sexta-feira, 30 de setembro de 2005

Pequeno inventário das minhas grandes invejas

Recife, 30 de setembro de 2005.

Inveja infinita de quem toca um sax alto durante o ano, e no Carnaval toca em alguma pequena orquestra somente para dar uma força à turma;
Inveja de certos homens que ficam sentados uma manhã inteira, olhando para o tempo, uma tarde inteira, olhando para o vento, e chegam à noite com os olhos ainda virgens;
Inveja de quem sabe contar piadas, mas não passa a noite enchendo os amigos de piadas;
Inveja de quem não tem medo de altura;
Inveja de quem ganha de presente cadernos de papel reciclado e canetas bico-de-pena;
Inveja de quem tem um Fusca 68 azul e nunca o bateu em um Honda Civic;
Inveja de todos os jogadores de futebol que já entraram no Arruda e foram saudados pela torcida do Santa Cruz, em qualquer época da humanidade;
Inveja de quem não é dono de bar;
Inveja total de quem chuta com as duas pernas e sabe cabecear bem;
Inveja de quem sabe usar a linguagem dos sinais e usa, sem ser surdo-mudo;
Inveja de quem joga bem dominó e faz um lá e lô no final decisivo do jogo;
Inveja de quem assistiu um show ao vivo da Elis Regina;
Inveja de quem tem uma casa própria;
Mais inveja ainda de quem tem uma casa própria no Poço da Panela;
Inveja de quem sabe recitar os próprios poemas para os amigos, e, especialmente, para a mulher que ama;
Inveja de quem recebeu um adiantamento da editora para escrever seu próximo livro, e vai passar seis meses só no fulozô;
Inveja de quem está viajando hoje para Cuba e depois Venezuela;
Inveja de todos os textos de Osvaldo Soriano, o argentino maravilhoso que escreveu “Uma sombra logo serás”;
Inveja de quem sabe dançar bem e tem disposição para dançar bem, como Luciana;
Inveja de quem tem um programa de rádio, de madrugada, coloca músicas lindas e lê as cartas enviadas pelos desconhecidos;
Inveja de quem conheceu a América Central numa longa viagem, cheia de amigos;
Inveja de quem toma um porre e se lembra de guardar os óculos num lugar seguro;
Inveja de quem não fica nervoso para falar em público;
Inveja de quem passou a tarde hoje num café, conversando com seu melhor amigo ou amiga;
Inveja de quem anota na agenda a data do aniversário dos melhores amigos, e lembra de telefonar no dia certo;
Inveja de quem tem disposição para fazer seu próprio aniversário;
Inveja de quem tem paciência para escolher e comprar roupas;
Inveja de quem toca “Carinhoso” no sax ou em qualquer instrumento;
Inveja de quem sabe cantar uma música de Lupiscínio Rodrigues bem afinado;
Inveja de quem sabe o nome das plantas e flores, como Iramarai;
Inveja de quem conheceu Antonio Porchia, no subúrbio de Buenos Aires;
Inveja de quem tem uma máquina fotográfica manual e tira fotos dos amigos, crianças e velhos há muitos anos;
Inveja de Carlos Pena Filho, pelo “Soneto do Desmantelo Azul”;
Inveja de quem salta de pára-quedas e fica gritando lá do céu um monte de palavrões;
Inveja de quem foi feliz na infância;
Inveja de quem encontrou seu amor tranqüilo;
Inveja de quem conviveu muito tempo com os avós;
Inveja de quem sabe recitar os poemas de Manuel Bandeira;
Inveja de quem tomou um porre com Antônio Maria;
Inveja de quem sabe o nome de todas as pontes do Recife;
Inveja de quem vai passar o sábado inteiro numa rede, lendo algo maravilhoso;

Invejas, simplesmente algumas invejas...

11 comentários:

Anônimo disse...

Sama,
Valeu a pena esperar.
Beijos

Anônimo disse...

eu tenho uma inveja infinita de quem conhece Samarone pessoalmente...

Anônimo disse...

Inveja eu tenho de quem expõe seus pensamentos e fragilidades num blog e consegue entrar na vida de pessoas que nunca cruzaram o seu caminho, mas que já o consideram como um amigo muito querido, daqueles que nos conhecem a fundo e mesmo assim nos querem bem.
Bjs, Ane.

Anônimo disse...

Ineja de quem vai brilhar como estrela na noite de 11 de outubro. Kika

Anônimo disse...

Meu filho, você não precisa ter inveja de nada nem de ninguém porque poucas pessoas (bem poucas!) têm o dom que você tem de abrir o coração e falar aquilo que nós mortais gostaríamos de falar. E poucas pessoas têm o privilégio de morar (mesmo que em casa alugada) no paraíso do Poço da Panela. Continue brilhando, meu querido, e iluminando nossos dias com frases e crônicas inteiras que são repouso para o coração tão atormentado com as coisas feias que o mundo oferece hoje.
Um cheiro, de mãe.

Anônimo disse...

Inveja do Sama pássaro, que tem vida aérea e voa de galho em galho como se fosse andorinha levando verão.
Inveja do Sama "grande alma" que de tão alto quase toca o céu.
Inveja do Sama místico que encontrei ao acaso no meio do nada com o terço na mão.
Inveja do Sama professor, que disse na hora certa "isso não é para mim".
Inveja do Sama filho de Oxalá.
Inveja do Sama poeta, que fez tantas vezes Luíza chorar.
Inveja do Sama cachaceiro, do Sama mate-com-leite, do Sama café-no-Franz.
Inveja do Sama que esteve em Viena e viu Kafka nas pontes.
Inveja do Samarone que não ama com a cabeça e se despedaça a cada amor.
Inveja do Sama brincalhão.
Inveja do Sama que cagou na Sorbonne de Paris e disse "Gustavo, dei uma palestra na Sorbonne".
Inveja do Sama jardineiro que nunca deixava faltar flores em casa.
Inveja do Sama na varanda olhando o tempo passar.
Inveja do Sama amigo de todos mas amante de si.
Inveja do Sama que tem inveja, porque até na inveja
ele é divino.

Anônimo disse...

Inveja do Sama pássaro, que tem vida aérea e voa de galho em galho como se fosse andorinha levando verão.
Inveja do Sama "grande alma" que de tão alto quase toca o céu.
Inveja do Sama místico que encontrei ao acaso no meio do nada com o terço na mão.
Inveja do Sama professor, que disse na hora certa "isso não é para mim".
Inveja do Sama filho de Oxalá.
Inveja do Sama poeta, que fez tantas vezes Luíza chorar.
Inveja do Sama cachaceiro, do Sama mate-com-leite, do Sama café-no-Franz.
Inveja do Sama que esteve em Viena e viu Kafka nas pontes.
Inveja do Samarone que não ama com a cabeça e se despedaça a cada amor.
Inveja do Sama brincalhão.
Inveja do Sama que cagou na Sorbonne de Paris e disse "Gustavo, dei uma palestra na Sorbonne".
Inveja do Sama jardineiro que nunca deixava faltar flores em casa.
Inveja do Sama na varanda olhando o tempo passar.
Inveja do Sama amigo de todos mas amante de si.
Inveja do Sama que tem inveja, porque até na inveja
ele é divino.

Anônimo disse...

Oi, Samarone!
Li, em algum lugar, que existem dois tipos de inveja: uma boa e uma ruim.
A inveja ruim é aquela em que não queremos que alguém tenha o que não temos. Desta, Deus nos livre!!
A boa é aquela em que "também" queremos ter a tal coisa invejada!! Rssss!!
E vc falou tão bem desta inveja boa, que também é ver nos outros talentos que admiramos, realizações que aplaudimos, coragem que almejamos, simplicidades que um dia ainda haveremos de ter...
Obrigada por mais este texto e por mais esta possibilidade de repensar a vida através das tuas palavras...
Bj!

Anônimo disse...

Salvador, 26 de maio de 2005

- Como assim descobriste o amor?
- Sim, parece que o encontrei. Não sei onde tinha andado por todo esse tempo, mas estou reconhecendo suas primeiras dores.

Cicinha descobriu o amor.
Naquela altura de sua vida, já tinha escutado e visto muita coisa; o amor sempre fora um pálido receio, o maior dos mistérios.
Há anos que a vida seguia como devia ser. Filha da solidão, vez ou outra ela era assaltada por um frio desconcertante a que chamava de paixão.
Mantinha-se distante das minúcias características da vida amorosa, e nem sequer poderia mensurar o significado de uma vida a dois. O casulo sempre se mostrou mais confortável do que a noite lá fora.

Acreditava ser o amor sinônimo de uma calma e tranqüilidade abstêmia, como uma mesma reza compartilhada por duas pessoas.

Com a paixão ela já andava de mãos dadas faz tempo. Adorava se apaixonar e vivia se apaixonando. Gostava da forma como manifestava em si a paixão.
Por vezes, um olhar derretia seu corpo até desmanchá-la bruscamente numa poça d’água, ou então a novidade de um pequeno gesto trazia consigo a dificuldade de uma escalada: buscava e não encontrava ar...
Esse arrebatamento trazia leveza aos seus passos, quase sempre pretensos demais. Seguia sua vida entre um café e outro, um parceiro e outro,
uma ou outra canção.

Com o tempo as situações, ou pelo menos o impulso delas, iam se repetindo aos olhos de Cicinha. Vivia dias de vitória-régia.
Ao mesmo tempo que superficialmente bela, banhando-se ao sol, ela escurecia tudo abaixo de si.
Intimamente escurecia.
Estava privada da luz das causas e finalidades. Por isso, voltava-se para dentro, onde permanecia sentada, simples e calmamente no seu negro interior.

O tempo passava cada vez mais rápido. Os olhares e pequenos gestos ficavam cada dia mais distantes: a vida estava rarefeita.
Na sua noite longa e interminável, Cicinha não esperava pelo amor.

Até que um dia, em fração de segundos, o seu coro desafinou.
Uma nota dissonante.
A nova melodia ergueu-a num sobressalto e espalhou suas certezas pelo ar. Não conseguia suportar a beleza dos novos ares. Por mais que respirasse, achava que nunca conseguiria acomodar tudo o que sentia.
Em cada pedaço de si que o vento soprava longe pulsava um desejo imenso de ter aquele homem.

A tranqüilidade que pensara passava longe do que sentia agora. Em pedaços, suspensa, planava entre os cômodos lotados, sentia ausência de sentido nas palavras que conhecia até hoje.

Não encontrava nada que pudesse expressar tamanho sentimento. Pensou em fabricar novas palavras, mas todos os alfabetos juntos reduziam demais as possibilidades.
Não conseguia mais falar. Sua boca lhe fugia. Só se ouvia o silêncio.
Qualquer coisa que dissesse lhe aprisionaria. Sentia-se como um cofre que não se pode fechar de tão cheio.Não-ser e Ser, para a mesma pessoa, só se diferencia pelos nomes.

Da escuridão em que vivia, passou às trevas.
A ligação às coisas e a desordem que dali provinham lhe deixavam cega.

Se pudesse falar, talvez dissesse que sentia uma saudade imensa dele.
De sua pele, do seu cheiro, dos seus lábios, de sua voz, de sua língua...
diria que ele lhe encantou a vida, que seus olhos lhe decifraram, que gostou de sua pele, da sua respiração.
Diria que é facil amá-lo, gostar dele, que não vai abandonar este sentimento,
que queria tê-lo conhecido antes para gostar ainda mais.

Mas ouvindo, nada disso faria sentido.

Ele precisava se ver dentro dela. Tomar o seu corpo, desvendar sua alma.
Ela se debatia na mesma escuridão que a acalmava. Precisava desesperadamente ser possuída por ele. Ser o próprio embaraço dos seus cabelos, a cegueira dos olhos embaçados, o embaralhar de suas veias.

Quando finalmente se encontraram, Cicinha lembrou-se da oração a dois.

Como não sabia mais rezar, ofereceu a ele o seu olhar.

Anônimo disse...

Sama querido,
Pode economizar sua inveja, amor tranquilo não existe

hel m.. disse...

inveja de quem confessa inveja.