamos a ela.
Era o começo de 2000, e tinha acabado minha última fonte de renda, uma bolsa da Fundação Ford. Tinha viajado um bocado, ficara longos períodos no Chile, pesquisando para escrever Clamor, meu trabalho de mestrado, acabei participando de um congresso nos Estados Unidos, de formas que voltei para casa, depois de muitas viagens, liso como um gambá. Não sei se gambá é liso, mas a frase fica boa assim.
Tinha que terminar o trabalho de mestrado, não queria voltar a trabalhar em redação de jornal ou revista, meu amigo Gustavo garantiu o aluguel e o “de comer”, mas não daria para terminar o mestrado sem um tostão no bolso. Foi então que me ocorreu perguntar ao meu amigo Guilherme Salgado, botafoguense ilustre, se ele não conseguia um quebra-galho na editora que em ele fazia bicos. A editora só trabalhava com revista pornográfica. Pornográfica não, era putaria mesmo, com o pê maiúsculo.
No dia seguinte, Guilherme me telefonou.
“Tu topa escrever relatos eróticos?”
“Nunca escrevi isso”, respondi.
“Aprende”.
Fui à tal editora, um casarão encravado num bairro nobre. O dono da empresa me recebeu numa sala luxuosa, perguntou se eu trabalhava no ramo, respondi que não, mas que podia aprender a trabalhar no ramo, desde que não precisasse participar das histórias. Ele me resumiu o problema todo. A revista publicava as cartas dos leitores com relatos de suas sacanagens, mas era difícil chegar um texto razoavelmente bem escrito, pronto para publicação.
“Tem cara que não diz nem como conheceu a mulher, e já está tirando a roupa dela”.
Me deu umas dez revistas e uma tuia de carta, umas 30, acho. “Vê aí as expressões que a turma usa”. Eu ganharia R$ 30,00 por relato. O trabalho era ler as cartas e transformar tudo em coisa legível. "O que não der para aproveitar, inventa uma boa história", pediu ele. Antes de sair da sala, a advertência.
“Olhe, tinha uma mulher que fazia esse trabalho e era muito competente, mas teve que sair. Depois, contratamos um escritor, mas não deu certo, porque ele queria fazer literatura”.
Me olhou bem sério e completou:
“Não queremos literatura. O negócio é sacanagem”.
Caramba, voltei para casa lendo as histórias. Eu nunca fui nenhum coroinha, mas era cada relato mais exagerado que o outro. Falei para meu amigo Gustavo a história, ele bolou de rir.
Naquela liseira toda, não me restou outra alternativa. Sentei, li todas as cartas dos leitores, li as revistas, fiz um glossário pra lá de imoral e mandei brasa. Varei a noite contando histórias de neguinho que comia gente em tudo que era lugar do Brasil, as cartas inclusive dariam um ótimo estudo sobre o imaginário sexual do brasileiro.
No dia seguinte, estava com dez histórias prontas. Eu só pensava era nos 300 contos que poderia ganhar, para sair da pindaíba. Gustavo olhou algumas. Só fazia rir da cena toda, o velho Jacaré. O dono da editora mandou um motoboy buscar o disquete. Fiquei aguardando, nervosíssimo. Será que eu tinha exagerado? Será que não escrevi coisas muito cruas? Lá pelas tantas, tocou meu bip (sim, esse objeto de comunicação já existiu), com a mensagem:
“Ligar para a editora”.
Liguei. O editor estava eufórico.
“Rapaz, do caralho. Muito bom, muito bom mesmo. Tem certeza que nunca trabalhou no ramo?”
“Não”, respondi. “Eu só estou é muito liso e fiz o que tu pediu”.
Depositou o dinheiro no mesmo dia e mandou mais uns 50 relatos. Paguei a conta de Nabuel, o bar defronte, e acho que fiz alguma farra com Gustavo.
Durante alguns meses, a minha reta final em São Paulo, esse foi o ganha-pão. De manhã cuidava da dissertação de mestrado. À tarde, lia as histórias de sacanagem de um Brasil meio desdentado mas cheio de tesão, e transformava tudo em histórias com início, meio e fim. A revista se chamava “Brazil”, com "z" mesmo, e vendia como água. Outro dia vi numa banca do Recife. Teve tudo o que o ser humano possa imaginar no aspecto da sexualidade. É cada lapa de doidice, que eu vou dizer.
Com o dinheiro, consegui sobreviver, comprei a passagem de volta para o Recife, e sobrevivi bem, até chegar o primeiro salário da Universidade Católica. O editor queria que eu continuasse, mas pendurei as chuteiras.
Acho que escrevi uns 100 relatos. Estão todas arquivadas no meu computador. São totalmente impublicáveis. Se lessem, os leitores deste blog não me chamariam nem de safado, mas de tarado. São essas coisas que a gente faz na vida para sobreviver.
Tem a história do dia em que assinei TV a cabo, mas não tinha TV em casa (para instalar o cabo, lógico) e de como ganhei o visto para ir aos Estados Unidos mesmo estando desempregado, com o nome no Serasa, mais liso que o porteiro consulado dos Estados Unidos. Qualquer dia escrevo. São histórias divertidas, para a gente relaxar um pouco.
(Para o Guilherme Salgado, o maior botafoguense que pode existir no globo terrestre).
14 comentários:
É Sama, vc é bom em tudo messsssssssmo!
bjão
que barato! mas, deu uma curiosidade de ler estes escritos...
adorei
Pense na curiosidade que fiquei em conhecer os textos!!!
Conhecer o outro lado do Samarone...rsrsrs!
No mínimo deve ser engraçado...
Forte abraço!
Sama, agora eu realmente acredito q vc já fez de tudo um pouco nessa vida! rs.
E o livro, já tem nova edição? To esperando.. bjs.
Sama, depois de passar 12 horas sentada na frente do PC contando, em um relatório, a história do jornalismo científico, em Recife, na década de 1980, ler um negócio desses e rir feito uma criança é uma coisa muito boa! Abraços!
P.S - Recebeste minha resposta de agradecimento?
Devasso!!!!
Já fui na banca comprar a minha revista. he he he. Boa demais essa sua história.
ahhh publica algumas historinhas aqui vai....
Nossa! Quer dizer que vc era escritor do Forum? Sabia que quem escreveu um tempo pra esse tipo de revista foi Joana Fomm? Hum, fiquei com vontade de ler, também!
Publica!
Publica!
Publica!
Vai, Sama. Inventa um codinome e mete bronca. Vai vender bem. :)
bjs
Roberta Rego
Amigos e amigas,
não dá para publicar, porque é muito barra pesada, e tem algumas senhoras de família que lêem minhas cronicas...
quando mandarem comentários, mandem o email, que assim posso responder.
samarone
E tem esta senhora de família, avó e tudo, que traduziu um livro de auto-ajuda sexual. E fiu pra N. York com a grana, eu que há tantos anos não viajava. E, pior, quando alguém olha meu nome no Google, está lá o bendito livro, pois além do nome da autora citam o da tradutora.
Sama, cria putro blog com as crônicas picantes e um pseudônimos. Sugestão: transas de quem sama. he he he
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