quarta-feira, 19 de abril de 2006

Das vantagens de ser pidão

Chego ao lançamento de "Zarattini: a paixão revolucionária", na Livraria Cultura. Fico por ali, perambulando, tomo um cafezinho, espio os livros, vejo os convidados chegarem, até que vejo Lucila, minha amiga, toda sorridente. Esteve no Rio de Janeiro, reencontrou o filhote Zeca, que agora vive por lá. Me leva até Vanja Campos, que me entrega, assim de sopetão, o livro "Sempre aos domingos", que comentei outro dia aqui neste espaço. Comentei não, pedi mesmo um exemplar a alguém, porque sou meio pidão mesmo. O livro é uma coletânea das crônicas publicadas por Renato Carneiro Campos, aos domingos, no Diário de Pernambuco.

Pronto, ganhei a noite. Fiquei lambendo o presente, olhando, cheirando as páginas. É uma linda edição da Editora Bagaço, de capa dura e tudo o mais. Fiquei pensando comigo sobre as inúmeras vantagens de ser pidão, tema para crônica futura.

Coordenei o debate sobre o livro de Zarattini, tudo correu bem, muita gente foi ao lançamento, Zarattini autografou uns 200 livros, mas por dentro eu já estava com aquela psicanálise: mais tarde, vou ler coisas lindas. Esperei como um menino que recebe um presente no Natal, mas tem que esperar o dia amanhecer, para abri-lo.

Cheguei em casa, fiz um chá, liguei o ventilador no três e comecei a ler. Dormi em cima da página 99.

É um livro que os amantes da crônica deveriam obrigatoriamente ler, e que os recifenses não podem deixar de ter em casa, num lugar privilegiado da estante. Vamos a alguns trechos:

"Acontece que alguns dias atrás, aqui na minha rua de subúrbio, voltando do trabalho, descobri, de repente, que as mangueiras estão carregadíssimas de frutos. Que os balaieiros já começam a perfumar as ruas de caju. À noite, vi cadeiras nas calçadas, um grupo de jovens tocando violão na esquina, a noite estrelada como no poema de Pablo Neruda. Valia a pena o meu amigo vir. Eu próprio, estando no Recife, tive a sensação de haver voltado".
(In "Vitrine de verão")
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"Foi um homem de muito sangue e muita alma: do bom comer, do bom beber e do bom amar. Comia, bebia, e amava, com fé, os bons pratos, as bebidas e as mulheres. Estava mergulhado na vida até a raiz dos cabelos. Deve ter ssaído dela sem querer, como um penetra que se põe para fora de uma grande festa. O aviso rude da morte, porém, não o atemorizou, compareceu ao encontro marcado sem xaropes, pílulas e barbitúricos, procurando testar o coração chumbado da dor da angina e da mágoa da saudade".
(Numa crônica sobre Antônio Maria)
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"A fraternidade e o espírito boêmio, no melhor sentido da exporessão, eram os denominadores comuns, os requisitos necessários para se ingressar em tais reuniões. Os maledicentes, os censores da vida alheia, os caçadores de defeitos, os abstêmios sentenciosos, os sectários, todos esses não tinham vez. Gente assim desonera uísque e esquenta cerveja".
(In "Sempre aos sábados", em que fala de um gruo de amigos que se encontrava todos os sábados, para uma salutar farra.)
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"Andersen, minha boa e delicada Andersen, onde você estiver, bordando os seus paninhos ou lendo poemas de amor, escrevendo cartas em papel de linho ou pagando promessas, bebendo chá com bolacha Maria ou assistindo a novelas, conferindo a dieta ou regulando as doses de barbitúrico de mulher mal-amada, acredite que você foi o toque mais ameno desta cidade no ano que corre".
(In "Um Zorro da Cultura")
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"E a vida para quem não tem coragem de morrer ou de ser ridículo, de se renovar, é pior do que uma prisão, não vale grande coisa".
(In "Tristeza do carnaval")
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"A notícia está em todos os jornais: Joaquim Cardozo foi denunciado pelo promotor da Sétima Vara Criminal de Belo Horizonte, Francisco Raposo Lima, como um dos responsáveis pelo desabamento do Pavilhão Parque da Gameleira.
(...) Creio que, para qualquer advogado, nada mais fácil do que fazer a defesa de Joaquim Cardozo. Basta ler uma de suas poesias, fazer o rol do que ele já ajudou a construir no Brasil".
(In "Uma injustiça de doer")
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Só me resta perguntar a Vanja, filha do Renato Carneiro Campos, onde o livro está sendo vendido, bem como o preço. Ontem, o busquei na Livraria Cultura e não estava nem catalogado para venda. Se eu fosse dono ou gerente de vendas da citada livraria, colocaria "Sempre aos domingos" bem na entrada, para concorrer com um monte de livros recém-lançados que não dizem muita coisa. Aliás, não dizem coisa nenhuma mesmo. Geralmente, são os mais vendidos.

Vou terminando por aqui, porque terei um dia longo. Tenho ainda 320 páginas pela frente. Acabei de olhar para a rede. Não contem comigo para reuniões, trabalhos, lançamento de livros, aniversários, eventuais noivados ou a reles farra. Passarei o dia com o Renato Carneiro Campos, este pássaro pernambucano de canto raro.

Obrigado, Vanja.

4 comentários:

Anônimo disse...

bom passeio.

Anônimo disse...

Com certeza vc terá um excelente dia numa excelente companhia!!
Boa leitura...

Anônimo disse...

Quanto a nós, seus leitores, Samarone, estamos sempre em muito boa companhia com suas cronicas, pedacinho importante de felicidade em nossas vidas.
Um abraco,
Claudia

Anônimo disse...

Sama,

Valeu pela dica! Pelos fragmentos, deve ser um lindo. E ainda tem umas quatrocentas e poucas páginas! Nossa! É pra ler e reler por bastante tempo.

Aguardo que você diga onde conseguir.

Beijos e valeu pela atenção na história de Zarattini!