quarta-feira, 26 de abril de 2006

A cidade e suas feridas

Se você é recifense como infelizmente eu não sou, evite ir ao centro da cidade. Evite ir ao núcleo intenso, onde a cidade poderia respirar esplêndida, em meio às pontes, atravessadas pelo eterno Capibaribe, o nosso rio. Não sei o que há, mas tudo está murchando, tudo está feio e maltratado. É como um imenso jardim, sem jardineiro, sem adubo, sem flores.

O lendário Diário de Pernambuco não está mais lá. Tudo em seu entorno, os bares, os mata-fome, os pega-bêbados, já não existem. Acabou aquela movimentação de jornalistas, fotógrafos, carros, acabou uma vida que se respira ao lado de um jornal. O Jornal do Commercio também deixou o centro da cidade, e está próximo ao Diário, ali pela rua do Lima. Os jornais não estão mais no centro, nem na periferia, então não entendo nada.

Os botecos, os velhos e deliciosos botecos, estão sendo engolidos por essa máfia intensa, a do "crédito pessoal", ou do "empréstimo consignado", para os velhos, os nossos velhos, que estão cheios de dívidas. Triste de um país que tem mais empresas de empréstimo consignado para seus velhos, do que botecos ou livrarias. Algo vai mal, muito mal, quando os velhinhos vão caminhando, e há bandos de rapazes e moças oferecendo dinheiro na hora. Para mim, são como urubus, em cima de quem mal tem algo para sobreviver. Emprestam dinheiro fácil, com os juros mordendo o pescoço, em prestações fixas, com o dinheiro descontado em folha. Assim é fácil emprestar dinheiro. E nem me venham com essa de terceira idade, porque velho é uma palavra linda, forte, e que define tempos.

Há muitas farmácias no centro, para as doenças do nosso povo. Há dezenas de lojas de jogo do bicho, no centro do Recife. Há milhares de camelôs, vendendo pipoca, guarda-chuva e óculos escuros. Todas as mulheres do Recife agora querem usar imensos óculos escuros, escondendo o rosto e alguma tristeza, creio.

Não há uma livraria no centro do Recife. Pode rodar por todas as ruas, que a mendicância cultural é imensa. Me sinto como aquele cego, oferecendo o chapéu em busca de trocados. "Uma livraria para o ceguinho, pelo amor de deus!" Mas nem chapéu tenho. O Bndes tem bilhões e bilhões em seus cofres, financiou agricultores, produtores de vinho, fábricas as mais diversas, tinha a obrigação de chamar Tarcisio Pereira, o nosso "Livro 7" e dizer:

"Vamos te dar um dinheiro para tu fazer novamente uma grande e deliciosa livraria no centro do Recife, com café e espaço para lançamento de livros".

O Savoy já era. A Cristal já era. O Dom Pedro eu não sei, fui muito pouco.

Passo nos sebos. Há somente livros de primeiro e segundo grau à venda. Nunca vi sebo que não tem sequer um Henry Miller gasto, largado num canto, por cinco contos. Olho o "Camelódromo", inaugurado com pompa e circunstância outro dia, por algum prefeito que não lembro. Está lá, um resto de sobra de obra que rendeu muita grana a alguém. Carcaças urbanas e uns pobres diabos jogando dominó, debaixo de um calor infernal. Ó ceus.

Nem vou falar do Bairro do Recife. A parte mais linda do Recife está ao deus-dará. Era para ser o centro de uma vasta produção cultural, mas é o arremedo de algo que não vingou.

A melhor parte desta visita melancólica, foi quando peguei o Alto Santa Isabel e voltei para casa.

Deixemos de louvar tanto o Recife. A cidade está cheia de feridas.

Ps. Renilde, recebi o presente. Obrigado. Não sei ainda como agradecer.

7 comentários:

Anônimo disse...

No Recife não existe o publico só o privado. É grave. As vias públicas estão abandonadas. A cidade não tem vida, gente, espaços, cafés, bares, sebos. Não há espaços pensantes. Não há feiras, pequenos mercados, pequenas lanchonetes, árvores, parques. Só há Shopping center. Diferem totalmente de outros estados mesmo igualmente caotico do BRA, tipo RJ, SP, BH, onde as pessoas estão na rua livremente. Concordo inteiramente com voce, apesar de infelizmente ou felimzmente ser do Recife.Pior que existe um barrismo infantil que não constre uma nova cidade.

Anônimo disse...

Você é muito mais recifense do que muitos "da gema", pode crer. Olha, todos os anos quando vou ao Recife me programo para dar uma volta no centro, atravessar as ilhas pelas pontes e resgatar, de uma certa maneira, a minha pernambucanidade. Mas da última vez que fiz isso, me arrependi da iniciativa, porque andei aos tropeços tentando me desviar dos buracos do calçamento, e fui abordada em cada passo por alguém pedindo a minha ajuda. Minha cidade está feia, suja e triste.
Bj, Ane.

Anônimo disse...

Dia desses fui à Fortaleza. Visitei um tal "Dragão do Mar". Excelente! Tem um belo café, uma pequena livraria, um plantário, espaço pra pequenos shows de MPB, anfiteatro, uma espaço gramado e alguns bares "imitando" a Rua do Bom Jesus.
Aí eu me pergunto, o que aconteceu ao Recife ANtigo? Pq o Recife não é mais atrativo para o turismo como outrora?
Fui às prais de Forteleza, fui bem atendido, com cerveja gelada, sombra de verdade (e não aqueles guarda-sóis terríveis), não paguei R$1,50 pra tomar banho de água doce pra tirar o sal nem paguei R$2,50 por pessoa pra sentar na cadeira.
Algo está errado, não?

Anônimo disse...

Dia desses fui à Fortaleza. Visitei um tal "Dragão do Mar". Excelente! Tem um belo café, uma pequena livraria, um plantário, espaço pra pequenos shows de MPB, anfiteatro, uma espaço gramado e alguns bares "imitando" a Rua do Bom Jesus.
Aí eu me pergunto, o que aconteceu ao Recife ANtigo? Pq o Recife não é mais atrativo para o turismo como outrora?
Fui às prais de Forteleza, fui bem atendido, com cerveja gelada, sombra de verdade (e não aqueles guarda-sóis terríveis), não paguei R$1,50 pra tomar banho de água doce pra tirar o sal nem paguei R$2,50 por pessoa pra sentar na cadeira.
Algo está errado, não?

Anônimo disse...

Cidade abandono - Há pobreza e negligência na cidade submersa. Há fome, há lama, há abandono e mentira. Há falácias e propagandas enganosas. O poder público embala-se no papel pintado do poder privado e vende até a alma populista e enganadora de trouxas. O resultado é esse: caos nas ruas e colorido na tv. Uma cidade que reluz virtualmente e outra que apodrece em cada esquina, em cada bueiro aberto, em cada garrafa de cola e esgoto escorrendo nas não-calçadas do centro. Em março de 2002 saiu no Diário de Pernambuco (tenho a página guardada) matéria imensa afirmando que a Av. Conde da Boa Vista passaria por uma recauchutagem completa, novas calçadas, reordenamento (!) de postes e bancas de revistas etc. Passados quatro anos, só a podridão aumenta dia a dia. A cidade-anfíbia é isso: a mentira no discurso do poder público, esmolas para o proletariado não morrer de fome, obras e segurança nos bairros chiques, abandono e remendos para o resto, que se vira e se afoga.

Anônimo disse...

oxe, se a obra da prefeitura é cuidar das pessoas, então, não podemos exigir que ela cuide da cidade.
viva sandy e junior.
viva o carnaval multicultural que trás gabriel pensador, eduardo(ou é duardo?)dusek, venessa com sua mata.
viva os projetos culturais com as figurinhas marcadas: silvério, lula queiroga, num sei quem do coco, coco de num sei aonde, mestre salustiano.
viva os criativos projetos paralelos: sir rossi, seu chico, del rey.
viva o dinheiro público do rec-beat e do abril pro rock.

VIVA O RECIFE, O BRASIL E SEUS POLÍTICOS.
VIVA O TURISMO SEXUAL DE FORTALEZA.

pra quem adorou o dragão do mar, quando forem a fortaleza, curtam uma noite lá em iracema.

Anônimo disse...

Linda e melancólica está tua crônica. Quando estive no recife em 2004, não cheguei a ver esta cidade... Engraçado. lembro de ter visto o Jornal do Comércio - naquela época você escrevia pra lá... E pensei, quem sabe não topo com o Samarone por uma dessas esquinas... Espero que a cidade seja curada em breve dessas feridas...
Aquele abraço, Priscila