quinta-feira, 4 de maio de 2006

Trinta e sete anos + um dia

Acordo às 5h32 da manhã, tenho 37 anos e mais um dia, resolvo seguir as ordens da doutora Bebete – vou dar uma caminhada para manter a forma, já não sou esse menino todo, só a pelada do domingo não resolve. Passo na frente da casa de Lucidélia, ela dá o grito lá de dentro, volto, ela pede para esperar. Está indo para o Hospital Português, fazer mais uma sessão de radioterapia. Lucidélia teve câncer na mama ano passado, fato inclusive relatado aqui, mas está driblando a doença como uma Garrincha da vida. Fez quimioterapia, os cabelos caíram, sofreu como um bicho, e agora está na fase mais suave.

Vamos caminhando para a 17 de Agosto. Ela vai levando a revista Caras, edição novíssima, de abril de 2005. Charles e Camilla estavam casando, e difícil é saber quem é mais sem graça dos dois, como dizemos por aqui, eles "se merecem".

“Levo para ler durante a radioterapia, depois deixo lá”, diz Lucidélia.

Pergunto quantas sessões ela vai ter que fazer.

“Trinta”. Faz a conta nos dedos, hoje é a quinta.

“Daqui a pouco estás boa”, digo.

“É, mas vou passar cinco anos de acompanhamento, até dizer que estou curada”.

“Tu acha ruim, viver mais cinco anos?”

Ela sorri, vamos conversando água, pego a revista, sorrateiramente arranco a página que é só de frases, eu e minhas obsessões. Gosto logo de uma: “O mais elevado nível da imaginação é surpreender-se com o esperado”, do Rudolf Kassner, filósofo tcheco. Vai para minha coleção.

Vem o Alto Santa Isabel, ela entra, me dá a revista de presente. Saio para minha caminhada, vou perambulando pelas ruas de Casa Forte, chegou a Casa Amarela, gosto dessa movimentação matinal, quando a cidade ainda não virou o caos, e é possível encontrar um ônibus levando dois, três sonolentos passageiros. Um homem gordinho passa com seu cão gordinho, o cachorro vem me cheirar, o gordinho (o homem) dá um puxavanco na coleira, quase quebra o pescoço do cachorro gordinho, não sei para que isso, mas tudo bem.

Vou por aqui, por ali, preferindo ruas mais arborizadas, sem carros, reparo nas bicicletas, há uma legião de pessoas que vão ao trabalho de bicicleta, fora os que levam os filhos para a escola, se equilibrando em duas rodas. Vou pensando na vida, nas coisas que preciso fazer, tenho agora 37, é o momento de amadurecer, saber equilibrar o orçamento, casar, ter filhos para levar ao Arruda, essa conversa fiada toda, até que volto, chego no Poço, lá vem Egildo e Jacó, Egildo com a cara enfarrascada, meio amassada, vão trabalhar numa obra, domingo estarei dando lenhadas nas canelas de Jacó, um artilheiro meia boca dos Caducos, que tenta imitar Romário. Mais conversa fiada e toco o barco.

Chego em casa, tomo um banho, e vem aquela moleza inexplicável, daqui a pouco sou informado que estou com a tal da virose, assisti os gols da rodada de ontem deitado no sofá de Teresa, minha vizinha, a almofada puro a cigarro. Volto me arrastando para casa. Dona Ermira detecta febre, vai fazer um chá de limão com alho, cancela nosso passeio de hoje para fazer um crediário (dessa vez, estou "andando descalço").

Entrei nos 37 com um passeio com Lucidélia, a revista Caras e a virose. A revista está aqui ao lado. Vou olhar as fotos lindas, todo mundo perfeito, famílias felizes, cozinhas impecáveis. “Desde o início, quis criar uma base firme para nossos filhos”, diz a Luisa Brunet, que já me deu muitas alegrias na puberdade. “Estas mulheres representam o espírito festivo da Bacardi, diz Correia, que não sei quem é, e as cinco mulheres são mesmo para o cara abandonar o velho Montilla.

Uma informação importantíssima para meus leitores: “Se tratada logo com benzonidazol, doença de Chagas pode ser curada”, explica o médico Artur Timerman. O papa tinha acabado de morrer. O príncipe Rainier também. Há páginas com fotos de casais que separaram, outros reconciliaram, mas tudo é sempre maduro, cabeça, querem manter a amizada, essa conversa toda, o importante é os filhos, ninguém contratou advogado, não houve bate-boca, ninguém admite que fez uma baixaria na saída, querendo levar os melhores CDs. A frase mais criativa de um pai: “Joaquim ampliou meu horizonte no que diz respeito ao amor”, diz Luciano Huck.

“A Europa percebe, afinal, que temos mais do que música e café de qualidade”, diz Franziska Hübner, de 38 anos, que “se sente em casa em Paris”. Nunca vi mais gorda.

Resta-me o horóscopo:

“A agitação externa diminui e você tem mais tempo para cuidar de si e dos seus. Vá ao cabeleireiro, faça compras, cozinhe algo gostoso. Não obrigue ninguém a nada, nem se sinta ofendido caso as pessoas queridas não o acompanhem. Elas têm vida própria”.

Estou liso, não quero cortar os cabelos agora e não gosto de obrigar ninguém a nada. A rede está aqui ao lado, o chá de limão com alho chegou, vou me aquietar. Tomara que sábado eu esteja inteiro, porque o Santa pega a Ponte Preta no Arruda, escutar jogo pelo rádio é muito angustiante.

E obrigado a todos que me desejaram feliz cumpleaños, fora os que vieram bebericar em Vital.

Ps. a tal da virose me pegou de jeito. Estou em casa, na lona. Se der, amanhã atualizo o Blog.

7 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Samarone!!!
De uma leitora que você desconhece mas que adora suas histórias..

Anônimo disse...

Sama,
melhoras.. e vale lembrar que parte de seu horoscopo, D. Ermira já tinha previsto. E com ela por perto, certamente essa virose não dura muito! Graças a DEUS!
Beijos

Anônimo disse...

Sama, ainda tô rindo com aquela história do velhote que tu levou no hospital. Conta aí p/ o resto do pessoal.
João Valadares

Anônimo disse...

João,
essa história vai entrar na edição de manhã, pode crer. Hoje, estou na base de rede e cuidados da mãe.
inté mais ver,
sama

Anônimo disse...

Adorei a crônica! Consegui imaginar tanto o caminho, quanto as imagens da revista! Cara, você tem muito talento!
Grande abraço, Priscila

cometaurbano disse...

Sama, esta crônica está a tua "caras". he he he. Piadinha boba. Beijão na Eririnha. Abraço do mano PH

Anônimo disse...

Parabéns, Samarone! Por mais uma crônica e pelo aniversário. Não vou me dar ao trabalho de ir ao velho Aurélio ali na minha estante, mas acredito que ele não tenha registrado a palavra "enfarrascada", que, portanto, deve ter sido criada por você. Neologismo arretado pra descrever os efeitos físicos na cara de alguém de ressaca.