sábado, 17 de setembro de 2005

Momentos decisivos da (minha) humanidade

Recife, 17 de setembro de 2005.

Estou aqui com o livro “Momentos Decisivos da Humanidade”, do Stefan Zweig, escritor que adoro e que acompanho há tempos. Lembro como fiquei tomado de emoção pelo romance “A embriaguez da metamorfose”, também traduzido como "O êxtase da transformação", há alguns anos. Os momentos decisivos da humanidade são mesmo de arrebentar: a descoberta do oceano Pacífico, a 25 de setembro de 1513 (pense num sujeito que gosta de exatidão!); a conquista de Bizâncio (29 de maio de 1453); a ressurreição de Georg Friedrich Händel (21 de agosto de 1741) – e por aí vai. Foi assim, nesses dias de sereno e mormaço, frio e acaso, que chegamos ao ponto atual, com essa delinqüência toda do Busch e as bombas comendo no centro.

É, mas os momentos decisivos da humanidade do meu amigo passam é longe pelo Brasil, e o Recife nem sequer é lembrado como uma verruga no corpo da humanidade, o que me deixou deveras desapontado. E não é por falta de informação, porque ele morou, salvo engano, em Teresópolis, ali no Rio de Janeiro.

Ora, ele canta loas e boas à criação da Marselhesa (25 de abril de 1792) e deixa de fora simplesmente Pixinguinha, que compôs um hino para a humanidade, intitulado “Carinhoso”. E os meus olhos ficam sorrindo/ e pelas ruas/ vão te seguindo/ mas mesmo assim/foges de mim. Lamento, meu caro Stefan, mas isso sim, foi decisivo para a humanidade, pelo menos para a minha, saber que os olhos ficam sorrindo por uma pessoa, e vão seguindo seus passos mansos. Ah se ela soubesse como eu sou tão carinhoso, não fugiria mais de mim.

Uma série de composições de Lupicíno Rodrigues que deixariam o senhor Rouget de Lisle, autor da citada peça musical que “cresce para os compassos martelantes, elásticos”, devidamente corado. “Ela disse-me assim/Tenha pena de mim/vá embora”, na voz de Jamelão, rompeu definitivamente os laços entre a psicanálise e a filosofia (ou amarrou mais, eu sei lá), e o sujeito brasileiro finalmente pôde sofrer em paz, sem o bafo de Freud ou Frank Phillips por perto.

A batalha de Waterloo (Napoleão, 18 de junho de 1815), aquela sangria desatada (400 canhões de ambos os lados trovejando), pode ter causado muito sofrimento aos franceses e seus descendentes, mas antecipo - não foi lá essas coisas todas não. Tudo bem, Napoleão entrou pelo cano, mas eu me pergunto – e do cavalo branco de Napoleão, por que não falam?

Sofrida mesma foi aquela batalha do meu time, o Santinha, contra o Náutico, em 1993, que resultou num título impossível, dramático, quando o juiz já tinha levantado o braço para apitar o fim do jogo, e milhares de tricolores voltavam feito farrapos humanos para casa. O Recife era uma cidade com milhares de cadáveres que andavam, cabisbaixos, até que Célio fez o gol no finalzinho, aos 45 do segundo tempo, e tivemos o milagre da ressurreição coletiva, naquela prorrogação que durou bem mais que toda a eternidade e mais um dia. Bem, vamos perdoar, são apenas pontos de vista distintos, eu gosto do perdão.

A descoberta do Eldorado (janeiro de 1848, sem dia específico), também foi um momento decisivo na história da humanidade, aponta o Stefan Zweig. Então me pergunto – e aquele massacre dos sem-terra em Eldorado dos Carajás, não conta?

A 22 de dezembro de 1849, Dostoievski estava no paredão, pronto para o fuzilamento, em Petersburgo, na Praça Semenovsk, que hoje deve ser nome de vodka russa. O pelotão já estava puxando o gatilho, iria ser aquele crime sem castigo, chumbo grosso no camarada russo, quando chegou uma carta do Czar, comutando a pena. Eu não vou discutir, para não parecer chato. Livrar o velho Dostoievski do fuzilamento, aos 47 do segundo tempo, é algo decisivo para a humanidade mesmo, ponto para meu amigo Zweig.
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Eu só queria encontrar um amigo, numa mesa de bar, que tivesse lido Crime e Castigo inteirinho, deitado numa rede, do crime até o castigo. Aguardo.

A primeira palavra através do oceanos (Cyrus W. Filde, a 28 de julho de 1858) não me interessa. Sei que foi importantíssimo o negócio da comunicação à longa distância, mas tem episódios mais decisivos para analisarmos, como a invençao da máquina de datilografia. A luta pelo Pólo Sul (Capitão Scott, 90o de Latitude, 16 de janeiro de 1912), é mais uma história de aventuras do que propriamente um momento especial da humanidade. Ficamos sabendo que a vontade de Scott era “dura como o aço”, e que ele tinha um rosto "frio, enérgico, fleumático, endurecido mas igualmente pleno de energia interior", então penso entre meus miolos – terá nascido daí a famosa “Emulsão de Scott”?

O encontro de Jobim e Vinicius não é citado. O nascimento de Capiba, para encantar o mundo, passa ao largo. Nem uma linha sobre o Carnaval do Recife, que é algo importantíssimo para a humanidade, pelo menos para a minha. A criação do “Acho é pouco” nem é lembrada. Necas de pitibiriba para a invenção do dominó, que acalenta a vida de tantos amigos do meu bairro. Pelé, que mudou os rumos de um objeto simples como uma bola de futebol, e foi capaz de parar uma guerra na África para vê-lo jogar, não aparece nem nos agradecimentos. Ficaram de fora coisas do maior relevo, como a invençao do Totó e o desenvolvimento da sanfona, que nos deu um Luis Gonzaga, por exemplo, e agora o nosso Chiló.

Vou terminar por aqui esta crônica de sábado. Tem o aniversário de 40 anos do meu grande amigo Aldo, daqui a pouco, e amanhã tem a pelada dos Caducos, às 6h da manhã. Isso sim, é que são momentos decisivos para a humanidade. Quero dizer, para a minha humanidade.

E estou adorando esse negócio de blog.

7 comentários:

Anônimo disse...

Muito, muito bom!!! Realmente, tem eventos na história que são muito, mas muito mais importantes para nós do que para qualquer outro mortal. A crônica está linda, cheia de poesia... Adorei a parte do Dostoievski e a parte da ressurreição do seu time no finalzinho do segundo tempo... Esses dias, até fui assistir um jogo entre Paraná Clube e Vasco, aqui na cidade de Curitiba, para ver se eu entendo o que é ser torcedor... Como não torço para nenhum dos times, infelizmente fica difícil de entender, mas a emoção do Estádio, já estou começando... Quem sabe um dia... "Carinhoso" realmente é linda, e o seu comentário, deixou-a ainda mais bonita... Siga em frente, que vou te acompanhar nesse blog!!! Aquele abraço, Priscila

Anônimo disse...

E eu tô adorando o teu blog...

Cheiro.

Anônimo disse...

E eu também estou adorando seu blog. Acabou com meu preconceito. Mas quero acrescentar que além desses que você citou, para mim o momento decisivo para a humanidade aconteceu hoje, exatamente às quatro horas e dezesseis minutos do segundo tempo, isto é, da tarde, quando nasceu minha primeira netinha, linda que nem uma princesa.
Um cheiro, meu filho.

Anônimo disse...

Um dos momentos decisivos da minha humanidade é não saber o que fazer com uma paixão linda que deve ser "esquecida", por ser impossível.Acho que o melhor caminho é cantar carinhoso e ir vivendo assim...assim...
Adoro seu blog, me ajuda a refletir sobre as possibilidades e impossibilidades da vida.
Ana

Anônimo disse...

Gostei muito... Um dos mais fundamentais, marcantes e decisivos momentos para a minha humanidade foi uma grande perda: meu pai! Após atravessar um imenso deserto de dor, percebi que na saudade há um oásis chamado ternura, onde se abrigam os mais deliciosos momentos... as lembranças! E assim, percebi o quanto podemos ser irremediáveis e miseravelmente humanos... e ao mesmo tempo, dotados de uma capacidade ilimitada de amar e transformar!!! Beijo,
Kátia

Anônimo disse...

Meu momento decisivo da sexta-feira foi ,sem dúvida, conhecer o famoso bar do Seu Vital e sua primeira dama. Até vi vc, Samarone, entrou rapidinho e depois foi embora num táxi. Só pensava como vc é privilegiado por morar naquela área.
bj, eugênia.

Anônimo disse...

Samarone,
um dos momentos decisivos para minha humanidade: conhecer gente que fale de coisas simples, que valorize o que é nosso, nossa terra, nosso povo, nosso querido Recife, coisas do coração, pessoas como você.
Prazer enorme em conhecê-lo,
beijão,
Luciana (sobrinha de Adri)
luciana.o@ig.com.br