Às sete da manhã, todos os ônibus para a “cidade”, como dizemos por aqui, estão lotados. É muita gente, todos os dias. Ainda tem besta dizendo que o povo brasileiro é preguiçoso. Acho que o povo trabalha demais. Espero sempre algum ônibus mais folgadinho e embarco. Do meu ponto até o Bairro do Recife, são uns 47 minutos. No ônibus, as crianças têm as pequenas introduções à gentileza. Sempre há alguém pedindo para segurar a bolsa do outro, sempre alguém se levanta para dar o lugar ao mais velho. Hoje mesmo, vi uma mocinha pedir para segurar os cadernos de um rapaz. Sem esse pequenos afagos, essas micro-ternuras, a vida seria mais difícil.
Ah, as conversas dentro dos ônibus... Aguço sempre os ouvidos, fico atento aos detalhes. Hoje, duas senhoras conversavam muito. Melhor: falavam alto, sem se importar com os outros. Pareciam estar na cozinha de casa, mas estavam no Sítio dos Pintos/Dois Irmãos. Lá pelas tantas, a conversa girou em torno de um cachorro do filho, creio. Foram uns dez minutos falando sobre o caráter do animal.
“Aquele cachorro é triste. Outro dia, cagou em cima do sofá!”, disse uma delas. Eu, claro, já simpatizei com o vira-latas.
Adoro esse jeito do pernambucano usar as palavras. “Aquele cachorro é triste”, não quer dizer que o animal é macambúzio, depressivo, quer dizer que ele, o cão, não vale nada. “Aquilo é um triste”, se usa para dizer que o camarada é uma praga do Egito. “Eita bicho febrento” se usa para alguém não muito agradável. “Isso é que é uma miséria”, se diz quando o sujeito é muito, mas muito ruim de bola.
Sim, mas onde eu estava mesmo? Ah, no Sítio dos Pintos/Dois Irmãos, escutando admoestações sobre o cão. Informo que ali, depois do Hospital da Restauração, surgem os primeiros assentos livres, se der sorte, dá para descolar uma janelinha. Sou amante das janelas e do vento. É melhor para reparar as pessoas e criaturas, ver o bailado matinal de tanta gente, indo para tantos destinos diferentes, numa cidade que amanhece a mil por hora.
O ônibus perambula ali pelo bairro de São José, passa pelo Forte das Cinco Pontas, o suficiente para revelar a fulgurante presença dos vigilantes, muitos com aquela cara amarrotada, uns porque dormiram demais, outros porque ficaram atentos à madrugada.
Vou chegando ao Bairro do Recife, essa pérola que o Recife maltrata. Desço do ônibus, caminho um pouco e vou chegando à escola, numa rua com nome lindo e redundante: Rua do Bom Jesus. Jesus, pelo que sei, nunca poderia ser ruim. No caminho, já tem gari esfregando com raça as ruas do Recife. Flagrei um mijando atrás de uma árvore, ele me olhou meio sem graça. Tem gente ainda se espreguiçando, uns motoristas de táxi com aquela cara de tédio, já na segunda-feira.
Chego à escola cheio de livros, fotocópias, o plano de aula etc. Sou informado que me enganei com o calendário, minha aula não é hoje, mas na segunda-feira que vem.
Então pego um cafezinho venho escrever minha cronicazinha, debaixo de um toró medonho. É tanta água, que tenho medo de terminar o texto com o Recife fazendo glub glub glub.
4 comentários:
Samarone!
Pelo menos o engano valeu para uma ótima crônica.
Uma boa segunda!! Aqui em Curitiba também está chovendo...
Grande abraço, Priscila
Cadu, falar bem do Brasil na Italia é massa...
beirando as veredas
enveredei por caminhos
dobrando sozinho
meu mapa do mundo.
de sons tão profundos
de imagens e sonhos
tão bons e medonhos
que vão me levar.
ISSO AQUI TÁ UMA DROGA. QUALIDADE DE VIDA ZERO. SAÚDE, EDUCAÇÃO E SEGURANÇA SÃO DE CAUSAR DOR NO CORAÇÃO DE QUALQUER CIDADÃO.
A MISÉRIA BATENDO NA PORTA DO NOSSO QUARTO.
O PAÍS CAUSA TRISTEZA E O PIOR, PERSPECTIVA PARA ALIMENTAR A ESPERANÇA, DEIXOU DE EXISTIR FAZ TEMPO.
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